Centenário das aparições da Santíssima
Virgem em Fátima
A voz dos poetas
Desterrado
parte o Menino,
e
chora;
disse-lhe
Sua Mãe assim,
e
chora.
Calai,
meu Senhor, agora.
Ouvi
prantos de amargura,
pobreza,
temor, tristura,
águas,
ventos, noite escura,
com
que vai Nossa Senhora,
e
chora;
calai,
meu Senhor, agora.
O
desterro que sofreis
é
a chave com que abris
ao
mundo que redimis,
a
cidade em que Deus mora
e
chora;
calai,
meu Senhor, agora.
Não
pode ficar nisto;
morrereis,
e não tão presto;
mas
a cruz do serás posto
me
trespassa desde agora,
e
chora;
calai,
meu Senhor, agora.
Calai-vos,
minha luz é aviso,
pois
que vosso Pai quis
que
sejais do paraíso
Flor
que nunca se desflora,
e
chora;
calai,
meu Senhor, agora.
Oh
grande Rei de minhas entranhas,
como
ides pelas montanhas,
fugindo
para terras estranhas
da
mão matadora!
e
chora;
calai,
meu Senhor, agora.
Vós
tomais esta viagem
por
guardar a homenagem
que
fizeste à linhagem
da
gente pecadora,
e
chora;
calai,
meu Senhor, agora.
Com
seu Filho já fugindo,
já
cansado, já temendo,
já
tremendo, já correndo
atrás
da fé, sua guia,
e
chora;
calai,
meu Senhor, agora.
Chora
o Menino do látego,
da
água e do desabrigo
com
a Mãe, que é testemunha,
nossa
luz que ilumina,
e
chora;
calai,
meu Senhor, agora.
Oh
os que vão caminhando,
temendo
e atrás mirando
se
os ia já alcançando
a
gente perseguidora!
E
chora;
calai,
meu Senhor, agora.
À
Virgem sem mancha
a
verde palma se humilha,
em
sinal de maravilha,
que
é do céu imperadora,
e
chora;
calai,
meu Senhor, agora.
Este
frio não Vos fatigue,
nem
Herodes, que vos persegue,
pelo
grande bem que se segue
desta
vida penosa,
e
chora;
calai,
meu Senhor, agora.
Pela
ira herodiana
que
sofreis, Filho, de gana,
dai
a glória soberana
ao
que tal desterro adora
e
chora;
calai,
meu Senhor, agora.
Estando
o Menino nos seus braços,
faixazinha
de retalhos,
desfizeram-se
em mil pedaços
os
ídolos a destempo
e
chora;
calai,
meu Senhor, agora.
¡Oh
se soubesses, Egipto,
quanto
já és bendito
pelo
tesouro infinito
que
hoje em ti se entesoura!
E
chora;
calai,
meu Senhor, agora.
Ambrósio
de Montesino (século XV), Cancionero.