Oitava do Natal
Evangelho: Lc 2 16-21
16 Foram a toda a
pressa, e encontraram Maria, José e o Menino deitado na manjedoura. 17
Vendo isto, conheceram o que lhes tinha sido dito acerca deste Menino. 18
E todos os que ouviram, se admiraram das coisas que os pastores lhes diziam.19
Maria conservava todas estas coisas, meditando-as no seu coração. 20
Os pastores voltaram, glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham
ouvido e visto, conforme lhes tinha sido dito. 21 Depois que se
completaram os oito dias para ser circuncidado o Menino, deram-Lhe o nome de
Jesus, como Lhe tinha chamado o anjo, antes que fosse concebido no ventre
materno.
Comentário:
Mãe de Deus! O mais extraordinário
título alguma vez dado a uma mulher!
E quem é?
Uma virgem simples e discreta de uma
não menos discreta e simples de Israel.
Será coroada Rainha do Céu, o que
equivale dizer Rainha de todos os Anjos e Santos, de toda a criação!
No entanto, nenhum título tem mais
categoria que aquele: Mãe de Deus!
Eu te louvo e exalto, Senhora, e te
presto o meu mais humilde e veemente tributo de amor e carinho.
(ama, comentário sobre Lc 2, 16-21, Lapa,
2014.01.01)
Leitura espiritual
São Josemaria Escrivá
Amigos de Deus 224 a 232
224
Jesus
Cristo, Nosso Senhor, encarnou e tomou a nossa natureza, para se mostrar à
humanidade como modelo de todas as virtudes. Aprendei de mim, que sou manso e
humilde de coração, convida-nos Ele.
Mais
tarde, quando explica aos Apóstolos o sinal pelo qual os reconhecerão como
cristãos, não diz: porque sois humildes. Ele é a pureza mais sublime, o
Cordeiro imaculado. Nada podia manchar a sua santidade perfeita, sem mácula.
Mas também não diz: saberão que se encontram diante de discípulos meus, porque
sois castos e limpos.
Passou
por este mundo com o mais completo desprendimento dos bens da terra. Sendo
Criador e Senhor de todo o universo, faltava-lhe até um sítio onde pudesse
reclinar a cabeça. No entanto, não comenta: saberão que sois dos meus porque
não vos apegastes às riquezas. Permanece quarenta dias e quarenta noites no
deserto em jejum rigoroso, antes de se dedicar à pregação do Evangelho. E
também não afirma aos seus: compreenderão que servis a Deus, porque não sois
comilões nem bebedores.
A
característica que distinguirá os apóstolos, os cristãos autênticos de todos os
tempos, já a ouvimos: nisto - precisamente nisto - conhecerão todos que sois
meus discípulos: se vos amardes uns aos outros.
Parece-me
perfeitamente lógico que os filhos de Deus se tenham sentido sempre comovidos -
como tu e eu neste momento - perante essa insistência do Mestre. O Senhor não
estabelece como prova de fidelidade dos seus discípulos os prodígios ou os
milagres inauditos, apesar de lhes ter conferido o poder de os realizarem, pelo
Espírito Santo. O que lhes comunica? Conhecerão que sois meus discípulos, se
vos amardes uns aos outros.
225
Pedagogia Divina
Não
odiar o inimigo, não devolver mal por mal, renunciar à vingança, perdoar sem
rancor considerava-se então - e também agora, não nos enganemos - uma conduta
insólita, demasiado heróica, fora do normal. Até aqui chega a mesquinhez das
criaturas! Jesus Cristo, que veio salvar todos os povos e deseja associar os
cristãos à sua obra redentora, quis ensinar aos seus discípulos - a ti e a mim
- uma caridade grande, sincera, mais nobre e valiosa: devemos amar-nos
mutuamente como Cristo nos ama a cada um de nós. Só desta maneira, isto é,
imitando o exemplo divino - dentro da nossa rudeza pessoal - conseguiremos
abrir o nosso coração a todos os homens, amar de um modo mais elevado,
inteiramente novo.
