06/05/2016

Temas para meditar - 628


Sofrimento

Não posso lutar contra o sofrimento nem proteger-me ­dele. 
Também não preciso de me obrigar a suportá-lo com valentia ou a conter as minhas lágrimas. 
As dificuldades do sofrimento são, contudo, as dores de parto do nascimento Deus no fundo da minha alma. Sofrer conduz-me, portanto até ao mais profundo da minha alma. 
Lá, Deus nascerá mim. Depois disso, tal como acontecia antes, o sofrimento causar-me-à dor. 
E, muitas vezes, mal o consigo suportar. 
É como as dores de parto que também são insuportáveis as mulheres. 
A mulher suporta-as porque sabe que essa é forma de dar à luz o seu filho. 
Podemos assim aceitar o sofrimento como uma indicação de que o próprio Deus actua sobre nós e quer entrar na nossa alma.

(anselm grunA incompreensível existência de Deus, Paulinas, p. 64)

Ano Jubilar da misericórdia - Reflexão

oracao01Oração

Na misericórdia também se encerra um dever muito especial e de suma importância: rezar pelos outros.

Não precisamos saber o que necessitam, rezemos simplesmente encomendando a Deus, que sabe tudo, que "aplique" o mérito da nossa oração - terá sempre um mérito - por essa pessoa.

De certa forma poderemos considerar que rezar pelos outros não será mais que devolver um bem que recebemos.
Sim, muitos rezam por nós, desde logo os nossos amigos, familiares, quem nos quer bem e, depois a quantidade incomensurável de pessoas que nem sequer conhecemos e que rezam pelos outros.

Chamemos-lhe "orações anónimas" ou seja todas aquelas que não têm um "objectivo singular" mas multitudinário como, por exemplo, algumas orações que se usam na Santa Missa, ou – por exemplo -quando rezamos pelas almas do Purgatório.

A oração nunca se perde, o Senhor aplica as nossas preces com um critério justíssimo porque é o Seu.
Mais tarde, na vida eterna saberemos o verdadeiro "destino" das nossas orações e, também, quem rezou por nós.

Como disse, rezar pelos outros é a mais excelente obra de misericórdia porque estamos a dar, de facto, algo de inestimável valor que nem sabemos nem a dimensão nem o alcance.

Lembro, por exemplo, alguém que por costume diário, quando se deita na sua cama para passar a noite, costuma rezar desta forma:
‘Agradeço-te Senhor o conforto de que desfruto e peço-te por todos aqueles que não têm nem um pouco do que me concedes.’

Não é uma beleza?

E tantas outras ocasiões e motivos que podemos usar. [1]




[1] (ama, Reflexão, Ano Jubilar da Misericórdia, 2016.01.31)

Antigo testamento / Génesis 44

Génesis 44

A taça de prata no saco

1 José deu as seguintes ordens ao administrador de sua casa: "Enche as bagagens desses homens com todo o mantimento que puderem carregar e coloca a prata de cada um na boca da sua bagagem.

2 Depois coloca a minha taça, a taça de prata, na boca da bagagem do mais novo, juntamente com a prata paga pelo trigo". E ele fez tudo conforme as ordens de José.

3 Assim que despontou a manhã, despediram os homens com os seus jumentos.

4 Ainda não se tinham afastado da cidade, quando José disse ao administrador da sua casa: "Vai atrás daqueles homens e, quando os alcançares, diz-lhes: Por que retribuístes o bem com o mal?

5 Não é esta a taça que o meu senhor usa para beber e para fazer adivinhações? Vós cometeste uma grande maldade!"

6 Quando ele os alcançou, repetiu-lhes essas palavras.

7 Mas eles responderam-lhe: "Por que o meu senhor diz isso? Longe dos seus servos fazer tal coisa!

8 Nós trouxemos-lhe de volta, da terra de Canaã, a prata que encontramos na boca da nossa bagagem. Como roubaríamos prata ou ouro da casa do teu senhor?

9 Se algum dos teus servos for encontrado com ela, morrerá; e nós, os demais, seremos escravos do meu senhor".

10 E disse ele: "Concordo. Somente quem for encontrado com ela será meu escravo; os demais estarão livres".

11 Cada um deles descarregou depressa a sua bagagem e abriu-a.

12 O administrador começou então a busca, desde a bagagem do mais velho até a do mais novo. E a taça foi encontrada na bagagem de Benjamim.

