10/04/2020

Reflectir no sentido da morte de Cristo

A digressão que acabo de fazer tem por única finalidade pôr em evidência uma verdade central: recordar que a vida cristã encontra o seu sentido em Deus . Nós os homens não fomos criados apenas para edificar um mundo o mais justo possível: para além disso, fomos colocados na Terra para entrar em comunhão com o próprio Deus. Jesus não nos prometeu a comodidade temporal, nem a glória terrena, mas a casa de Deus-Pai, que nos espera no final do caminho.

A liturgia de Sexta-feira Santa inclui um hino maravilhoso: o Crux Fidelis. Nesse hino, somos convidados a cantar e celebrar o glorioso combate do Senhor, o troféu que é a Cruz, a esplêndida vitória de Cristo. O Redentor do Universo, ao ser imolado, triunfa. Deus, Senhor de toda a criação, não afirma a sua presença com a força das armas, nem sequer com o poder temporal dos seus, mas sim com a grandeza do seu amor infinito.

O Senhor não destrói a liberdade do homem: precisamente foi Ele que nos fez livres. Por isso mesmo não quer respostas forçadas, mas sim decisões que saiam da intimidade do coração. E espera de nós, cristãos, que vivamos de tal maneira que aqueles que convivam connosco, por cima das nossas próprias misérias, erros e deficiências, encontrem o eco do drama de amor do Calvário. Tudo o que temos, recebemo-lo de Deus, para sermos sal que dê sabor, luz que leve aos homens a alegre nova de que Ele é um Pai que ama sem medida. O cristão é luz do mundo, não porque vença ou triunfe, mas porque dá testemunho do amor de Deus. E não será sal se não servir para salgar; nem será luz se, com o seu exemplo e a sua doutrina, não oferecer um testemunho de Jesus, se perder aquilo que constitui a razão de ser da sua vida. (Cristo que passa, 100)

SEXTA - FEIRA SANTA

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Madrugada de Sexta-Feira Santa

A esta hora em que escrevo esta meditação já é Sexta-Feira.
O Senhor acaba de sair da casa do Sumo-Sacerdote depois de ser su­jeito a um simulacro de julgamento sem qualquer base sólida de acu­sação nem direito a contestação.
Várias “testemunhas” acusam e inventam, inventam e acusam.
Como numa peça de teatro medíocre os actores prestam-se a desem­penhos lamentáveis.
Jesus é atacado na Sua honra, no Seu bom-nome, na Sua dignidade.
Mas cala-se, não se defende, não reage.
Está triste e abatido, acabou de ouvir cá fora, no páteo, Pedro – o Seu Cefas – a jurar que não O conhecia.
Está ansioso por sair dali para lhe lançar um olhar sereno e amigo que fará o pobre Pedro debulhar-se em lágrimas.
Acabando com o “teatro medíocre” o Sumo-Sacerdote tem um gesto teatral que, pensa ele, é definitivo: rasga as vestes.
Até este acto é falso porque as vestimentas têm um lugar especial para serem rasgadas, mas isso não importa, é assim mesmo e todos sabem que tal significa o reconhecimento da ”gravidade das culpas” assacadas ao prisioneiro.
A partir daqui tudo se precipita num crescendo de violências, desaca­tos, faltas de respeito. O Senhor é levado aos empurrões, com uma corda ao pescoço através das vielas da cidade em direcção ao Pretório de Pilatos.
Sinto-me chocado com estas cenas e não aceito que o meu Senhor, o meu Jesus, seja tratado assim.
Não culpo os “juízes”, os Seus inimigos porque não posso; Ele dirá no alto da Cruz: «Pai perdoa-lhes porque não sabem o que fazem».
Culpo-me a mim que sei muito bem o que faço e com as minhas misé­rias e pecados sem conta o “obriguei” a passar por este transe.
Ele quis salvar-me, desejou que fosse Seu seguidor e partilhasse com Ele a vida eterna.

E… tenho de aceitar, tal como Ele aceitou, esta dor e remorso de ser como sou, de “fazer o mal que não quero e não fazer o bem que quero”.
E, aceitando rendidamente a Vontade do meu Senhor, seco as minhas lágrimas e vou pelo que resta da noite, procurar a Santíssima Virgem.
Quero estar com ela, aninhar-me nos seus braços e dizer-lhe que a amo muito, muito, muito.
Ah! E pedir-lhe que me abençoe e que me leve por um caminho seguro [1] o resto dos dias que me for concedido viver, para me encontrar final­mente com o seu querido Filho, o meu Irmão Jesus.