Que
bem puseram os primeiros cristãos em prática esta caridade ardente, caridade
que sobressaía e transbordava dos limites da simples solidariedade humana ou da
benignidade de carácter. Amavam-se uns aos outros de modo afectuoso e forte,
através do Coração de Cristo. Um escritor do século II, Tertuliano,
transmitiu-nos o comentário dos pagãos, comovidos ao presenciarem o
comportamento dos fiéis de então, tão cheio de atractivo sobrenatural e humano:
Vede como se amam, repetiam.
Se
notas que não mereces esse louvor agora ou em tantas ocasiões do dia-a-dia; que
o teu coração não reage como devia às exigências divinas, pensa também que
chegou o momento de rectificares. Ouve o convite de S. Paulo: façamos o bem a
todos e especialmente àqueles que pertencem, mediante a fé, à mesma família que
nós, ao Corpo Místico de Cristo.
226
O
principal apostolado que nós, os cristãos, temos de realizar no mundo, o melhor
testemunho de fé é contribuir para que dentro da Igreja se respire o clima de
autêntica caridade. Quando não nos amamos verdadeiramente, quando há ataques,
calúnias e inimizades, quem se sentirá atraído pelos que afirmam que pregam a
Boa Nova do Evangelho?
É
muito fácil, está muito na moda afirmar verbalmente o amor a todas as
criaturas, crentes e não crentes. Mas se quem fala assim maltrata os irmãos na
fé, duvido de que na sua conduta haja mais do que palavreado hipócrita. Pelo
contrário, quando amamos no Coração de Cristo os que são filhos de um mesmo
Pai, associados na mesma fé e herdeiros de uma mesma esperança, a nossa alma
engrandece-se e arde em desejos de que todos se aproximem de Nosso Senhor.
Estou
a recordar-vos as exigências da caridade e talvez algum de vós tenha pensado
que falta precisamente essa virtude nas palavras que acabo de pronunciar. Nada
mais oposto à realidade. Posso garantir-vos que, com santo orgulho e sem falsos
ecumenismos, me enchi de alegria quando, no passado Concílio Vaticano II,
ganhava corpo com renovada intensidade a preocupação de levar a verdade aos que
andam afastados do único Caminho, do de Jesus, pois me consome a ânsia de que
se salve toda a humanidade.
227
Sim,
foi bem grande a minha alegria, porque também via confirmado novamente um
apostolado tão da predilecção do Opus Dei, o apostolado ad fidem, que não
rejeita nenhuma pessoa e admite os não cristãos, os ateus, os pagãos a
participarem, na medida do possível, dos bens espirituais da nossa Associação.
Isto tem uma longa história, de dor e de lealdade, que já contei em outras
ocasiões. Por isso repito, sem medo, que considero um zelo hipócrita,
embusteiro, o que impele a tratar bem os que estão longe, pisando ou
desprezando os que vivem connosco a mesma fé. Também não acredito que te
interesses pelo pobre mais pobre da rua, se martirizas os de tua casa, se és
indiferente às suas alegrias, às suas penas e aos seus desgostos e se não te
esforças por compreender ou por passar por alto os seus defeitos, sempre que
não sejam ofensa a Deus.
228
Não
vos comove que o Apóstolo João, sendo já velho, passe a maior parte de uma das
suas epístolas a exortar-nos a que nos comportemos de acordo com essa doutrina
divina? O amor que deve haver entre os cristãos provém de Deus, que é Amor.
Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, porque a caridade procede de Deus, e todo
o que ama nasceu de Deus e conhece a Deus. O que não ama, não conhece a Deus;
porque Deus é Amor. Insiste de forma particular na caridade fraterna, pois por
Cristo nos tornamos filhos de Deus: vede que amor nos mostrou o Pai, querendo
que nos chamemos filhos de Deus e que o sejamos.