13 Diante disso, eles rasgaram as suas vestes. Em seguida, todos puseram a carga de novo nos seus jumentos e retornaram à cidade.

14 Quando Judá e os seus irmãos chegaram à casa de José, ele ainda lá estava. Então eles lançaram-se ao chão perante ele.

15 E José perguntou-lhes: "Que foi que fizeram? Não sabeis que um homem como eu tem poder para adivinhar?"

16 Respondeu Judá: "O que diremos ao meu senhor? Que podemos falar? Como podemos provar a nossa inocência? Deus trouxe à luz a culpa dos teus servos. Agora somos escravos do meu senhor, como também aquele que foi encontrado com a taça".

17 Disse, porém, José: "Longe de mim fazer tal coisa! Somente aquele que foi encontrado com a taça será meu escravo. Os demais podem voltar em paz para a casa do vosso pai".

18 Então Judá dirigiu-se a ele, dizendo: "Por favor, meu senhor, permite-me dizer-te uma palavra. Não se acenda a tua ira contra o teu servo, embora sejas igual ao próprio faraó.

19 O meu senhor perguntou a estes seus servos se ainda tínhamos pai e algum outro irmão.

20 E nós respondemos: Temos um pai já idoso, cujo filho mais novo nasceu na sua velhice. O irmão deste já morreu, e ele é o único filho da mesma mãe que restou, e o seu pai o ama muito.

21 "Então disseste aos teus servos que o trouxessem a ti para que os teus olhos pudessem vê-lo.

22 E nós respondemos ao meu senhor que o jovem não poderia deixar o seu pai, pois, caso o fizesse, o seu pai morreria.

23 Todavia disseste aos teus servos que, se o nosso irmão mais novo não viesse connosco, nunca mais veríamos a tua face.

24 Quando voltamos ao teu servo, a meu pai, contamos-lhe o que o meu senhor tinha dito.

25 "Quando o nosso pai nos mandou voltar para comprar um pouco mais de comida, nós lhe dissemos: 'Só poderemos voltar para lá, se o nosso irmão mais novo for connosco. Pois não poderemos ver a face daquele homem, a não ser que o nosso irmão maisnovo esteja connosco'.

26 "O teu servo, meu pai, disse-nos então: Sabeis que a minha mulher me deu apenas dois filhos.

27 Um deles foi-se, e eu disse: Com certeza foi despedaçado. E, até hoje, nunca mais o vi.

28 Se agora também levarem este de mim, e algum mal lhe acontecer, a tristeza que me causarão fará com que os meus cabelos brancos desçam à sepultura'.

29 "Agora, pois, se eu voltar ao teu servo, a meu pai, sem levar o jovem connosco, logo que meu pai, que é tão apegado a ele, perceber que o jovem não está connosco, morrerá. Os teus servos farão o seu velho pai descer os seus cabelos brancos à sepultura com tristeza.

30 "Além disso, o teu servo garantiu a segurança do jovem a seu pai, dizendo-lhe: 'Se eu não o trouxer de volta, suportarei essa culpa diante de ti pelo resto da minha vida!'

31 "Por isso agora te peço, por favor, deixa o teu servo ficar como escravo do meu senhor no lugar do jovem e permite que ele volte com os seus irmãos.

32 Como poderei eu voltar para meu pai sem levar o jovem comigo? Não! Não posso ver o mal que sobreviria a meu pai".

 (Revisão da versão portuguesa por ama)









Maio - Santo Rosário - comentários ao Quinto Mistério Gozoso


Jesus entre os doutores

A VOZ DO MAGISTÉRIO

«Através deste episódio, Jesus prepara a Sua mãe para o mistério da Redenção. Maria, juntamente com José, vive nesses três dramáticos dias em que o Filho Se separa deles, para permanecer no Templo, a antecipação do tríduo da Sua paixão, morte e ressurreição.


Deixando partir a Sua Mãe e José para a Galileia, sem lhes indicar a intenção de permanecer em Jerusalém, Jesus introdu-los no mistério daquele sofrimento que leva à alegria, antecipando quanto haveria de realizar depois com os discípulos, mediante o anúncio da Sua Páscoa.