(AMA, 2016)




[1] Iter para tuto

Temas para reflectir e meditar


Oração

Conta-se que João Paulo II, numa reunião com um grupo de Bispos no Vaticano, pediu que o dispensassem de participar no almoço que se seguiria; estava bastante constipado, com trinta e oito graus de febre e desejava aproveitar esse tempo, normalmente bastante longo, para descansar.
Quando os senhores Bispos se dirigiam para a sala onde decorreria o almoço, passaram por uma pequena capela e, através da porta meio aberta, puderam ver o Papa ajoelhado em oração profunda.

Para descansar, João Paulo II, procurara a companhia do Santíssimo Sacramento no Sacrário.

(P. Manuel Martinez, Recolecção, Porto 2005.05.02)



Pequena agenda do cristão

Sexta-Feira

PEQUENA AGENDA DO CRISTÃO

(Coisas muito simples, curtas, objectivas)




Propósito:

Contenção; alguma privação; ser humilde.


Senhor: Ajuda-me a ser contido, a privar-me de algo por pouco que seja, a ser humilde. Sou formado por este barro duro e seco que é o meu carácter, mas não Te importes, Senhor, não Te importes com este barro que não vale nada. Parte-o, esfrangalha-o nas Tuas mãos amorosas e, estou certo, daí sairá algo que se possa - que Tu possas - aproveitar. Não dês importância à minha prosápia, à minha vaidade, ao meu desejo incontido de protagonismo e evidência. Não sei nada, não posso nada, não tenho nada, não valho nada, não sou absolutamente nada.

Lembrar-me:
Filiação divina.

Ser Teu filho Senhor! De tal modo desejo que esta realidade tome posse de mim, que me entrego totalmente nas Tuas mãos amorosas de Pai misericordioso, e embora não saiba bem para que me queres, para que queres como filho a alguém como eu, entrego-me confiante que me conheces profundamente, com todos os meus defeitos e pequenas virtudes e é assim, e não de outro modo, que me queres ao pé de Ti. Não me afastes, Senhor. Eu sei que Tu não me afastarás nunca. Peço-Te que não permitas que alguma vez, nem por breves instantes, seja eu a afastar-me de Ti.

Pequeno exame:

Cumpri o propósito que me propus ontem?




SEXTA FEIRA SANTA


Num horto muito perto do Calvário, José de Arimateia tinha mandado lavrar, na rocha, um sepulcro novo. E, por ser a véspera da grande Páscoa dos judeus, põem Jesus ali. Depois, José rolou uma grande pedra, para diante da boca do sepulcro, e retirou-se (Mt XXVII, 60).

Sem nada veio Jesus ao mundo e sem nada - nem sequer o lugar onde repousa - se nos foi.

A Mãe do Senhor - minha Mãe - e as mulheres que seguiram o Mestre desde a Galileia, depois de observar tudo atentamente, partem também. Cai a noite.

Agora consumou-se tudo. Cumpriu-se a obra da nossa Redenção. Já somos filhos de Deus, porque Jesus morreu por nós e a Sua morte resgatou-nos.

Empti enim estis pretio magno (I Cor VI, 20) !, tu e eu fomos comprados por alto preço.

Temos de fazer vida nossa a vida e a morte de Cristo. Morrer pela mortificação e a penitência, para que Cristo viva em nós pelo Amor. E seguir, então, as pisadas de Cristo, com ânsia de co-redimir todas as almas.

Dar a vida pelos outros. Só assim se vive a vida de Jesus e nos fazemos uma só coisa com Ele.

PONTOS DE MEDITAÇÃO

1. Dos altos cargos que ocupam Nicodemos e José de Arimateia - discípulos ocultos de Cristo - intercedem por Ele. Na hora da solidão, do abandono total e do desprezo..., então expõem-se audacter (Mc XV, 43)...: valentia heróica!