E
enquanto toca com toda a veemência as nossas consciências para que se tornem
mais sensíveis à graça divina, insiste em que recebemos uma prova maravilhosa
do amor do Pai pelos homens: nisto se manifestou a caridade de Deus para
connosco, em que Deus enviou o seu Filho Unigénito ao mundo para que por Ele
tenhamos a vida . O Senhor tomou a iniciativa, vindo ao nosso encontro. Deu-nos
o exemplo para nos pormos com Ele ao serviço dos outros, para - gosto de
repetir - pormos generosamente o nosso coração a servir de alcatifa, de modo
que os outros caminhem suavemente e a sua luta resulte para eles mais amável.
Devemos comportar-nos assim, porque somos filhos do mesmo Pai, que não hesitou
em entregar-nos o seu Filho muito amado.
229
Não
somos nós que construímos a caridade; é ela que nos invade com a graça de Deus:
porque Ele nos amou primeiro. Convém que nos empapemos bem desta verdade
formosíssima: se podemos amar a Deus é porque fomos amados por Deus. Tu e eu
estamos em condições de derramar carinho sobre os que nos rodeiam, porque nascemos
para a fé pelo amor do Pai. Pedi com ousadia ao Senhor este tesouro, esta
virtude sobrenatural da caridade, para a exercitardes até ao último pormenor.
Nós,
os cristãos, não temos sabido muitas vezes corresponder a esse dom; algumas
vezes temo-lo rebaixado como se se limitasse a uma esmola dada sem alma,
friamente; outras vezes temo-lo reduzido a uma atitude de beneficência mais ou
menos convencional. Exprimia bem esta aberração a queixa resignada de uma
doente: Aqui, tratam-me com caridade, mas a minha mãe cuidava de mim com
carinho. O amor que nasce do Coração de Cristo não pode dar lugar a este tipo
de distinções.
Para
que, de uma forma gráfica, esta verdade ficasse bem gravada na vossa mente,
preguei milhares de vezes que nós não temos um coração para amar a Deus e outro
para amar as criaturas. Este nosso pobre coração feito de carne, ama com um
carinho humano, que, se está unido ao amor de Cristo, também é amor
sobrenatural. Essa, e não outra, é a caridade que temos de cultivar na alma, a
qual nos levará a descobrir nos outros a imagem de Nosso Senhor.
230
Universalidade da caridade
Com
o nome de próximo - diz S. Leão Magno - não havemos de considerar só os que se
unem a nós pelos laços da amizade ou do parentesco, mas todos os homens, com os
quais possuímos uma natureza comum... Um só Criador nos fez, um só Criador nos
deu a alma. Todos podemos desfrutar do mesmo céu e do mesmo ar, dos mesmos dias
e das mesmas noites e, embora uns sejam bons e outros maus, uns justos e outros
injustos, Deus, no entanto, é generoso e benigno com todos.
Nós,
os filhos de Deus, forjamo-nos na prática desse mandamento novo, aprendemos na
Igreja a servir e a não ser servidos e encontramo-nos com forças para amar a
humanidade de um modo novo, que todos reconhecerão como fruto da graça de
Cristo. O nosso amor não se confunde com uma atitude sentimental, nem com a
simples camaradagem, nem com o afã pouco claro de ajudar os outros para
demonstrarmos a nós mesmos que somos superiores. O nosso amor exprime-se em
conviver com o próximo, em venerar - insisto - a imagem de Deus que há em cada
homem, procurando que também ele a contemple, para que saiba dirigir-se a
Cristo.
A
universalidade da caridade significa, por isso, universalidade do apostolado:
tradução pela nossa parte, em obras e em verdade, do grande empenho de Deus,
que quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade.
Se
temos de amar também os inimigos - refiro-me aos que nos colocam entre os seus
inimigos; eu não me sinto inimigo de ninguém nem de nada - com maior razão
teremos de amar os que apenas estão afastados, os que nos são menos simpáticos,
os que pela sua língua, pela sua cultura ou pela sua educação parecem o oposto
de ti ou de mim.