A resposta de Jesus em forma interrogativa é densa de significado: «Porque Me procuráveis? Não sabíeis que devia estar em casa de Meu Pai?» [1]. Com essa expressão Ele, de modo inesperado e imprevisto, revela a Maria e José o mistério da Sua Pessoa, convidando-os a ultrapassar as aparências e abrindo-lhes perspectivas novas quanto ao Seu futuro.

Esta referência à total dedicação ao projecto de Deus é evidenciada no texto evangélico, pela expressão verbal «é necessário», que aparecerá, depois, no anúncio da Paixão [2]. Aos Seus pais, pois, é pedido que O deixem ir, a fim de cumprir a Sua missão lá onde O conduz a vontade do Pai celeste.

O Evangelista comenta: «Mas eles não compreenderam as palavras que lhes disse» [3]. Maria e José não percebem o conteúdo da Sua resposta, nem o modo, que parece ser uma rejeição, com que Ele reage à preocupação deles como pais. Com esta atitude Jesus quer revelar os aspectos misteriosos da Sua intimidade com o Pai, aspectos que Maria intui sem, porém, os saber ligar com a prova que estava a atravessar.

As palavras de Lucas permitem-nos conhecer como Maria vive no mais profundo do seu ser este episódio deveras singular. Ela «guardava todas estas coisas no seu coração» [4]. A Mãe de Jesus liga os eventos ao mistério do Filho, que lhe foi revelado na Anunciação e aprofunda-os no silêncio da contemplação, oferecendo a sua colaboração no espírito de um renovado «fiat».

Inicia assim o primeiro elo duma cadeia de eventos, que levará Maria a superar progressivamente o papel natural, que deriva da sua maternidade, para se pôr ao serviço da missão do seu divino Filho.

são joão paulo ii (século XX). Discurso na audiência geral, 15-I-1997.

A VOZ DOS PADRES DA IGREJA

«Feitos os doze anos, detém-Se em Jerusalém. Os Seus pais, não sabendo onde estava, procuram-n’O com inquietação e não o encontram. Procuram-n’O entre os parentes, entre os companheiros de viagem, entre os conhecidos; mas não o encontram com nenhuma destas pessoas. Jesus é procurado pelos seus pais, pelo pai adoptivo que o tinha acompanhado e velado por Ele no Egipto; e, no entanto, apesar de tanta procura, não o encontram logo.
Jesus, com efeito, não se encontra entre os parentes e amigos segundo a carne, não está entre os que se unem a Ele corporalmente. O meu Jesus não pode ser encontrado na multidão.

Aprende onde o encontram os que O procuram, de maneira que também tu — procurando junto de José e Maria — o possas encontrar. Ao procurá-l’O, diz o evangelista, acharam-n’O no templo [5]. Não O encontraram num lugar qualquer, mas no templo; e nem sequer simplesmente no templo, mas no meio dos doutores, que escutava e interrogava [6]. Procura também tu Jesus no templo de Deus, procura-O na Igreja, procura-O nos mestres que estão dentro do templo e não saem de lá. Se O procurares assim, encontrá-l’O-ás.

Por outro lado, se alguém afirma que é mestre e não possui a Jesus, esse é mestre só de nome; e Jesus, Verbo e Sabedoria de Deus, não se deixa encontrar junto dele. Encontram-n’O enquanto está sentado no meio dos doutores; e não só está sentado, mas interroga-os e escuta-os. Também agora Jesus se encontra aqui connosco, questiona-nos e nos escuta-nos. E todos os que O ouviam estavam maravilhados [7]. Porquê? Não era certamente pelas Suas perguntas, embora fossem extraordinárias, mas pelas Suas respostas. Interrogava os doutores e como eles não conseguiam responder a algumas das Suas perguntas, Ele próprio respondia. Mas a Suas respostas não se baseavam na habilidade da discussão, mas na sabedoria da Sagrada Escritura. Também tu, portanto, deixa-te instruir pela Lei divina»

orígenes (século III). Homilias sobre o Evangelho de São Lucas 18, 2-4.

«Não se deve passar por alto a modéstia santa da Virgem Maria. Tinha dado à luz a Cristo; um anjo tinha-se aproximado d’Ela e tinha-lhe comunicado: eis que conceberás no teu seio e darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus. Será grande e será chamado Filho do Altíssimo [8]. Embora tivesse merecido dar à luz o Filho do Altíssimo, era muito humilde; nem sequer se antepôs ao marido no modo de falar. Não diz: "eu e teu pai", mas: o teu pai e eu. Não teve em conta a dignidade do seu seio, mas a hierarquia conjugal.

