Cartas
de São Paulo
Coríntios
1
No tempo de Paulo, Corinto era uma cidade próspera,
centro privilegiado de comunicações marítimas e de comércio, graças à sua
situação geográfica e aos dois portos: um sobre o Mar Egeu, que facilitava as
ligações com a Ásia Menor, a Síria e o Egipto; outro sobre o Adriático, que
assegurava o tráfico com o Ocidente. CORINTO Reconstruída por César no ano 44
a.C., depois de ter sido arrasada durante a terceira guerra púnica, em 146
a.C., Corinto tornou-se a capital da Província senatorial da Ásia e sede de um
procônsul, desde o ano 27 a.C. A sua população era muito heterogénea,
proveniente das mais variadas raças e praticando os mais diversos cultos; na
época de Paulo devia rondar o meio milhão de habitantes, dois terços dos quais
seriam escravos. Cidade da deusa Afrodite, em cujo templo se praticava a
prostituição sagrada, era tristemente famosa pela sua vida fácil e licenciosa.
Mas era também um centro cultural importante e, no séc II a.C., o retórico
Hélio Aristides referia-se com louvor às suas escolas, aos filósofos e
literatos que se podiam encontrar nas esquinas das ruas e aos Jogos Ístmicos
que ali se realizavam na Primavera, de dois em dois anos. A IGREJA Paulo chegou
a Corinto no termo da segunda viagem missionária e permaneceu aí dezoito meses
(Act 18,1-18), provavelmente desde o Outono do ano 50 até à Primavera de 52. O
ambiente religioso, cultural e moral era adverso; mas Paulo fundou uma grande
comunidade pujante de vida cristã, sobretudo com elementos vindos do paganismo,
na sua maioria das classes mais humildes (1,26-29; 12,2), embora também
houvesse judeo-cristãos (1,22-24; 10,32; 12,13; Act 18,8). O Apóstolo há-de
orgulhar-se dela, considerando-a o selo da autenticidade do seu ministério, a
sua defesa contra os caluniadores (9,1-3) e uma carta de recomendação acessível
a todas as pessoas (2 Cor 3,2). Mas esta comunidade também foi motivo de
preocupações e de frequentes intervenções do Apóstolo. AS CARTAS Sabemos que,
antes de 1 CORÍNTIOS, Paulo escreveu uma Carta (chamada, por vezes,
"pré-canónica") onde proíbe o relacionamento dos cristãos com os
devassos (1 Cor 5,9-13); e entre as duas Cartas canónicas é preciso colocar uma
outra, escrita "entre muitas lágrimas" (2 Cor 2,4; 7,8). Estas Cartas
ter-se-ão perdido ou terão sido integradas no actual conjunto da
correspondência com os coríntios, que seria, portanto, uma compilação. Devem
ter-se também em conta as informações e pedidos de esclarecimento feitos a
Paulo por escrito, as visitas dos seus colaboradores Timóteo (4,17; 16,10) e
Tito (2 Cor 2,13; 7,13-14) e as viagens do Apóstolo. Além da viagem da
fundação, há uma outra que foi anunciada (16,5-7) e talvez anulada depois (2
Cor 1,15-23); e uma outra, mencionada explicitamente como a terceira (2 Cor
12,14; 13,1) e que poderá corresponder à descrita nos Actos dos Apóstolos
(18,23), durante a terceira viagem missionária. Se não é fácil estabelecer a
sequência das suas intervenções, resulta claro que Paulo teve de enfrentar
situações e resolver problemas complicados; mas, quando escreve 2 CORÍNTIOS,
depois de serenados os ânimos, é já capaz de fazer a apologia do seu apostolado
e de lançar um apelo em favor da colecta de Jerusalém.
PRIMEIRA CARTA
Paulo escreveu esta Carta em Éfeso, durante a
terceira viagem missionária, para remediar os abusos, nomeadamente as divisões
e escândalos de que teve conhecimento por mensageiros vindos de Corinto (1,11),
e para responder às questões que lhe foram postas por escrito (7,1). Estas
circunstâncias explicam o carácter não sistemático da Carta, com a única
preocupação de enfrentar as necessidades e resolver as dúvidas dos seus
correspondentes. A COMUNIDADE Ao longo destas páginas, desenha-se o retrato
fiel de uma comunidade viva e fervorosa, mas com todos os problemas resultantes
da inserção da mensagem cristã numa cultura diferente daquela em que tinha sido
anunciada anteriormente. As questões abordadas derivam em grande parte do
fenómeno da inculturação do Evangelho em ambiente helenista. Paulo procura
esclarecer, mostrando-se firme ao condenar os comportamentos inconciliáveis,
mas compreensivo quando a fé não corre perigo.
CONTEÚDO O conteúdo da 1.ª CARTA AOS CORÍNTIOS pode
resumir-se nos seguintes pontos doutrinais:
Prólogo: 1,1-9;
I. Divisões na igreja de Corinto: 1,10-4,21;
II. Escândalos na igreja: 5,1-6,20;
III. Resposta a questões concretas: 7,1-11,1;
IV. A Assembleia Litúrgica: 11,2-34;
V. Os carismas: 12,1-14,40;
VI. A ressurreição dos mortos: 15,1-58; Epílogo:
16,1-24. TEOLOGIA Os cristãos de Corinto enfrentaram várias
"tentações": reduzir a fé cristã a uma sabedoria humana,
diversificada à maneira das escolas filosóficas de então (1,10; 3,22); ceder
aos imperativos de uma ética sexual, caracterizada, ora por um excessivo
laxismo, ora pelo desprezo da carne, segundo as diferentes correntes
filosóficas (5,1-3; 6,12-20; 7,1-40); continuar a observar as práticas cultuais
do paganismo (cap. 8-13) e a sofrer a influência suspeita das refeições
sagradas (11,21) e do frenesim delirante de certos ritos (12,2-3). Tiveram
ainda dificuldade em conciliar o mistério fundamental da ressurreição dos
mortos com as doutrinas dualistas da filosofia grega (cap. 15). As soluções
propostas estão marcadas pelos condicionalismos culturais de então e pelo
concreto da vida; mas não se reduzem a mera casuística já ultrapassada, porque
o génio de Paulo, mesmo quando desce a questões do dia-a-dia, sabe sempre
elevar-se aos princípios fundamentais que lhes asseguram perenidade e
oferecer-nos uma teologia aplicada ao concreto da vida cristã. Daqui o
interesse e a actualidade desta Carta: através dela, sentimos ao vivo o pulsar
de uma comunidade cristã muito rica, a forte personalidade de Paulo, muito
consciente das suas responsabilidades, e a presença constante do Ressuscitado
que anima a comunidade e a tudo dá sentido.
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