São Josemaria Escrivá
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Amor filial à Igreja
É
indispensável repetir hoje, em voz bem alta, aquelas palavras de S. Pedro
perante as pessoas importantes de Jerusalém:
Este Jesus é aquela pedra
que vós rejeitastes ao edificar e que veio para ser a pedra principal do
ângulo; fora d'Ele, não se pode procurar a salvação em mais ninguém, porque não
foi dado aos homens outro nome sob o céu, pelo qual possamos salvar-nos.
Assim
falava o primeiro Papa, a rocha sobre a qual Cristo edificou a Sua Igreja,
levado pela sua filial devoção a Nosso Senhor e pela sua solicitude para com o
pequeno rebanho que lhe tinha sido confiado. Com Pedro e com os outros
Apóstolos, os primeiros cristãos aprenderam a amar profundamente a Igreja.
Viram
já, em contrapartida, com que pouca piedade se fala agora, todos os dias, da
nossa Santa Madre Igreja?
Como
é consolador ler, nos Padres antigos, aqueles elogios abrasados de amor à
Igreja de Cristo!
Amemos o Senhor, Nosso Deus;
amemos a Sua Igreja, escreve Santo Agostinho.
A Ele como um pai; a Ela
como uma mãe.
Que ninguém diga: "sim,
ainda vou aos ídolos, consulto os possessos e os bruxos, mas não deixo a Igreja
de Deus, porque sou católico". Estais unidos à Mãe, mas ofendeis o Pai.
Outro diz, pouco mais ou menos
assim: "Deus não o permita; não consulto os bruxos, nem interrogo os
possessos, não pratico adivinhações sacrílegas, não vou adorar os demónios, não
sirvo os deuses de pedra, mas sou do partido de Donato".
De que serve não ofender o
Pai se Ele vingará a Mãe a quem ofendeis?
E
S. Cipriano escrevia brevemente:
Não pode ter Deus como Pai, quem não tiver a
Igreja como Mãe.
Nestes
momentos, muitos negam-se a ouvir a verdadeira doutrina sobre a Santa Madre
Igreja.
Alguns
desejam reinventar a instituição, com a ideia louca de implantar no Corpo
Místico de Cristo uma democracia ao estilo daquela que se concebe na sociedade
civil, ou melhor dito, ao estilo da que se pretende promover: todos iguais em
tudo.
E
não se convencem de que a Igreja está constituída, por instituição divina, pelo
Papa, com os bispos, os presbíteros, os diáconos e os leigos. Foi assim que
Jesus a quis.
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A
Igreja é, por vontade divina, uma instituição hierárquica.
Sociedade hierarquicamente
organizada, assim lhe chama o Concílio Vaticano II, na qual os
ministros têm um poder sagrado.
A
hierarquia não só é compatível com a liberdade, mas está também ao serviço da
liberdade dos filhos de Deus.
O
termo democracia não tem sentido na Igreja que - insisto - é hierárquica por
vontade divina.
No
entanto, hierarquia significa governo santo e ordem sagrada, e de modo algum
arbitrariedade humana ou despotismo infra-humano. Nosso Senhor dispôs que
existisse na Igreja uma ordem hierárquica, que não há-de transformar-se em
tirania, porque a própria autoridade, bem como a obediência, é um serviço.
Na
Igreja há igualdade: uma vez baptizados, somos todos iguais, porque somos
filhos do mesmo Deus, Nosso Pai.
Como
cristãos, não há qualquer diferença entre o Papa e a última pessoa a
incorporar-se na Igreja.
Mas
esta igualdade radical não implica a possibilidade de mudar a constituição da
Igreja, naquilo que foi estabelecido por Cristo.
Por
expressa vontade divina temos uma diversidade de funções, que comporta também uma
capacidade diversa, um carácter indelével conferido pelo Sacramento da Ordem
para os ministros sagrados.
No
vértice dessa ordenação está o sucessor de Pedro e, com ele, e sob ele, todos
os bispos: com a sua tríplice missão de santificar, de governar e de ensinar.
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Permitam-me
que insista repetidamente: as verdades de fé e de moral não se determinam por
maioria de votos, porque compõem o depósito - depositum fidei - entregue por Cristo a todos os fiéis e confiado,
na sua exposição e ensino autorizado, ao Magistério da Igreja.
Seria
um erro pensar que, pelo facto de os homens já terem talvez adquirido mais
consciência dos laços de solidariedade que mutuamente os unem, se deva
modificar a constituição da Igreja, para a pôr de acordo com os tempos.
Os
tempos não são dos homens, quer sejam ou não eclesiásticos; os tempos são de
Deus, que é o Senhor da história.
E
a Igreja só poderá proporcionar a salvação às almas, se permanecer fiel a
Cristo na sua constituição, nos seus dogmas, na sua moral.
Rejeitemos,
portanto, o pensamento de que a Igreja - esquecendo-se do sermão da montanha -
procura a felicidade humana na terra, pois sabemos que a sua única tarefa
consiste em levar as almas à glória eterna do paraíso; rejeitemos qualquer
solução naturalista, que não valorize o papel primordial da graça divina;
rejeitemos as opiniões materialistas, que procuram tirar importância aos
valores espirituais na vida do homem; rejeitemos de igual modo as teorias
secularizantes, que pretendem identificar os fins da Igreja de Deus com os dos
estados terrenos: confundindo a essência, as instituições, a actividade, com
características similares às da sociedade temporal.