A resposta do Senhor Jesus Cristo: convinha que Eu me ocupasse das coisas do Meu Pai [9], não indica que a paternidade de Deus exclua a de José. Como o provamos? Pelo testemunho da Escritura, que afirma textualmente: Ele disse-lhes: "Porque me procuráveis? Não sabíeis que é necessário que Eu esteja nas coisas do Meu Pai?" Mas eles não compreenderam o que lhes disse. E foi com eles, e veio para Nazaré, e era-lhes submisso [10]. Não disse: "Era submisso à Sua Mãe", ou: "Era-lhe submisso", mas: era-lhes submisso. A quem? Não era aos pais? Um e outro eram pais, a quem Ele era submisso, do mesmo modo que se tinha dignado ser Filho do homem. Mas eles eram pais no tempo e Deus era-o desde a eternidade. Eles eram pais do Filho do homem, o Pai o era do Seu Verbo e Sabedoria, era Pai do Seu Poder, por quem fez todas as coisas».

santo agostinho (séculos IV-V). Sermão 51, 18-20.


A VOZ DOS SANTOS

«Fixemo-nos nas angústias e pesares que deve ter experimentado esta aflita Mãe durante os três dias que passou a procurar por todos os lados o seu adorado Filho. Por ventura vistes — exclamaria com a Esposa dos Cantares — O amado da minha alma? [11]. Mas ninguém lhe sabia responder. Cansada e fatigada, Maria, sem poder achar o íman do seu coração, podia dizer com mais ternura do que Ruben ao não encontrar o irmão José: o menino já lá não está e eu para onde irei? [12]. O meu Jesus não aparece em nenhum lado; não sei que mais devo fazer para o encontrar; mas, para onde irei privada do meu tesouro? Durante aqueles três dias viveu banhada em pranto e podia muito bem repetir aquelas palavras de David: as lágrimas são o meu pão noite e dia, e durante todo o tempo me perguntam: onde está o teu Deus? [13].
Era tão grande a aflição de Maria, que passou aquelas três noites sem dormir, rogando com abrasadas lágrimas ao Eterno Pai que lhe devolvesse o seu Filho. E com frequência, como observa São Bernardo, dirigia-se ao seu querido Jesus repetindo aquelas palavras da Esposa do Cantares: mostra-me onde apascentas, onde fazes a sesta ao meio-dia [14]. Meu Filho diz-me onde estás, a fim de que não Te vá procurar em vão e à aventura».

santo afonso maria de ligório (século XVIII). As glórias de Maria.

«Cristo é uma criança. Que dor a de sua Mãe e a de S. José, porque - no regresso de Jerusalém - não vinha entre os parentes e amigos! E que alegria a sua, quando o vêem, já de longe, doutrinando os mestres de Israel! Mas reparai nas palavras, aparentemente duras, que saem da boca do Filho, ao responder a sua Mãe: por que me buscáveis?

Não era razoável que o procurassem? As almas que sabem o que é perder Cristo e encontrá-lo podem compreender isto... Por que me buscáveis? Não sabíeis que devo ocupar-me nas coisas de meu Pai? Não sabíeis, porventura, que eu devo dedicar totalmente o meu tempo ao meu Pai celestial?

Este é o fruto da oração de hoje: que nos persuadamos de que o nosso caminhar na terra - em todas as circunstâncias e em todos os momentos - é para Deus; que é um tesouro de glória, uma imagem do Céu; que é, nas nossas mãos, uma maravilha que temos de administrar, com sentido de responsabilidade perante os homens e perante Deus, sem necessidade de mudar de estado, no meio da rua, santificando a nossa profissão ou o nosso ofício, a vida de família, as relações sociais e todas as actividades que parecem à primeira vista só terrenas (...).

Recorre comigo à Mãe de Cristo. Mãe Nossa, que viste crescer Jesus, que o viste aproveitar a sua passagem entre os homens: ensina-me a utilizar os meus dias em serviço à Igreja e às almas. Mãe bondosa, ensina-me a ouvir, no mais íntimo do meu coração, como uma censura carinhosa, sempre que for necessário, que o meu tempo não me pertence, porque é do Nosso Pai que está nos Céus».

são josemaría escrivá de balaguer (século XX). Amigos de Deus, nn. 53-54.