Eu subirei com eles ao pé da Cruz, apertar-me-ei ao Corpo frio, cadáver de Cristo, com o fogo do meu amor..., despregá-Lo-ei com os meus desagravos e mortificações..., envolvê-Lo-ei com o lençol novo da minha vida limpa e enterrá-Lo-ei no meu peito de rocha viva, donde ninguém mO poderá arrancar; e, aí, Senhor, descansai!

Mesmo que todos Vos abandonem e desprezem..., ,serviam!, servir-Vos-ei, Senhor.

2. Sabei que . fostes resgatados da vossa vã conduta..., não com prata ou ouro, que são coisas perecíveis, mas com o sangue precioso de Cristo (I Ped I, 18-19).

Não nos pertencemos. Jesus comprou-nos com a Sua Paixão e com a Sua Morte. Somos vida Sua. Só já há um único modo de viver na terra: morrer com Cristo para ressuscitar com Ele, até que possamos dizer com o Apóstolo: não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim (Gal II, 20).

3. A Paixão de Jesus é manancial inesgotável de vida.

Umas vezes, renovamos o gozoso impulso que levou o Senhor a Jerusalém. Outras, a dor da agonia que culminou no Calvário... Ou a glória do Seu triunfo sobre a morte e o pecado. Mas, sempre, o amor - gozoso, doloroso, glorioso - do Coração de Jesus Cristo.

4. Pensa primeiro nos outros. Assim, passarás pela terra com erros, sim - que são inevitáveis -, mas deixando um rasto de bem.

E, quando chegar a hora da morte, que virá inexorável, acolhê-la-ás com júbilo, como Cristo, porque como Ele também ressuscitaremos para receber o prémio do Seu Amor.

5. Quando me sinto capaz de todos os horrores e de todos os erros que cometeram as pessoas mais vis, compreendo bem que posso não ser fiel... Mas essa incerteza é uma das bondades do Amor de Deus, que me leva a estar, como uma criança, agarrado aos braços do meu Pai, lutando cada dia um pouco para não me afastar d'Ele.

Assim, tenho a certeza de que Deus não me largará da Sua mão.

Pode a mulher esquecer-se do fruto do seu ventre, não se compadecer do filho da suas entranhas? Pois, ainda que ela se esqueça, eu não te esquecerei (Is XLIX, 15). (Via Sacra, XIV Estação)

