Advento II Semana
Evangelho: Mt 11 16-19
16 «A quem hei-de Eu
comparar esta geração? É semelhante às crianças que estão sentados na praça, e
que gritam aos seus companheiros, 17 dizendo: Tocámos flauta e não
bailastes; entoámos lamentações e não chorastes; 18 veio João, que
não comia nem bebia, e dizem: “Ele tem demónio”. 19 Veio o Filho do
Homem, que come e bebe, e dizem: “Eis um glutão e um bebedor de vinho, um amigo
dos publicanos e pecadores”. Mas a sabedoria divina foi justificada por suas
obras».
Comentário:
O que interessa verdadeiramente são
as obras e não as aparências.
Quem se atreve a emitir julgamento ou
opinião sobre aquilo que julga ver e não tem em conta o que realmente é
constatável, tem um critério tosco e completamente errado.
Melhor… muito melhor será abster-se
de se considerar com algum direito a julgar os outros e, ainda menos, a
transmitir essa opinião aos que, por um motivo ou outro, lhe podem atribuir
credibilidade.
(ama,
comentário sobre Mt 11, 16-19, 2013.12.13)
Leitura espiritual
São Josemaria Escrivá
Amigos de Deus 48 a 56
48
Junto da vinha
Havia
um pai de família, que plantou uma vinha, e a cercou com uma sebe, e cavou nela
um lagar, e edificou uma torre, e arrendou-a a uns lavradores, e ausentou-se
daquela região.
Gostaria
que meditássemos nos ensinamentos desta parábola, do ponto de vista que nos
interessa agora. A tradição viu, neste relato, uma imagem do destino do povo
eleito por Deus; e ensinou-nos sobretudo como, a tanto amor da parte do Senhor,
correspondemos nós, homens, com infidelidade, com falta de gratidão.
Pretendo
concretamente deter-me nas palavras ausentou-se daquela região. Chego logo à
conclusão de que nós, cristãos, não devemos abandonar esta vinha em que nos
meteu o Senhor. Temos de empregar as nossas forças nesta tarefa, dentro da
cerca, trabalhando no lagar e, acabada a jornada, descansando na torre. Se nos
deixássemos arrastar pelo comodismo, seria o mesmo que responder a Cristo: os
meus anos são para mim; não para Ti. Não quero decidir-me a tratar da tua
vinha.
49
O
Senhor deu-nos a vida, os sentidos, as potências, graças sem conta. E não temos
o direito de esquecer que somos, cada um, um operário, entre tantos, nesta
fazenda em que ele nos colocou, para colaborar na tarefa de dar alimento aos
outros. Este é o nosso sítio: dentro destes limites. Aqui temos nós de nos
gastar diariamente com ele, ajudando-o no seu trabalho redentor.
Deixai-me
que insista: o teu tempo para ti? O teu tempo para Deus! Pode ser que, pela
misericórdia do Senhor, esse egoísmo não tenha entrado de momento na tua alma.
Digo-te isto desde já, para estares prevenido no caso de sentires alguma vez
que o teu coração vacila na fé de Cristo. Então, peço-te - pede-te Deus - que
sejas fiel no teu empenhamento, que domines a soberba, que sujeites a
imaginação, que não te deixes ir longe demais por leviandade, que não desertes.
Àqueles
jornaleiros que estavam no meio da praça sobrava-lhes todo o dia; o que
escondeu o talento na terra queria matar as horas; o que se devia ocupar da
vinha vai para outro lado. Todos demonstram a mesma insensibilidade perante a
grande tarefa que a cada um dos cristãos foi encomendada pelo Mestre - a de nos
considerarmos e de nos comportarmos como instrumentos seus, para corredimir com
Ele; a de consumirmos toda a vida no alegre sacrifício de nos entregarmos pelo
bem das almas.
50
A figueira estéril
Também
é S. Mateus quem nos conta que Jesus voltava de Betânia com fome. A mim
comove-me sempre Cristo - particularmente quando vejo que é Homem verdadeiro e
perfeito, sendo também perfeito Deus - que nos ensina a aproveitar até a nossa
indigência e as nossas debilidades naturais e pessoais, a fim de nos
oferecermos integralmente - tal como somos - ao Pai, que aceita gostosamente
esse holocausto.
Tinha
fome! O Criador do universo, o Senhor de todas as coisas padece fome! Senhor,
agradeço-Te que - por inspiração divina - o escritor sagrado tenha deixado esse
sinal nesta passagem, com um pormenor que me obriga a amar-Te mais, que me
ensina a desejar vivamente a contemplação da tua Humanidade Santíssima!
Perfectus Deus, perfectus homo, perfeito Deus e perfeito Homem, de carne e
osso, como tu, como eu!
51
Jesus
tinha trabalhado muito na véspera e, ao percorrer o caminho, sentiu fome.