[1] Lc 2, 49
[2] cf. Mc 8, 31
[3] Lc 2, 50
[4] Lc 2, 51
[5] Lc 2, 46
[6] Ibid.
[7] Lc 2, 47
[8] Lc 1, 31-32
[9] Lc 2, 49
[10] Lc 2, 49-51
[11] Ct 3, 3
[12] Gn 37, 30
[13] Sal 41, 4
[14] Ct 1, 6

Maio - Santo Rosário - Quinto Mistério Gozoso


Jesus Com os Doutores no Templo


A primeira prova! A primeira dor! Como o teu coração amantíssimo de Mãe estaria angustiado e compungido com a ausência do teu Filho! E a demora em encontrá-lo?

Ao teu espírito deveriam acorrer as palavras de Simeão e, mesmo sabendo que Ele tinha uma missão a cumprir, não deixavas de sentir aquele aperto no coração que uma mãe sente quando um filho pequeno desaparece sem explicação e não conseguimos encontrá-lo.

Onde poderia estar?


Eu, que ando por esta vida, tantas vezes, à procura de Jesus que, por vezes, parece que se afasta de mim para bem longe, também me sinto triste angustiado. Porquê? Porque Te afastaste, Senhor, de mim?

E mergulho dentro de mim mesmo, única forma séria de reflectir, e chego sempre à triste conclusão que, não foste Tu quem se afastou mas, sim, eu que me ausentei da Tua presença.
Tenho tantas coisas em que pensar; enormes preocupações que me consomem por dentro; inúmeros desejos por satisfazer; caminhos que quero tanto percorrer embora saiba que não interessam e não conduzem a nada que valha a pena. E, depois, são estas coisas todas que possuo – que julgo possuir – e as muitas outras que anseio vir a ter, que me mantêm agarrado ao meu lugar, estático e imóvel enquanto, Tu, caminhas sempre, esperando que Te siga. Vou ficando para trás, preso a tudo isto que não vale nada e para nada interessa e vejo-te esfumar no horizonte e, em vez de correr pressuroso atrás de Ti, fico-me inerte e como que morto.

Parece-me que Te oiço com as palavras de Tua Mãe: Filho, porque procedeste assim comigo? Porque te deténs no caminho? Anda que, eu, estou á tua espera!

E fico-me sem reposta, pois que Te hei-de eu dizer a não ser, confessar a minha fraqueza, a mostrar-te humildemente o pouco que sou, a pedir-te que esperes por mim, que não Te afastes mais, que quero ir ter contigo.

Sou tão feliz porque me ouves e deténs o passo e ficas, num gesto acolhedor, de amigo íntimo, à espera que eu, finalmente, volte para o pé de ti.

É então que me dou conta da enorme desventura que é a Tua ausência, o não Te ter presente bem ao pé de mim e, como compreendo a Tua Mãe na sua procura ansiosa pelas ruas de Jerusalém durante esses três dias de alvoroço.

Digo-lhe, então, com o coração nas mãos:

Minha Mãe, não deixes que me afaste nunca do teu Filho, do nosso Jesus. Ensina-me a procurá-lo onde Ele deverá estar à minha espera, em vez de andar perdido tentando encontrá-lo onde Ele não pode estar. Leva-me pela tua mão – também sou teu filho, um filho pequeno – ao encontro dele para que, juntos, possamos sossegar na Sua companhia.

Evangelho, comentário, L. espiritual


Páscoa

Evangelho: Jo 16, 20-23

20 Em verdade, em verdade vos digo que haveis de chorar e gemer, e o mundo se há-de alegrar; haveis de estar tristes, mas a vossa tristeza há-de converter-se em alegria. 21 A mulher, quando dá à luz, está em sofrimento, porque chegou a sua hora, mas, depois que deu à luz a criança, já não se lembra da sua aflição, pela alegria que sente de ter nascido um homem para o mundo. 22 Vós, pois, também estais agora tristes, mas hei-de ver-vos de novo e o vosso coração se alegrará, e ninguém vos tirará a vossa alegria. 23 Naquele dia, não Me interrogareis sobre nada. «Em verdade, em verdade vos digo que, se pedirdes a Meu Pai alguma coisa em Meu nome, Ele vo-la dará.