LEITURA ESPIRITUAL

COMENTANDO OS EVANGELHOS

São Mateus

Cap. X


1 Jesus chamou doze discípulos e deu-lhes poder de expulsar os espíritos malignos e de curar todas as enfermidades e doenças. 2 São estes os nomes dos doze Apóstolos: primeiro, Simão, chamado Pedro, e André, seu irmão; Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão; 3 Filipe e Bartolomeu; Tomé e Mateus, o cobrador de impostos; Tiago, filho de Alfeu, e Tadeu; 4 Simão, o Zelota, e Judas Iscariotes, que o traiu. 5 Jesus enviou estes doze, depois de lhes ter dado as seguintes instruções: «Não sigais pelo caminho dos gentios, nem entreis em cidade de samaritanos. 6 Ide, primeiramente, às ovelhas perdidas da casa de Israel. 7 Pelo caminho, proclamai que o Reino do Céu está perto. 8 Curai os enfermos, ressuscitai os mortos, purificai os leprosos, expulsai os demónios. Recebestes de graça, dai de graça. 9 Não possuais ouro, nem prata, nem cobre, em vossos cintos; 10 nem alforge para o caminho, nem duas túnicas, nem sandálias, nem cajado; pois o trabalhador merece o seu sustento. 11 Em qualquer cidade ou aldeia onde entrardes, procurai saber se há nela alguém que seja digno, e permanecei em sua casa até partirdes. 12 Ao entrardes numa casa, saudai-a. 13 Se essa casa for digna, a vossa paz desça sobre ela; se não for digna, volte para vós. 14 Se alguém não vos receber nem escutar as vossas palavras, ao sair dessa casa ou dessa cidade, sacudi o pó dos vossos pés. 15 Em verdade vos digo: No dia do juízo, haverá menos rigor para a terra de Sodoma e de Gomorra do que para aquela cidade.» 16 «Envio-vos como ovelhas para o meio dos lobos; sede, pois, prudentes como as serpentes e simples como as pombas. 17 Tende cuidado com os homens: hão-de entregar-vos aos tribunais e açoitar-vos nas suas sinagogas; 18 sereis levados perante governadores e reis, por minha causa, para dar testemunho diante deles e dos pagãos. 19 Mas, quando vos entregarem, não vos preocupeis nem como haveis de falar nem com o que haveis de dizer; nessa altura, vos será inspirado o que tiverdes de dizer. 20 Não sereis vós a falar, mas o Espírito do vosso Pai é que falará por vós. 21 O irmão entregará o seu irmão à morte, e o pai, o seu filho; os filhos hão-de erguer-se contra os pais e hão-de causar-lhes a morte. 22 E vós sereis odiados por todos, por causa do meu nome. Mas aquele que se mantiver firme até ao fim será salvo. 23 Quando vos perseguirem numa cidade, fugi para outra. Em verdade vos digo: Não acabareis de percorrer as cidades de Israel, antes de vir o Filho do Homem.» 24 «O discípulo não está acima do mestre, nem o servo acima do senhor. 25 Basta ao discípulo ser como o mestre e ao servo ser como o senhor. Se ao dono da casa chamaram Belzebu, o que não chamarão eles aos familiares! 26 Não os temais, portanto, pois não há nada encoberto que não venha a ser conhecido. 27 O que vos digo às escuras, dizei-o à luz do dia; e o que escutais ao ouvido, proclamai-o sobre os terraços. 28 Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma. Temei antes aquele que pode fazer perecer na Geena o corpo e a alma. 29 Não se vendem dois pássaros por uma pequena moeda? E nem um deles cairá por terra sem o consentimento do vosso Pai! 30 Quanto a vós, até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados! 31 Não temais, pois valeis mais do que muitos pássaros.» 32 «Todo aquele que se declarar por mim, diante dos homens, também me declararei por ele diante do meu Pai que está no Céu. 33 Mas aquele que me negar diante dos homens, também o hei-de negar diante do meu Pai que está no Céu. 34 Não penseis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer a paz, mas a espada. 35 Porque vim separar o filho do seu pai, a filha da sua mãe e a nora da sua sogra; 36 de tal modo que os inimigos do homem serão os seus familiares. 37 Quem amar o pai ou a mãe mais do que a mim, não é digno de mim. Quem amar o filho ou filha mais do que a mim, não é digno de mim. 38 Quem não tomar a sua cruz para me seguir, não é digno de mim. 39 Aquele que conservar a vida para si, há-de perdê-la; aquele que perder a sua vida por causa de mim, há-de salvá-la.» 40 «Quem vos recebe, a mim recebe; e quem me recebe, recebe aquele que me enviou. 41 Quem recebe um profeta por ele ser profeta, receberá recompensa de profeta; e quem recebe um justo, por ele ser justo, receberá recompensa de justo. 42 E quem der de beber a um destes pequeninos, ainda que seja somente um copo de água fresca, por ser meu discípulo, em verdade vos digo: não perderá a sua recompensa.»

Comentários:

1-7 -
Eis os Doze! Eis as colunas sobre as quais, Cristo construirá a Sua Igreja! Homens comuns sem grandes predicados ou instrução e, no entanto, levaram a cabo o que poderíamos apelidar “missão impossível” e, mais, completando-a gloriosamente quase todos “pagando” com a própria vida a sua ousadia. Devemos, todos os homens em geral e os cristãos em particular, uma autêntica e profunda gratidão pelo que nos deram: A Santa Igreja!
As instruções de Jesus são claras: «Ide, primeiramente, às ovelhas perdidas da casa de Israel» Parece muito lógico porque o Senhor procura, quer recuperar o que está perdido, desorientado, sem caminho seguro. Depois, sim, depois virão todos os outros de todos os lugares da terra porque por todos o Senhor deu a Sua Vida e Ressuscitou. A partir da Sua Ressurreição todos os homens serão convertidos em filhos de Deus e, então sim, têm “direito” a conhecer o Reino, a Doutrina para terem pleno acesso à Fé que salva.
Eis o Colégio Apostólico. Nome muito apropriado a estes doze homens escolhidos pessoalmente por Jesus Cristo. Apropriado porque, Ele é o Mestre que ensina e guia. Os doze são os alunos que O seguem, aprendem e põem em prática o que lhes manda.

