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Leitura Espiritual
Cristo que passa |
São Josemaria Escrivá
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Cristo no cume das
actividades humanas
Isto é realizável, não é
um sonho inútil.
Se nós, homens, nos decidíssemos
a albergar nos nossos corações o amor de Deus!
Cristo, Senhor Nosso, foi
crucificado e, do alto da Cruz, redimiu o mundo, restabelecendo a paz entre
Deus e os homens. Jesus Cristo lembra a todos: et ego, si exaltatus fuero a terra, omnia traham ad meipsum, se vós
Me puserdes no cume de todas as actividades da Terra, cumprindo o dever de cada
momento, sendo meu testemunho naquilo que parece grande e naquilo que parece
pequeno, omnia traham ad meipsum,
tudo atrairei a Mim.
O meu reino entre vós será
uma realidade!
Cristo, Nosso Senhor,
continua empenhado nesta sementeira de salvação dos homens e de toda a Criação,
deste nosso mundo, que é bom, porque saiu bom das mãos de Deus.
Foi a ofensa de Adão, o
pecado do orgulho humano, que quebrou a harmonia divina da criação.
Mas Deus Pai, quando,
chegou a plenitude dos tempos, enviou o seu Filho Unigénito, que por obra do
Espírito Santo encarnou em Maria sempre Virgem, para restabelecer a paz; para
que, redimindo o homem do pecado, adoptionem
filiorum reciperemus fôssemos constituídos filhos de Deus, capazes de
participar na intimidade divina, e assim fosse concedido a este homem novo, a
esta nova estirpe dos filhos de Deus a libertação de todo o universo da
desordem, restaurando todas as coisas em Cristo, que as reconciliou com Deus.
A isto fomos chamados,
nós, os cristãos; esta é a nossa tarefa apostólica e a ânsia que nos deve
queimar a alma: conseguir que seja realidade o reino de Cristo, que não haja
mais ódios nem mais crueldades, que difundamos na Terra o bálsamo forte e
pacífico do amor. Peçamos hoje ao nosso Rei que nos faça colaborar humilde e
fervorosamente no divino propósito de unir o que está quebrado, de salvar o que
está perdido, de ordenar o que o homem desordenou, de levar ao seu fim aquilo
que se desencaminha, de reconstruir a concórdia de tudo o que foi criado.
Abraçar a fé cristã é
comprometer-se a continuar entre as criaturas a missão de Jesus.
Temos de ser, cada um de
nós, altar Christus, ipse Christus,
outro Cristo, o próprio Cristo.
Só assim poderemos
realizar esse empreendimento grande, imenso, interminável: santificar a partir
de dentro todas as estruturas temporais, levando até elas o fermento da
Redenção.
Nunca falo de política.
Não penso na tarefa dos
cristãos na terra como o nascer duma corrente político-religiosa - seria uma
loucura - nem mesmo com o bom propósito de difundir o espírito de Cristo em
todas as actividades dos homens.
O que é preciso pôr em
Deus é o coração de cada um, seja ele quem for.
Procuremos falar a todos
os cristãos, para que no lugar onde estiverem - em circunstâncias que não
dependem apenas da sua posição na Igreja ou na vida civil, mas do resultado das
mutáveis situações históricas - saibam dar testemunho, com o exemplo e com a
palavra, da fé que professam.
O cristão vive no mundo
com pleno direito, por ser homem.
Se aceita que no seu
coração habite Cristo, que reine Cristo, em todo o seu trabalho humano
encontrará - bem forte - a eficácia Senhor.
Não tem qualquer
importância que essa ocupação seja, como costuma dizer-se, alta ou baixa,
porque um máximo humano pode ser, aos olhos de Deus, uma baixeza, e o que
chamamos baixo ou modesto pode ser um máximo cristão de santidade e de serviço.
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A liberdade pessoal
O cristão, quando trabalha,
como é sua obrigação, não deve marginar nem iludir as exigências próprias do
que é natural.
Se com a expressão
abençoar as actividades humanas se entendesse anular ou escamotear a sua
dinâmica própria, negar-me-ia a usar essas palavras.
Pessoalmente, nunca me
consegui convencer que as actividades correntes dos homens precisassem de
ostentar, como um letreiro postiço, um qualificativo confessional, porque me
parece, embora respeite a opinião contrária, que se corre o perigo de usar em
vão o santo nome da nossa fé e, além disso, porque em certas ocasiões, a
etiqueta católica se utilizou até para justificar atitudes e actuações que não
são às vezes sequer honradamente humanas.
