24/12/2022

Publicações em Dezembro 24

         


       DENTRO DO EVANGELHO

Devo a São Lucas esta dissertação que hoje me ocorre.

Não tive de fazer grande esforço, o génio literário do Evangelista, pinta as cenas com tal detalhe e nitidez que basta contemplar para as viver intensamente...

A minha é a última casa da povoação, a seguir são pequenos armazéns de produtos agrícolas, alfaias, etc.

Pela noitinha bateram à minha porta e deparei-me com um casal jovem de aspecto simples e anódino.

Ele disse-me que vinham de viagem há três dias para virem cumprir o Édito de César q,ue obrigava ao recenciamento de todo os súbditos do Império Romano.

Disse-me que não tinham encontrado alojamento em lado nenhum e implorava que lhes desse guarida; não poderiam pagar porque não tinham recursos mas que, ele, estava disposto a prestar os serviços que pudesse precisar nomeadamente de carpinteiro que era a sua profissão e insistia dizendo que a sua esposa estava prestes a dar à luz.

Fiquei ali, à porta, sem saber o que dizer, sou um homem de negócios e, reconheço, de coração duro... mas, ao olhar para a jovem Mâe sentada no burrico, a serenidade da sua face foi como que um choque no meu coração, de modos que, sem saber muito bem o que dizia, respondi:

A estalagem está a abarrotar, a casa está cheia de amigos e parentes... mas... aqui a uns metros tenho uma gruta que uso como depósito agrícola e também estábulo... se quiserem... está ao dispor.

Agradeceram muito e lá foram.

Uma estranha sensação de bem-estar invadia o meu coração... tinha feito algo bom e fui deitar-me muito contente.

Pela meia-noite, acordei com um ruído inusitado, fui ver...

Da gruta irradiava uma luz iridiscente que iluminava tudo em redor, no Céu soavam cânticos e Hossanas, uma fila de pastores dirigia-se ao local, pareceu-me que guiados por uma estrela de brilho nunca visto que pairava sobre a gruta.

Como já disse, sou um homem prático e não muito dado a acreditar em "fenómenos" ou coisas que não se apresentam claras, naquele tempo eram frequentes os "mágicos" dominarem os incautos com truques e artimanhas para obterem os proventos de que viviam, mas, fui ver o que se passava.

A gruta estava limpa, a palha arrumada, o chão varrido, a vaca e o burrico deitados remoiam pacificamente; no centro uma pequena manjedoura onde um recém nascido, envolto em paninhos, sorria e agitava os braços.

Não sei como... caí de joelhos em terra e fiquei-me a olhar para aquele Menino enquanto uma alegria e paz indizíveis me inundavam o coração. Nesta noite, eu, este sujeito inteligente, escritor brilhante, sinto-me um "analfabeto" incapaz de encontrar as palavras certas que descrevam o que sinto.

Nesta noite santa, eu, ajoelho-me ante o Presépio e digo:

- Meu Menino Jesus, faz com que o meu pobre coração seja o Teu Presépio!

 

CONSIDERANDO NO ADVENTO

 

Considero o Natal, entre muitas outras, a Festa da Serenidade.

No maior, mais extraordinário acontecimento da História da Salvação Humana - o Nascimento do Salvador - tudo se processa sem tumultos, algazarras, foguetes pelos ares, gente a correr ávida de notícias; não! Uns simples pastores, avisados pelos Anjos, deslocam-se curiosos ao Presépio de Belém para ver Aquele Menino recém nascido.

O ambiente é extremamente sereno, uma jovem Mâe e o seu Marido, debruçam-se sobre uma manjedoura onde um Menino envolto em paninhos, sorri agitando os braços.

Testemunhas? Dois animais pacíficos por natureza... uma vaca e um jumento.

De repente tudo se modifica quando um extraordinário coro celeste rompe em hinos de alegria e louvor, as estrelas parecem dançar no céu e a Lua brilha com uma intensidade nunca vista.

São sinais suficientes para os simples pastores compreenderem que estão na presença de algo absolutamente extraordinário e, por isso, caem de joelhos em terra, prostram-se comovidos e, depois, oferecem o que têm: leite, queijo fresco, talvez um cordeiro.

Quando regressam e contam o que constataram, muitos acreditam mas, há muitos outros que se encarniçam contra estas notícias opinando que são delírios de gente sem instrução nem gabarito.

Entre estes avultam os Escribas e os Fariseus chefes do povo. Sabem muito bem intrepertar os acontecimentos, constam nas Escrituras; e entendem que o Tempo de Mudança conforme anunciado chegou; vêem com extrema inquietação o fim do seu despótico domínio... um "desastre" com consequências irreparáveis.

Aqui não há serenidade mas temor e raiva.

 

Na véspera do Natal tomam vulto as memórias de outros tempos em que, estes dias que antecedem uma Festa especialíssima, eram como que um “frenesim” de tarefas que se impunham: construir o Presépio, considerar as ementas para as refeições, comprar os “presentes” para os mais pequenos, para os outros todos da família, grande ou pequena, enfim…

Agora, neste ano de 2021 que vivemos, tudo parece um pouco “esfumado”, incerto…

Mas, temos de pensar e ter bem presente, que o Natal é a Festa do Nascimento de Jesus e que, Ele é que deve merecer todo o nosso reparo e atenção.