7-13 -
Quando um chefe, um rei, um proprietário encomenda a alguém uma tarefa dá instruções precisas aos enviados para fazerem o que deseja e como o devem fazer. A iniciativa pessoal será sempre necessária, mas, o deveras importante, é cumprir quanto e como lhe é encomendado por quem tem o múnus ou o poder para tal. Seguramente que não será aceite um trabalho mal feito, apressadamente levado a cabo, sem empenho nem dedicação que garantam a satisfação de quem deu as ordens e instruções. Os cristãos têm de ter bem presente que as instruções do Senhor são para cumprir sem o que correm o risco de se apresentarem julgamento final e decisivo de mãos vazias, e, aí, já será tarde demais para corrigir.
Como um excelente “director espiritual” Jesus Cristo não só dá instruções precisas de como actuar como, além disso, recomenda a postura correcta que o apóstolo deve ter. A nossa iniciativa pessoal fica assim enformada por estas instruções e não teremos que “inventar” nada para cumprirmos o que nos propomos. Vamos – todos os homens devem ir – apresentar algo que não é nosso, mas do Senhor, é natural, portanto, que usemos as Suas instruções com o rigor possível e adequado a cada circunstância. Se assim procedermos, estamos certos que o nosso trabalho apostólico dará frutos.

7-15 -
Jesus Cristo, o Príncipe da Paz, insiste na paz interior de quem tem por missão difundir a Sua Palavra. Ninguém pode conseguir o que for se não estiver em paz consigo próprio e, esta, só se alcança quando se está absolutamente seguro de que o que se faz é bem feito, com o empenho total e a disponibilidade absoluta que Cristo pede aos Seus pastores. Homens santos, autênticos, de altar, que ponham no seu trabalho de pastores de almas estritamente o que a Igreja manda, sem acrescentar da sua lavra o que for. A Santa Igreja é de Cristo, sua Cabeça, a Doutrina é a Doutrina de Cristo e, o modo de a aplicar é seguindo com obediência e fidelidade estritas o que manda o Magistério.
Senhor, eu julgo precisar dessas coisas todas: o oiro, a prata, o vestido, o alforge o calçado…  Agarrado a tudo isto e, a tudo o mais que a minha pobre humanidade me ata, mal me sobra “cabeça” para me entregar ao que de mim esperas. E, porque esperas de mim tais coisas como se, eu, fosse alguém em que merecesse a pena confiar? Tu não me conheces, Senhor! Não sabes das minhas fraquezas, do pouco que sou! Ah!... Mas, Tu, sabes mais, esta é a verdade, e se me escolhes é porque eu terei capacidade de para corresponder. Ajuda-me, Senhor, a não defraudar a Tua confiança em mim. Serviam!
Despido de coisas supérfluas, nu de roupagens excessivas e atavios desnecessários, lanço-me à tarefa que me ordenas, meto ombros aos encargos que me entregas sem me deter a considerar as minhas misérias, o pouco que sou, o nada que valho. Se o fizesse, ficaria parado, aturdido pela grandeza da tarefa para os meus fraquíssimos recursos. Não! Se me escolhes é porque me encontras préstimo; se me chamas é porque desejas que corresponda. Por isso e sem mais Te digo: Ecce ego quia vocasti me!
Não obstante ser um costume daqueles tempos - desejar a paz - e, ainda hoje ser comum, sobretudo no Oriente, perdeu-se o sentido profundo do seu verdadeiro significado. Desejar a paz é a melhor coisa que podemos querer para alguém, querer a paz deveria ser o desejo de qualquer ser humano. Não esqueçamos, porém, que a paz pessoal, a paz de espírito, é o bem mais precioso que podemos ambicionar porque não é possível propagar a paz à nossa volta - como é dever de todo o cristão - se nós próprios não a tivermos em nós.
Fala-se constantemente de paz, justamente por ela não estar, como deveria, instalada no mundo. A paz verdadeira, a única que nos deve interessar, é a paz de Cristo. A paz que os homens almejam não é a conseguida com a imposição, à força, quer seja à mesa de negociações, quer alcançada no campo de batalha. Para ter paz é preciso, antes de mais, estar pronto, disponível para não ceder, sem hesitação naquilo que, em nós, não passa de capricho ou teimosia. Enquanto o não fizermos é inútil perseguir a paz porque, não a tendo em nós mesmos, jamais a alcançaremos.
Não vamos fazer apostolado carregados - por assim dizer – com inúmeras virtudes, bens, poderes. Vamos como simples cristãos confiados que o Senhor porá o que nos faltar, que, talvez seja muito, para nós, mas, para Ele, nada representa. Não esqueçamos nunca que o apostolado é um trabalho pessoal que devemos fazer, sempre em nome de Jesus Cristo, e nunca nos preocupemos com a possibilidade de “não estarmos à altura da tarefa”. Ele, conhece-nos intimamente – melhor que nós próprios nos conhecemos – e, se nos incita a ser apóstolos é porque, na Sua Infinita Sabedoria, quer que o façamos. Mal fora se o apostolado estivesse reservado só aos sábios e dotados de inúmeras virtudes, não teríamos, a maior parte de nós, lugar nessa tarefa. Não esqueçamos que tudo começou com uns simples doze homens, de escassa cultura e com inúmeros defeitos e debilidades e, no entanto, o que fizeram ficou para sempre, ficará para sempre!