Se o mundo e tudo o que
nele há - menos o pecado - é bom, porque é obra de Deus Nosso Senhor, o
cristão, lutando continuamente por evitar as ofensas a Deus - uma luta positiva
de amor - há-de dedicar-se a tudo aquilo que é terreno, ombro a ombro com os
outros cidadãos, e tem obrigação de defender todos os bens derivados da dignidade
da pessoa.
Existe um bem que deverá
sempre procurar dum modo especial - o da liberdade pessoal.
Só se defende a liberdade
individual dos outros com a correspondente responsabilidade pessoal, poderá,
com honradez humana e cristã, defender da mesma maneira a sua.
Repito e repetirei sem
cessar que o Senhor nos deu gratuitamente uma grande dádiva sobrenatural, a
graça divina, e outra maravilhosa dádiva humana, a liberdade pessoal, que exige
de nós - para que não se corrompa, convertendo-se em libertinagem -
integridade, empenho sério por desenvolver a nossa conduta dentro da lei
divina, porque onde está o Espírito de Deus, aí há liberdade.
O Reino de Cristo é de
liberdade: nele não existem outros servos além daqueles que livremente se
deixaram prender por Amor a Deus. Bendita escravidão de amor, que nos faz
livres!
Sem liberdade, não podemos
corresponder à graça; sem liberdade, não podemos entregar-nos livremente ao
Senhor pela razão mais sobrenatural: porque nos apetece.
Alguns daqueles que me
escutam já me conhecem há muitos anos. Podeis testemunhar que durante toda a
minha vida preguei a liberdade pessoal, com pessoal responsabilidade.
Procurei-a e procuro-a,
por toda a terra, como Diógenes procurava um homem.
E amo-a cada vez mais,
amo-a sobre todas as coisas terrenas: é um tesoiro que nunca saberemos apreciar
suficientemente.
Quando falo de liberdade
pessoal, não me refiro com esta desculpa a outros problemas talvez muito
legítimos, que não correspondem ao meu ofício de sacerdote.
Sei que não me corresponde
tratar de temas seculares e transitórios, que pertencem à esfera do temporal e
civil, matérias que o Senhor deixou à livre e serena controvérsia dos homens.
Sei também que os lábios
do sacerdote, evitando a todo o transe parcialidades humanas, hão-de abrir-se
apenas para conduzir as almas a Deus, à sua doutrina espiritual salvadora, aos
sacramentos que Jesus Cristo instituiu, à vida interior que nos aproxima do
Senhor por nos sabermos seus filhos e, portanto, irmãos de todos os homens sem
excepção.
Celebramos hoje a festa de
Cristo Rei.
E não saio do meu ofício
de sacerdote quando digo que, se alguma pessoa entendesse o reino de Cristo
como um programa político, não teria aprofundado como devia na finalidade da Fé
e estaria a um passo de sobrecarregar as consciências com pesos que não são os
de Jesus porque o seu jugo é suave e o seu peso é leve.
Amemos de verdade todos os
homens, amemos a Cristo acima de tudo e então não teremos outro remédio senão
amar a legítima liberdade dos outros, numa pacífica e justa convivência.
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Serenos, filhos de Deus
Talvez me façais a
seguinte sugestão: mas poucos querem ouvir isto e, menos ainda, pô-lo em
prática.
Consta-me que a liberdade
é uma planta forte e sã, que se aclimata mal entre as pedras, espinhos ou nos
caminhos calcados pelas pessoas. Isto já nos tinha sido anunciado, mesmo antes
de Cristo vir à terra.
Recordai o Salmo número
dois: porque razão se amotinam as nações e os povos maquinam planos vãos?
Os reis da terra
sublevam-se e os príncipes coligam-se contra o Senhor e contra o seu Messias.
Vedes?
Nada de novo.
Opunham-se a Cristo antes
de que este nascesse; opuseram-se-lhe enquanto os seus pés pacíficos percorriam
os caminhos da Palestina; perseguiram-nO depois e agora, atacando os membros do
seu Corpo Místico e real.
Porquê tanto ódio, porquê
este encarniçar-se contra a cândida simplicidade, porquê este universal
esmagamento da liberdade de cada consciência?
Quebremos as suas cadeias,
e sacudamos de nós o seu jugo.
Quebram o jugo suave,
lançam fora a sua carga, maravilhosa carga de santidade e de justiça, de graça,
de amor e de paz.
Enfurecem-se perante o
amor, riem-se da bondade inerme dum Deus que renuncia ao uso das suas legiões
de anjos para se defender.