Movido por esta necessidade, dirige-se àquela figueira que, lá adiante,
apresenta uma esplêndida folhagem. Relata-nos S. Marcos que não era tempo de
figos; mas Nosso Senhor aproxima-se para os colher, sabendo muito bem que nessa
estação não os encontraria. Todavia, ao comprovar a esterilidade da árvore com
aquela aparência de fecundidade, com aquela abundância de folhas, ordena: Nunca
jamais coma alguém fruto de ti.
São
palavras duras! Nunca jamais haja fruto em ti! Como ficariam os discípulos,
sobretudo ao considerarem que era a sabedoria de Deus que falava!? Jesus
amaldiçoou esta árvore, porque só encontrou aparência de fecundidade, folhagem.
Assim aprendemos que não há desculpas para a ineficácia. Talvez digam: não
tenho conhecimentos suficientes... Não há desculpa! Ou afirmem: é que a
doença...; é que o meu talento não é grande; é que não são favoráveis as
condições; é que o ambiente... Também não valem essas desculpas! Ai de quem se
enfeita com a folhagem de um falso apostolado, ai de quem ostenta a
frondosidade de uma aparente vida fecunda, sem intenções sinceras de conseguir
fruto! Parece que aproveita o tempo, que se mexe, que organiza, que inventa um
novo modo de resolver tudo... Mas é improdutivo. Ninguém se alimentará com as
suas obras sem seiva sobrenatural.
Peçamos
ao Senhor para sermos almas dispostas a trabalhar com heroísmo fecundo, pois
não faltam muitos na terra que, quando as pessoas se aproximam deles, só
apresentam folhas: grandes, reluzentes, lustrosas. Só folhagem, exclusivamente,
e nada mais. E as almas olham para nós com a esperança de saciar a sua fome,
que é fome de Deus! Não é possível esquecer que contamos com todos os meios
para isso, ou seja, com a doutrina suficiente e com a graça do Senhor, apesar
das nossas misérias.
52
Recordo-vos
de novo que nos resta pouco tempo: tempus breve est, porque é breve a vida
sobre a terra. Além disso, recordo-vos também que, tendo aqueles meios, não
necessitamos senão de boa vontade para aproveitar as ocasiões que Deus nos
concedeu. Desde que Nosso Senhor veio a este mundo, iniciou-se a era favorável,
o dia da salvação, para nós e para todos. Que o Nosso Pai, Deus, não tenha de
dirigir-nos a censura que já manifestou pela boca de Jeremias: a cegonha
conhece no céu a sua estação; a rola, a andorinha, o grou conhecem o tempo da
sua arribação; mas o meu povo não conhece o juízo do Senhor.
Não
existem datas más ou inoportunas. Todos os dias são bons para servir a Deus. Só
surgem os maus dias quando o homem os desaproveita com a sua falta de fé, com a
sua preguiça, com a sua inércia que o inclina a não trabalhar com Deus e por
Deus. Bendirei o Senhor em todo o tempo!. O tempo é um tesouro que passa, que
se escapa, que corre pelas nossas mãos como a água pelas penhas altas. Ontem já
passou e o dia de hoje está a passar. Amanhã será bem depressa outro ontem. A
duração de uma vida é muito curta. Mas, quantas coisas se podem realizar neste
pequeno espaço, por amor de Deus!
Nenhuma
desculpa nos aproveitará. O Senhor foi pródigo connosco. Instruiu-nos
pacientemente; explicou-nos os seus preceitos com parábolas e insistiu connosco
sem descanso. Como a Filipe, pode perguntar-nos: há tanto tempo que estou
convosco e ainda não me conhecestes?. Chegou o momento de trabalhar deveras, de
ocupar todos os momentos da jornada, de suportar - gostosamente, com alegria -
o peso do dia e do calor.
53
Nas coisas do Pai
Penso
que nos ajudará a terminar melhor estas reflexões uma passagem do Evangelho de S.
Lucas, no capítulo segundo. Cristo é uma criança. Que dor a de sua Mãe e a de
S. José, porque - no regresso de Jerusalém - não vinha entre os parentes e
amigos! E que alegria a sua, quando o vêem, já de longe, doutrinando os mestres
de Israel! Mas reparai nas palavras, aparentemente duras, que saem da boca do
Filho, ao responder a sua Mãe: por que me buscáveis?.
Não
era razoável que o procurassem? As almas que sabem o que é perder Cristo e
encontrá-lo podem compreender isto... Por que me buscáveis? Não sabíeis que
devo ocupar-me nas coisas de meu Pai?. Não sabíeis, porventura, que eu devo
dedicar totalmente o meu tempo ao meu Pai celestial?