16-23 -
Tudo quanto Jesus Cristo anuncia não é um vaticínio, uma previsão, mas sim uma profecia e, como todas as profecias, há-de verificar-se palavra por palavra, tal qual sem qualquer alteração. Os profetas do A T, falavam de forma figurada, por imagens mais ou menos claras, muitas vezes algo enigmáticas. Jesus Cristo não! Revela com clareza - e até detalhe - o que acontecerá. Eles profetizavam em nome d’Ele, Ele, afirma o que sabe irá acontecer.
Parece que Jesus Cristo convida os Seus seguidores a uma vida impossível, nada atraente. De facto, ao longo dos tempos e até aos dias de hoje, tudo quanto diz se tem verificado e, às vezes, com violência e “ferocidade” tais que raiam o inumano. Não obstante, nunca faltaram seguidores – nem faltarão –, alguns de forma tão completa e total que entregam as suas vidas única e exclusivamente ao Seu serviço. Será que, esta atracção que Cristo exerce sobre os que O ouvem é assim tão forte e irrecusável? Será que o prémio prometido excederá em muito o imaginável? Ambas são razões fundamentais e bastantes para justificar esse cortejo santo de homens e mulheres que seguem Cristo e vão pela vida espalhando a Sua Palavra, arrastando outros com o seu exemplo.
Porque será que, seguir Cristo, é tarefa tão difícil e, ao mesmo tempo, atraente? É possível que – como alguns defendem – o homem seja intrinsecamente mau e, portanto, seguir Jesus que É intrinsecamente Bom vai contra a sua natureza? Não! Em primeiro lugar porque o homem não é intrinsecamente mau, nem nunca o poderia ser, porque Deus não pode criar nada que não seja muito bom. E, depois, porque o demónio se esforça continuamente por o afastar do caminho recto, apresentando-lhe visões de felicidade pessoal que o atraem e, não poucas vezes, o arrastam. Só que o demónio não pode prometer nada porque, embora tenha um enorme poder, não pode “comandar” o futuro e, muito menos, que o que promete seja bom porque, ele, sim, é intrinsecamente mau. Por isso mesmo Cristo nos ensinou a pedir no “Pai-Nosso”: «não nos deixeis cair em tentação e livrai-nos do mal»