Comentário:



Uma vez mais se insiste na alegria.


Esta virtude tão desejável por todos os homens é particularmente “obrigatória” para o cristão que se sabe filho de Deus em Cristo e este conhecimento não pode senão gerar uma alegria tão intensa e profunda que nada nem ninguém – o próprio Senhor o afirma – poderá arrebatar-lhe.


(ama, comentário sobre Jo 16, 20-23, 2015.05.15)


Leitura espiritual



SANTO AGOSTINHO – CONFISSÕES

LIVRO DÉCIMO-TERCEIRO

CAPÍTULO XXXII

A criação

Graças te damos, Senhor! Vemos o céu e a terra, isto é, a parte superior e inferior do mundo material, assim como a criação espiritual e material. E, como adorno dessas partes que compõe o conjunto do Universo e o conjunto de toda a criação, vemos a luz que foi criada e separada pelas trevas. Vemos o firmamento do céu, tanto o que está situado entre as águas espirituais superiores e as águas materiais inferiores, como ainda esses espaços de ar, chamados também céu, onde volitam as aves do céu entre as águas que se evolam em vapores, e nas noites serenas se condensam em orvalho, e as que correm pesadas sobre a terra. Vemos a beleza das águas reunidas nas planícies do mar e a terra enxuta, ora nua, ora tomando forma visível e ordenada, mãe das plantas e das árvores. Vemos os luminares do céu brilhando acima de nós, o sol bastar para o dia, a lua e as estrelas consolando a noite, e todos esses astros marcando e assinalando a cadência do tempo. Vemos o elemento húmido habitado por peixes, monstros, animais alados, porque a densidade do ar que sustenta o voo dos pássaros é aumentada pela evaporação das águas. Vemos a face da terra embelezar-se de animais terrestres, e o homem, criado à tua imagem e semelhança, senhor de todos os animais irracionais, precisamente porque foi feito à tua imagem e se assemelha a ti, em virtude da razão e da inteligência. E como na alma humana há uma parte que domina pela reflexão e outra que se submete na obediência, assim a mulher foi criada fisicamente para o homem; é fora de dúvida que ela possui um espírito e uma inteligência racional, iguais aos do homem, mas o seu sexo coloca-a sob a dependência do sexo masculino; é desse modo que o desejo, princípio da acção, se submete à razão que concebe a arte do agir rectamente. Eis o que vemos, e que cada uma dessas coisas, tomadas por si, são boas, e que todas, no seu conjunto, são muito boas.

CAPÍTULO XXXIII

A matéria e a forma

Que as tuas obras te louvem para que te amemos! Que nós te amemos, para que as tuas obras te louvem! Elas têm o seu princípio e fim no tempo, o seu nascimento e morte, o seu progresso e decadência, a sua beleza e a sua imperfeição. Elas têm, portanto, sucessivamente a sua manhã e sua noite, umas ocultas; outras, manifestamente.

Foram feitas por ti do nada, não da tua substância, nem de nenhuma substância estranha ou inferior a ti, mas de matéria concriada, isto é, criada por ti ao mesmo tempo em que lhe deste forma, sem nenhum intervalo de tempo. Sem dúvida a matéria do céu e da terra é uma coisa, e a sua forma é outra; a tua matéria fizeste-a do nada, a forma, tu a tiraste da matéria informe.

Contudo, criaste uma e outra a um só tempo, de maneira que entre a matéria e a forma não houvesse nenhum intervalo de tempo.

CAPÍTULO XXXIV

Alegoria da criação

Também meditei sobre o significado simbólico da ordem pela qual se fez a tua criação e da ordem que a Escritura relata. Vimos que as tuas obras, consideradas uma a uma, são boas, e no seu conjunto, muito boas. No teu Verbo, no teu Filho único, vimos o céu e a terra, a cabeça e o corpo da Igreja, predestinadas antes de todos os tempos, quando ainda não havia nem manhã, nem tarde. Depois começaste a executar no tempo o que predestinaste antes do tempo, a fim de revelar os teus desígnios ocultos e de dar ordem às nossas desordens – porque pesavam sobre nós os nossos pecados, e nos perdíamos longe de ti em voragens de trevas. O teu Espírito misericordioso pairava sobre nós, para nos socorrer no momento oportuno. Justificaste os ímpios; tu os separaste dos pecadores e confirmaste a autoridade do teu Livro entre os superiores, que te eram dóceis, e os inferiores, para que a eles se submetessem. Reuniste num único corpo, com as mesmas aspirações, a sociedade dos infiéis, para que aparecesse o zelo dos fiéis fecundo em obras de misericórdia, e distribuindo aos pobres os bens da terra para adquirir os do céu.