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O abismo da sabedoria de
Deus
Recordem
as considerações de São Paulo que acabamos de ler na Epístola:
Ó profundidade das riquezas
da sabedoria e da ciência de Deus; quão incompreensíveis são os Seus juízos, e
inesgotáveis os Seus caminhos! Porque, quem conheceu o pensamento do Senhor?
Ou quem foi o Seu
conselheiro?
Ou quem Lhe deu alguma coisa
primeiro, para que tenha de receber em troca?
Todas as coisas são d'Ele e
todas são por Ele, e todas existem n'Ele; a Ele seja dada glória por todos os
séculos dos séculos.
Amen.
À
luz da palavra de Deus, como se tornam tacanhos os desígnios humanos ao
procurarem alterar o que Nosso Senhor estabeleceu!
Não
devo, porém, ocultar-vos que agora se observa, por todo o lado, uma estranha
capacidade do homem: nada conseguindo contra Deus, enfurece-se contra os outros
sendo tremendo instrumento do mal, ocasião e indutor de pecado, semeador dum
tipo de confusão que conduz a que se cometam acções intrinsecamente más,
apresentando-as como boas.
Sempre
houve ignorância: mas, hoje em dia, a ignorância mais brutal em matérias de fé
e de moral disfarça-se, por vezes, com nomes pomposos aparentemente teológicos.
Por
isso, o mandato de Cristo aos Apóstolos - acabamos de ouvi-lo no Evangelho -
alcança uma premente actualidade: ide, pois, ensinai todas as gentes.
Não
podemos desinteressar-nos, não podemos cruzar os braços, não podemos fechar-nos
sobre nós mesmos.
Acorramos
a travar, por Deus, uma grande batalha de paz, de serenidade, de doutrina.
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Temos
de ser compreensivos, cobrir tudo com o manto afectuoso da caridade.
Uma
caridade que nos confirme na fé, aumente a nossa esperança e nos faça fortes,
para dizer bem alto que a Igreja não é essa imagem que alguns propõem.
A
Igreja é de Deus, e pretende um único fim: a salvação das almas. Aproximemo-nos
de Nosso Senhor, falemos com Ele na oração face a face, peçamos-Lhe perdão
pelas nossas misérias pessoais e reparemos pelos nossos pecados e pelos dos
outros homens que - neste clima de confusão - talvez não consigam descobrir a
gravidade com que estão a ofender a Deus.
Na
Santa Missa, neste Domingo, na renovação incruenta do sacrifício cruento do
Calvário, Jesus imolar-Se-á - Sacerdote e Vítima - pelos pecados dos homens.
Não
O deixemos só, que surja no nosso peito um desejo ardente de estar com Ele, ao
pé da Cruz; que aumente o nosso clamor ao Pai, Deus misericordioso, para que
volte a dar a paz ao mundo, a paz à Igreja, a paz às consciências!
Se
nos comportarmos assim, encontraremos - ao pé da Cruz - Maria Santíssima, Mãe
de Deus e nossa Mãe. Pela sua mão bendita, chegaremos a Jesus e, por Ele, ao
Pai, no Espírito Santo.
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Há
dias, ao celebrar a Santa Missa, detive-me um breve momento para considerar as
palavras de um salmo que a liturgia punha na antífona da Comunhão:
O Senhor é o meu pastor,
nada me poderá faltar.
Esta
invocação trouxe-me à memória os versículos de outro salmo, que se recitava na
cerimónia da Primeira Tonsura:
O Senhor é a parte da minha
herança.
O
próprio Cristo põe-se nas mãos dos sacerdotes, que se fazem assim dispensadores
dos mistérios - das maravilhas - do Senhor.
No
próximo Verão receberá as Sagradas Ordens meia centena de membros do Opus Dei.
Desde
1944 sucedem-se, como uma realidade de graça e de serviço à Igreja, estas
ordenações sacerdotais de alguns membros da Obra. Apesar disso, todos os anos
há gente que se espanta.
Como
é possível, interrogam-se, que trinta, quarenta, cinquenta homens, com uma vida
cheia de afirmações e de promessas, estejam dispostos a ser sacerdotes?
Queria
expor hoje algumas considerações, mesmo correndo o risco de aumentar nessas
pessoas os motivos de perplexidade.
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Porquê ser Sacerdote?
O
santo sacramento da Ordem Sacerdotal será ministrado a este grupo de membros da
Obra, que contam com uma valiosa experiência - talvez de muito tempo - como
médicos, advogados, engenheiros, arquitectos ou de outras diversíssimas
actividades profissionais.
São
homens que, como fruto do seu trabalho, estariam capacitados para aspirar Ia
postos mais ou menos relevantes na sua esfera social.
Vão
ordenar-se para servir.
Não
para mandar, não para brilhar, mas para se entregarem, num silêncio incessante
e divino ao serviço de todas as almas.
Quando
forem sacerdotes não se deixarão arrastar pela tentação de imitar as ocupações
e o trabalho, dos leigos, mesmo que se trate de tarefas que conheçam bem por as
terem realizado até agora, o que lhes conferiu uma mentalidade laical que não
perderão nunca.
A
sua competência nos diversos ramos do saber humano - da história, das ciências
naturais, da psicologia, do direito, da sociologia -, embora faça parte
necessariamente dessa mentalidade laical, não os levará a quererem
apresentar-se como sacerdotes-psicólogos, sacerdotes-biólogos ou
sacerdotes-sociólogos.
Receberam
o sacramento da Ordem para serem, nem mais nem menos, sacerdotes-sacerdotes,
sacerdotes cem por cento.
(cont)