231
De
que amor se trata? A Sagrada Escritura fala de dilectio, para que se entenda
bem que não se refere apenas ao afecto sensível. É mais uma determinação firme
da vontade. Dilectio deriva de electio, de escolher. Eu acrescentaria que amar,
em sentido cristão, significa querer querer, decidir-se em Cristo a procurar o
bem das almas sem discriminação de qualquer género, conseguindo para elas antes
de mais o que há de melhor: que conheçam a Cristo e que se apaixonem por Ele.
O
Senhor urge-nos: portai-vos bem com os que vos aborrecem e orai pelos que vos
perseguem e caluniam. Podemos não nos sentir humanamente atraídos pelas pessoas
que nos afastariam, se nos aproximássemos delas. Mas Jesus exige que não lhes
devolvamos mal por mal; que não desperdicemos as ocasiões de as servir com o
coração, ainda que nos custe; e que não deixemos nunca de as ter presentes nas
nossas orações.
Essa
dilectio, essa caridade, enche-se de matizes mais profundos quando se refere
aos irmãos na fé, especialmente aos que, porque Deus assim o estabeleceu,
trabalham mais perto de nós: os pais, o marido ou a mulher, os filhos e os
irmãos, os amigos e os colegas, os vizinhos. Se não existisse este carinho,
amor humano nobre e limpo, ordenado a Deus e n'Ele fundamentado, não haveria
caridade.
232
Manifestações do amor
Agrada-me
citar umas palavras que o Espírito Santo nos comunica pela boca do profeta
Isaías: discite benefacere, aprendei a fazer o bem. Costumo aplicar este
conselho aos diferentes aspectos da nossa luta interior, pois a vida cristã
nunca se dá por terminada, visto que o crescimento nas virtudes se obtém como
consequência de um empenho efectivo e quotidiano pela santidade.
Como
aprendemos nós a realizar qualquer trabalho na sociedade? Primeiro examinamos o
fim desejado e os meios para o alcançar. Depois perseveramos no uso desses
recursos repetidamente até criarmos um hábito arraigado e firme. Quando
aprendemos alguma coisa, descobrimos outras que ignorávamos e constituem um
estímulo para continuarmos esse trabalho, sem nunca dizermos "basta".
A
caridade para com o próximo é uma manifestação do amor a Deus. Por isso, ao
esforçarmo-nos por melhorar nesta virtude, não podemos fixar nenhum limite. Com
o Senhor, a única medida é amar sem medida, pois, por um lado jamais chegaremos
a agradecer suficientemente o que Ele tem feito por nós e, por outro, assim se
revela o mesmo amor de Deus às suas criaturas: com excesso, sem cálculo, sem
fronteiras.
A
todos os que estamos dispostos a abrir-lhe os ouvidos da alma, Jesus Cristo
ensina no Sermão da Montanha o mandato divino da caridade. E, ao terminar, como
resumo, explica: amai os vossos inimigos, fazei bem e emprestai sem esperardes
nada em troca, e será grande a vossa recompensa e sereis filhos do Altíssimo,
porque Ele é bom, mesmo com os ingratos e os maus. Sede, pois, misericordiosos
como também o vosso Pai é misericordioso.
A
misericórdia não se limita a uma simples atitude de compaixão; a misericórdia
identifica-se com a superabundância da caridade que, ao mesmo tempo, traz
consigo a superabundância da justiça. Misericórdia significa manter o coração
em carne viva, humana e divinamente repassado por um amor rijo, sacrificado e
generoso. Assim glosa S. Paulo a caridade no seu canto a esta virtude: A
caridade é paciente, é benéfica; a caridade não é invejosa, não actua
precipitadamente; não se ensoberbece, não é ambiciosa, não busca os seus
próprios interesses, não se irrita, não pensa mal dos outros, não folga com a
injustiça, mas compraz-se na verdade; tudo desculpa, tudo crê, tudo espera,
tudo sofre.
(cont)