Tudo o resto… sim… faz parte da nossa humanidade mas, o que realmente interessa é prepararmos o nosso espírito para O receber condignamente com a alegria e esperança que o Seu Nascimento nos deve trazer.

Uma vez mais, Senhor Jesus, se comemora o Teu Nascimento na gruta de Belém.

A Tua humanização real e verdadeira como qualquer comum mortal.

Não Te contentasTe em amar perdidamente estes homens que se esquecem tantas vezes do Teu amor e, não ficando apenas por esse esquecimento, ainda Te ofendem negando a Tua realidade.

Não Te bastava todos os bens, a Terra inteira posta à disposição dos homens para que a gozem e dela usufruam, todas as maravilhas que criasTe, todas as belezas que a cada momento descobrimos nos mais pequenos detalhes de tudo quanto nos rodeia. Não, Senhor, não te bastavam todas estas coisas, quisesTe ainda ir mais longe, tomar a forma e o corpo humanos, Tu, Deus, Senhor absoluto de tudo, quisesTe nascer como qualquer vulgar filho Teu, no meio das dores do parto, no choque abrupto com o meio ambiente e, ainda por cima, quase despercebido de toda a humanidade.

Não fora os pastores e aqueles sábios que de longe vieram adorarTe e Tu, meu Senhor, nascerias sozinho na companhia apenas da Tua Santíssima Mãe e do maravilhoso e santo Pai Adoptivo.

Bem sei que os Anjos do Céu, os Teus Anjos, não poderem resistir e vieram adorarTe, ali, no Teu berço improvisado.

Bem sei que toda uma legião de homens bons e justos aguardavam ansiosamente o Teu nascimento e depois a Tua morte para poderem entrar no gozo pleno do Céu, estavam estáticos e maravilhados olhando para a cena encantadora e singela de um Deus omnipotente a tronar-Se Homem Verdadeiro.

Sim, sei isso tudo, mas,  a minha imaginação defeituosa leva-me a ter uma inveja enorme e uma pena profunda de ainda não existir naquele momento e não estar naquele local para Te adorar, para Te embalar com os meus cânticos, para simplesmente Te mirar admirado e contrito.

Inveja e pena, não tenho infelizmente outras palavras para descrever o que sinto, porque se me tivesse sido dada tal ventura, estou certo que teria merecido o Céu e a Ventura Eterna.

Porque estou convencido que nenhum daqueles homens simples que acorreram ao chamamento dos anjos estará noutro sitio que não no Céu pois só a Tua presença é suficiente e bastante para santificar um homem.

Pena, porque seria um homem simples, com uma vida simples e sem grandes preocupações nem grandes sonhos disparatados e impossíveis e, na sua grande maioria, sem interesse nenhum.

Seria já feliz na Terra e seria, com certeza, muito feliz no Céu.

Tu, assim não o quisesTe, ou melhor, Tu quisesTe que eu nascesse muito depois e tivesse muito mais coisas que aqueles pastores, muito mais bens, mais cultura mais preocupações intelectuais, talvez mais capacidades humanas e, sem duvida nenhuma, muito mais responsabilidades porque muito mais me foi dado.

Não estou, Senhor, descontente com a minha situação e por não ter usufruído dessa graça extraordinária de Te adorar em Belém. Estou descontente, isso sim, comigo mesmo e com o que tenho feito e deixado de fazer para merecer todos os dons e benefícios de acima falo.

Do rendimento que tenho dado a tudo quanto me desTe e comulasTe.

Os avanços e recuos da minha vida, os esquecimentos, os comodismos, a falta de perseverança, o orgulho tonto e desmedido em coisas que não são minhas mas que Te pertencem inteiramente.

A pena que tenho e o desgosto que sinto pelas inúmeras ofensas da minha vida passada e presente.

Assisti indiferente ao Teu sofrimento e Morte na Cruz.

Não me comoveram as Tuas feridas, as Tuas dores e o certo é que, muitas delas, eram de minha responsabilidade pessoal minhas e Tu as acarregasTe por mim.

Por isso, Senhor, por isso Tu não me quisesTe em Belém quando nascesTe; eu não sou digno, não seria digno, de tal graça.

Contento-me, pois, meu Menino Jesus, em olhar-Te de longe no Teu berço e pedirTe com fervor que é também contrição e adoração profundas, que não Te esqueças deste pobre irmão Teu, nascido depois de Ti, e que me dês a graça de poder adorarTe por toda a vida que me restar, louvarTe no Teu Nascimento que amanhã se comemora, de forma a poder merecer a Tua morte na Cruz e obter a salvação eterna da minha alma.

Só isso realmente me interessa.

Bendito sejas Senhor Jesus, pela Tua Natividade e benditos sejam todos os homens que Te receberam no Teu Presépio.