54
Este
é o fruto da oração de hoje: que nos persuadamos de que o nosso caminhar na
terra - em todas as circunstâncias e em todos os momentos - é para Deus; que é
um tesouro de glória, uma imagem do Céu; que é, nas nossas mãos, uma maravilha
que temos de administrar, com sentido de responsabilidade perante os homens e
perante Deus, sem necessidade de mudar de estado, no meio da rua, santificando
a nossa profissão ou o nosso ofício, a vida de família, as relações sociais e
todas as actividades que parecem à primeira vista só terrenas.
Quando
tinha vinte e seis anos e percebi em toda a sua profundidade o compromisso de
servir o Senhor no Opus Dei, pedi-lhe com toda a minha alma oitenta anos de
gravidade. Pedia mais anos ao meu Deus - com ingenuidade infantil de
principiante - para saber utilizar o tempo, para aprender a aproveitar cada
minuto ao seu serviço. O Senhor sabe conceder essas riquezas. Talvez tu e eu
cheguemos a poder dizer: sou mais sensato que os anciãos, porque observo os
teus preceitos. A juventude não tem de ser sinónimo de despreocupação, assim
como ser velho não significa necessariamente prudência e sabedoria.
Recorre
comigo à Mãe de Cristo. Mãe Nossa, que viste crescer Jesus, que o viste
aproveitar a sua passagem entre os homens: ensina-me a utilizar os meus dias em
serviço da Igreja e das almas. Mãe bondosa, ensina-me a ouvir, no mais íntimo
do meu coração, como uma censura carinhosa, sempre que for necessário, que o
meu tempo não me pertence, porque é do Nosso Pai que está nos Céus.
55
Começar
é de muitos; acabar, de poucos. Nós, que procuramos comportar-nos como filhos
de Deus, temos de estar entre os segundos. não o esqueçais: só as tarefas
terminadas com amor, bem acabadas, merecem aquele aplauso do Senhor, que se lê
na Sagrada Escritura: é melhor o fim de uma obra do que o seu princípio.
É
possível que já me tenhais ouvido contar, noutras conversas, esta história. Em
todo o caso, interessa-me recordar-vo-la de novo, por ser muito gráfica e
esclarecedora. Em certa ocasião, procurava eu no Ritual Romano a fórmula
destinada a benzer a última pedra de um edifício, no fundo a mais importante,
porque sintetiza, como um símbolo, o trabalho duro, esforçado e perseverante de
muitas pessoas, durante longos anos. Fiquei surpreendido quando reparei que não
existia, pelo que era necessário conformar-me com uma benedictio ad omnia, uma
bênção genérica. Confesso-vos que me parecia impossível que houvesse tal lacuna
e fui revendo devagar, embora inutilmente, o índice do Ritual.
Muitos
cristãos perderam a convicção de que a integridade de Vida, pedida pelo Senhor
aos seus filhos, exige um cuidado autêntico ao realizarem as tarefas pessoais,
que têm de santificar, sem descurarem inclusivamente os pormenores mais
pequenos.
Não
podemos oferecer ao Senhor uma coisa que, dentro das pobres limitações humanas,
não seja perfeita, sem defeitos e realizada com toda a atenção, mesmo nos
aspectos mais insignificantes, porque Deus não aceita o que é mal feito. Não
oferecereis nada que tenha defeito, porque não seria aceite favoravelmente,
adverte-nos a Escritura Santa. Por isso, o trabalho de cada um de nós, esse
trabalho que ocupa as nossas jornadas e as nossas energias, há-de ser uma oferenda
digna do Criador, operatio Dei, trabalho de Deus e para Deus. Numa palavra, uma
tarefa bem cumprida e impecável.
56
Se
reparardes, entre os muitos elogios que fizeram de Jesus aqueles que puderam
contemplar a sua vida, há um que, de certo modo, compreende todos os outros.
Refiro-me àquela exclamação, cheia de sinais de assombro e de entusiasmo, que a
multidão repetia espontaneamente ao presenciar, atónita, os seus milagres: bene
omnia fecit, tudo tem feito admiravelmente bem: os grandes prodígios e as
coisas comezinhas, quotidianas, que não deslumbraram ninguém, mas que Cristo
realizou com a plenitude de quem é perfectus Deus, perfectus Homo, perfeito
Deus e perfeito homem.
Toda
a vida do Senhor me apaixona. Tenho, porém, uma particular predilecção pelos
seus trinta anos de existência oculta em Belém, no Egipto e em Nazaré. Esse
longo tempo, de que mal se fala no Evangelho, surge desprovido de significado
próprio aos olhos de quem o considera com superficialidade. E, no entanto,
sempre sustentei que um tal silêncio sobre a biografia do Mestre é bem
eloquente e encerra maravilhosas lições para os cristãos. Foram anos intensos
de trabalho e de oração, em que Jesus teve uma vida tão normal como a nossa,
simultaneamente divina e humana. Naquela singela e ignorada oficina de artesão
e, mais tarde, diante das multidões, cumpriu tudo com perfeição.
(cont)