17-22 -
Não parece muito atraente a decisão de seguir Jesus se considerar-mos todas as vicissitudes que se apresentarão aos Seus fiéis seguidores. Há, no entanto, uma promessa solene que o Senhor faz: a assistência do Espírito Santo em todos os momentos, particularmente naqueles em que o perigo ou a complexidade da situação seja difícil ou mesmo impossível de “controlar”. E, como para Deus não há impossíveis e Ele nunca falta ao que promete, podemos estar descansados e ficar em paz.
De todas a virtudes humanas a perseverança será, talvez, a mais difícil de conseguir em plenitude. Porque tem de ser diária, constante, sem pausa. Não se persevera em algo de “tempos a tempos”, mas, com tenaz constância como algo que nos torna iguais a nós mesmos, ao que queremos ser, ao que devemos ser. A perseverança traz consigo um cortejo de virtudes que dificilmente sobreviveriam se a não tivéssemos.
Pode parecer estranho que a Liturgia tenha escolhido este trecho do Evangelho escrito por São Mateus para o dia logo a seguir à celebração do Nascimento do Salvador. No início da Oitava do Natal – tempo de festa, portanto – é-nos chamada a atenção para o que implica seguir esse Menino acabado de nascer. Mais nos admiramos com esta decisão do nosso Deus e Senhor de Se encarnar num corpo humano para nos salvar a todos e ganhar-nos a vida eterna. Desde a manjedoura de Belém, este Menino Deus sorri para o mundo que veio salvar e, nós, cristãos, prostramo-nos admirados e agradecidos e, no mais íntimo dos nossos corações compr,ometemo-nos segui-l’O sempre, custe o que custar.

24-33 -
Não é próprio do cristão ter medo das consequências que possam advir por seguir Cristo. Isso, que é fácil de dizer, ganha especial relevância nos dias de hoje em que em diversas partes do mundo se manifesta, por vezes de forma brutal, o ódio a Cristo, à Sua Igreja, aos cristãos. Por aqui, na Europa, parece estarmos a salvo dessas perseguições, mas, de facto, continua e cada vez mais, a necessidade de afirmar as verdades da e agir sem receio e decididamente contra essas outras formas de ataque à Santa Igreja, à Fé e princípios cristãos que se manifestam sob a forma de leis iníquas e atentatórias da dignidade do ser humano em geral e do cristão em particular.
Jesus Cristo ”sossega” os espíritos dos que O ouvem e se sentem atraídos pela Sua doutrina mas, ante as dificuldades e obstáculos que advinham hesitam em dar o “passo decisivo”. Assegura os “cuidados” e atenção de Deus Pai por cada um dos Seus Filhos e o que, secretamente alguns tentarão dizer para os afastar ou atemorizar, se virá a saber publicamente como sendo obra do demónio, o pai da mentira. Diremos: Eu sou de Cristo! E ouviremos a Sua iniludível confirmação: E, Eu, sou Teu irmão!

26-33 -
Temer o demónio? Parece que é esta a recomendação de Jesus, tal como Evangelista escreve, mas o que na verdade quer dizer é que devemos ter cuidado com as tentações que, quando menos esperamos, ele insinua no nosso espírito. Já o dissemos e repetimos com absoluta segurança: o demónio não tem qualquer poder sobre nós a menos que, nós próprios, lho outorguemos. Nem devemos ter medo das tentações, porque o Senhor prometeu que jamais consentiria que fossemos tentados além das nossas forças. Uma coisa é ter medo outra, completamente diferente, é ter cuidado e cautela redobrados, sobretudo naquelas situações, ou circunstâncias, em que podemos estar mais frágeis ou pouco vigilantes. No Pai-Nosso, Jesus Cristo ensinou-nos que não devemos pedir não ser tentados, mas sim, força, ânimo e ajuda para não cairmos na tentação. Ah! E sabemos muito bem que quanto mais progredimos na nossa união com Cristo mais o demónio se encarniçará contra nós, por isso, tenhamos especial cuidado na vigilância e unidade de vida e, assim, estaremos a salvo.
Sem dúvida que a forma mais eficaz de não cair em tentação é evitar decididamente e sem delongas, as ocasiões e circunstâncias que, bem sabemos, são propícias para que ocorram. Mais vale prevenir…

27-28 -
Audácia e confiança! É o que o Senhor nos pede a todos os cristãos. A história da humanidade está repleta de exemplos – que continuam um pouco por toda a parte, ainda nos dias de hoje – desses muitos milhares de pessoas que escolheram não ter medo, nem receio, nem respeitos humanos, antes foram por toda a parte anunciando o Evangelho cumprindo o mandato recebido de Cristo. A Sua Igreja, continuamente regada pelo sangue destes mártires, é Santa e imperecível. A todos, nós cristãos de hoje, devemos muito, muitíssimo, a estes autênticos heróis da cristandade.