Acendeste então os luzeiros no firmamento: os teus santos, que possuem a palavra de vida e brilham pela sublime autoridade dos seus dons espirituais. Depois, para difundir a fé entre as nações idólatras, fizeste com a matéria visível dos sacramentos os milagres bem perceptíveis, e determinaste as vozes das palavras sagradas, conformes ao firmamento do teu Livro, pelas quais seriam abençoados os teus fiéis. Formaste depois a alma viva dos fiéis, pela disciplina das paixões bem ordenadas e pelo vigor da continência. Por fim renovaste a alma, que não estava sujeita senão a ti, e que não tinha mais necessidade de nenhuma autoridade humana para imitar, a tua imagem e semelhança; submeteste, como a mulher ao homem, a actividade racional ao poder da inteligência. Quiseste que aos teus ministros que são necessários ao progresso dos fiéis nesta vida, que esses mesmos fiéis propiciassem o necessário para as suas necessidades temporais; obras valiosas de caridade, cujos frutos colherão no futuro. Vemos todas essas coisas, e todas são muito boas, porque tu as contemplas em nós, tu que nos deste o Espírito, para que por ele pudéssemos vê-las e amar-te nelas.

CAPÍTULO XXXV

Prece

Senhor Deus, tu que nos deste tudo, concede-nos a paz do repouso, a paz do Sábado, a paz do ocaso. De facto, esta formosíssima ordem de coisas muito boas, passará quando atingir o termo do seu destino, e terá a sua tarde como teve o seu amanhecer.

CAPÍTULO XXXVI

O repouso de Deus

O sétimo dia, porém, não tem crepúsculo; não entardece porque o santificaste para que se prolongue eternamente. E o repouso do teu sétimo dia, depois de ter criado tantas e tão boas obras, embora sem te causar fadiga, a palavra da tua Escritura anuncia-nos que também nós, depois de nossos trabalhos, que são bons porque assim no-lo concedeste, encontraremos o repouso em ti, no Sábado da vida eterna.

CAPÍTULO XXXVII

O repouso da alma

Então também repousarás em nós, como hoje opera em nós; e o repouso de que gozaremos será teu, como as obras que fazemos são tuas. Mas tu, Senhor, sempre estás activo e estás sempre em repouso. Tu não vês o tempo, não ages no tempo nem repousas no tempo; todavia, concede-nos que vejamos no tempo, fazes o próprio tempo e o repouso além do tempo.

CAPÍTULO XXXVIII

O descanso de Deus

Vemos, portanto, as tuas criaturas porque elas existem. Mas elas existem porque tu as vês. Olhando à nossa volta, vemos que elas existem; no nosso íntimo, vemos que são boas. Mas tu já as viste feitas quando e onde viste que deviam ser feitas. Agora somos inclinados a praticar o bem, depois que o nosso coração concebeu essa ideia no teu Espírito. Outrora estávamos inclinados ao mal, desertando de ti. Tu, porém, ó Deus, único bem, nunca cessaste de nos fazer o bem. Pela tua graça, algumas das nossas obras são boas, mas não são eternas. Esperamos, depois de realizá-las, repousar na tua grande santificação. Mas tu, que não precisas de nenhum outro bem, estás sempre em repouso, porque és teu próprio repouso.

Que homem poderá dar ao homem a compreensão desta verdade? Que anjo a outro anjo?

Que anjo ao homem? É a ti que devemos pedir, e em ti é que a devemos buscar, é à tua porta que devemos bater. E somente assim receberemos, somente assim encontraremos, somente assim se nos abrirá a tua porta.
FIM
Nota:

Stº Agostinho

Nunca deixou de me espantar o raciocínio lógico e conclusivo que torna simples e entendíveis as verdades da fé, a magnitude do "pensamento" divino, a impecável sabedoria do arquitecto da criação.