34-11 -
Em síntese, o que o Senhor nos recomenda é critério na ordem do nosso amor, das nossas prioridades. Sempre e em qualquer circunstância, o que interessa é termos Deus em primeiro lugar e observar as condições para O seguir. Senhor: Que eu saiba ordenar bem o meu amor. Em primeiro lugar… Tu, Senhor do Céu e da Terra, Criador de todas as coisas. Todos os outros amores, por limpos, honestos, verdadeiros que sejam, ou possam parecer, devem ordenar-se a este. De Ti me vem tudo, a própria vida. Tudo, absolutamente, quanto tenho, Te pertence. Para Ti caminho, de Ti recebo a força, a inspiração, o alento para a caminhada e ainda o perdão das minhas numerosas faltas. Não guardando agravos, demonstras, a cada instante, a Tua Omnipotente Misericórdia. Peço-te, Senhor, que recebas o meu amor como se fosse o único amor que tens na terra. Assim não notarás como é pequeno, miserável... Serei feliz porque mesmo sabendo o pouco que é, como to dou todo... fico disponível para me “encher” do Teu...»
Jesus Cristo não poupa os avisos sobre as dificuldades que, os que O seguirem, hão-de encontrar. Dificuldades e obstáculos de toda a ordem, muitas vezes parecendo impossíveis de superar. E, de facto, são-no para nós que nada podemos, mas, Ele não nos faltará nunca para que possamos. Este Senhor, Todo-Poderoso, promete uma recompensa por um simples copo de água dado em Seu Nome! Vale a pena, pois, perseverar e lutar sem descanso com confiança absoluta naqueLe que tudo pode.
A Liturgia repete, no mesmo ano, o mesmo trecho de São Mateus. Porquê? Julgo que o tema é por demais importante para que os cristãos tenham bem claro o que Ele pede aos que O seguem ou, desejam segui-Lo. Não esconde nem “emoldura” a verdade, bem ao contrário, mostra as dificuldades e obstáculos que, os que optarem por esse caminho, hão-de encontrar. Mas, a verdade, é que nunca faltaram – nem faltarão jamais- homens e mulheres de todas as raças e condições sociais, que optarão por esse caminho e – atenção – não necessariamente retirados do mundo, nos claustros de um convento. Na vida corrente, podemos encontrar, a cada passo, pessoas que vivem no mundo, mas “não são do mundo” porque tudo quanto fazem é para honrar e dar glória Deus. São estes “alicerces” em que se apoia a santidade da Igreja de Jesus Cristo, em que nos apoiamos todos os cristãos, que nos servem e exemplo a seguir, nos animam e são, de certo modo, a garantia de que é possível viver como Deus quer que vivamos.
A vida de um cristão é uma vida de luta. Em primeiro lugar consigo próprio no esforço contínuo de fazer a Vontade de Deus. Para alguns esta luta reveste-se de particular dificuldade e, até, violência, sobretudo para os que vivem em ambientes adversos onde a prática da fé requer heroicidade denodada. Temos todos a obrigação de ajudar estes muitos irmãos nossos rezando por eles e com a oferta de algum sacrifício ou privação.

37-42-
O grande tema deste trecho de São Mateus é o amor. Porquê? Porque, na verdade, se trata de ordenar convenientemente o nosso amor. Se bem que todos os amores sadios, honestos, sinceros sejam de cultivar e ter em conta é fundamental ter muito claras as prioridades. Em primeiro lugar, amar a Deus sem limites ou condições e, em consequência, amar o próximo. Estes dois “amores” encerram em si mesmos toda a Lei e garantem a felicidade eterna. É fácil amar a Deus? Não é, o próprio Jesus Cristo o infere nas palavras deste texto, mas, por isso mesmo, a recompensa – que na verdade não tinha porque nos dar – é de tal forma grandiosa e extraordinária que vale bem o esforço da vontade em consegui-lo.
Parece haver alguma contradição nas palavras de Jesus e o Seu “título” de PRÍNCIPE DA PAZ. Na verdade, não há porque, como nós próprios constatamos cada dia que passa, é que a paz só é possível com o amor. Ora, se este amor não está devidamente ordenado, os conflitos são inevitáveis. Amar a Deus sobre todas as coisas e pessoas, com amor total e sem condições e, depois, amar os outros – todos os outros – como a nós mesmos. Só cumprindo estas “condições” da Lei de Deus, pode haver felicidade e paz.

(AMA, 2018)