Nunca esquecendo o seu passado de vida algo desregrada e, até libertina, faz parecer que tenha sido necessário para encontrar o verdadeiro caminho.
As suas 'CONFISSÕES'' são de uma autenticidade chocante porque revelam o que verdadeiramente deve ser um coração humilhado e contrito.

Doutor da Igreja porque, verdadeiramente, ensina e faz doutrina.
Ensina com clareza, sem deixar a mais ínfima margem para a dúvida; doutrina com total segurança e certeza dizendo sempre o que é, como é, como deve ser.
Santo Agostinho tem uma dimensão gigantesca que, apesar do muito que se tem dito e escrito está ainda muito longe de esgotar-se.

Apetece-me dizer-te, Senhor, como ele: O meu coração está feito por Ti e para Ti e só se saciará quando estiver cheio de Ti. [1]

Santo Agostinho é um mestre da introspecção, do exame pessoal profundo e implacável. Estabelece como que um diálogo íntimo onde se coloca perguntas a si próprio e procura as respostas na visão de Deus.

De facto, o exame é um diálogo expressivo e vivo com o Criador.

As soluções que encontra, as respostas que obtém, estão sempre numa certeza insofismável de que lhe vêm de Deus. E espanta-se como a sua pessoa merece tal cuidado e interesse do Omnipotente, aniquilando-se e reduzindo-se a uma criatura pecadora, admite contudo que Deus lhe faça ver as verdades da fé, não porque o mereça mas porque Deus é infinitamente misericordioso.

No seu raciocínio procura respostas para tudo, tudo questiona, tudo analisa. Põe a nu uma mentalidade complexa fruto de toda uma vida de choques constantes entre a forma como a vivia e desejo de viver uma vida nova.

Sem dúvida que oração constante de sua Mãe, Santa Mónica, estará na "base" da sua conversão.

O grande problema que enfrentava era querer compreender para poder aceitar.
Como que resiste até ao último momento porque quer ter certezas, conclusões indiscutíveis e definitivas.

Finalmente percebe que o que pretende não está ao alcance do ser humano porque se trata de mistérios da Fé. Não se "entrega" sem luta mas compreende, finalmente, que se enfrenta com um dilema: tornar-se cristão recebendo o Baptismo assumindo assim a sua total dependência do Criador ou continuar na luta interior que tem vindo a travar.

E também entende que não tem - a sua mentalidade e espírito analítico não lhe permitem pensar de outro modo - não tem alternativa para o que procura - e portanto, adere à religião cristã, incorpora-se na Igreja.

A seriedade com que o faz é paradigma do seu pensamento, da dita maneira de enfrentar a vida.

Santo Agostinho é, sobretudo, um homem sério e de uma honestidade pessoal a toda a prova.

Expõe as suas dúvidas e ele próprio procura as respostas não dando tréguas a um "sistema escalpelizante", que se caracteriza por avanços progressivos de questão em questão.

Não dá um passo no seu processo de análise pessoal sem estar seguro do passo anterior estar bem assente,  resolvido.


Num processo longo mas contínuo vai como que despindo a roupagem da sua sabedoria e reduzindo a sua pessoa a um simples ser vivo absolutamente dependente do Criador.

Pede constantemente ao Senhor que o ilumine para que possa seguir em frente deixando "resolvidas" as questões que se lhe colocam.

Este homem de inteligência poderosa não tem qualquer pejo em considerar-se ignorante face à absoluta Sabedoria de Deus.


Acabará por chegar a um estado de intimidade com Deus tão profundo e completo que não tenho qualquer dúvida em considerar como estado de santidade.


Para mim, aparte tudo o mais, Santo Agostinho é o exemplo de seriedade intelectual e honestidade de pensamento. Não se impondo limites nas questões interroga sobre tudo em que não está absolutamente seguro, das coisas mais simples às mais elevadas, das evidências dos mistérios porque considera e com razão, que o Senhor tem todas as respostas e que não deixará de lhas dar, não por seu mérito mas pela Sua Misericórdia.


É talvez o maior exemplo do acatamento das palavras de Jesus: batei à porta e abrir-se-vos-á, procurai e encontrareis.


Aconselho vivamente a leitura dos seus livros, nomeadamente “Confissões” e “Cidade de Deus”, uma leitura detida e pautada por um sincero desejo de aprender as verdades da nossa Fé.

ama, 2016






[1] Enxomil, 2010.02.24