Se o Senhor admitisse um
arranjo, se sacrificasse uns poucos de inocentes para satisfazer a maioria de
culpados, ainda poderiam tentar algum entendimento com Ele.
Mas não é esta a lógica de
Deus.
O nosso Pai é
verdadeiramente pai, e está disposto a perdoar a inumeráveis fautores do mal,
contanto que haja só dez justos.
Os que se movem pelo ódio,
não podem entender esta misericórdia, e afincam-se na sua aparente impunidade
terrena, alimentando-se da injustiça.
Aquele que habita nos céus
ri-se, o Senhor zomba eles.
Ele lhes fala então na sua
ira, e os aterroriza no seu furor. Que legítima é a ira de Deus e que justo o
seu furor!
E que grande também a sua
clemência!
Eu, porém, fui por Ele
constituído Rei sobre Sião, seu monte santo, para anunciar os seus preceitos.
O Senhor disse-me: Tu és
meu filho, eu gerei-te hoje.
A misericórdia de Deus Pai
deu-nos como Rei o seu Filho. Quando ameaça, enternece-Se; anuncia a sua ira e
entrega-nos o seu amor. Tu és meu filho: dirige-se a Cristo e dirige-se a ti e
a mim, se nos decidimos a ser alter
Christus, ipse Christus.
As palavras não podem
seguir o coração, que se emociona diante da bondade de Deus: tu és meu filho.
Não um estranho, não um
servo benevolamente tratado, não um amigo, que já seria muito.
Filho!
Concede-nos via livre para
que vivamos com Ele a piedade do filho e, atrever-me-ia a afirmar, também a
desvergonha do filho dum Pai que é incapaz de lhe negar o que quer que seja.
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Que há muita gente
empenhada em comportar-se com injustiça? Sim, mas o Senhor insiste: pede-me, e
eu te darei as nações em herança, e os teus domínios irão até aos confins da
Terra.
Tu os governarás com vara
de ferro, e quebrá-los-ás qual vaso de oleiro.
São promessas fortes e são
de Deus.
Por isso, não podemos
dissimulá-las.
Não é em vão que Cristo é
o Redentor do mundo, e reina, soberano, à direita do Pai.
É o terrível anúncio
daquilo que espera a cada um de nós, quando a vida passar - porque passa - e a
todos, quando a história acabar, se o coração se endurece no mal e na desesperança.
Contudo, Deus, que sempre
pode vencer, prefere convencer: E agora, ó reis, atendei: instruí-vos, vós que
governais a Terra.
Servi ao Senhor com temor,
e louvai-o com alegria; com tremor, prestai-lhe vassalagem, para que não Se
ire, e não pereçais fora do caminho, quando daqui a pouco se incendiar a sua
indignação. Cristo é o Senhor, o Rei.
E nós vos anunciamos que
aquela promessa, que foi feita a nossos pais, Deus a cumpriu para nossos
filhos, ressuscitando Jesus, como também está escrito no salmo segundo: Tu és
meu Filho, eu te gerei hoje...
Seja-vos, pois, notório,
homens, irmãos, que por Ele vos é anunciada a remissão dos pecados e de tudo
aquilo de que não pudestes ser justificados pela lei de Moisés.
Por Ele é justificado todo
aquele que crê. Tomai pois cuidado que não venha sobre vós o que foi fito pelos
profetas: Vede, ó despertadores, e admirai-vos e desaparecei, que eu faço uma
obra em vossos dias, uma obra que vós não crereis, se alguém vo-la contar.
É a obra da salvação, o
reinado de Cristo nas almas, a manifestação da misericórdia de Deus.
Bem-aventurados todos os
que confiam n'Ele!
Nós, cristãos, temos
direito a enaltecer a realeza de Cristo, porque, ainda que a injustiça abunde,
ainda que muitos não desejem este reinado de amor, na própria história humana
que é o cenário do mal, vai-se tecendo a obra da salvação eterna.
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Anjos de Deus
Ego cogito cogitationes pacis, et non afilictionis, eu tenho pensamentos de
paz e não de tristeza, diz o Senhor.
Sejamos homens de paz,
homens de justiça, fazedores do bem, e o Senhor não será para nós juiz, mas
amigo, irmão.
Que neste caminhar -
alegre! - pela Terra, nos acompanhem os anjos de Deus.
Antes do nascimento do
nosso Redentor - escreve São Gregório Magno - tínhamos perdido a amizade dos
Anjos.
O pecado original e os
nossos pecados quotidianos tinham-se afastado da sua luminosa pureza...
Mas desde o momento que
nós reconhecemos o nosso Rei, os anjos reconheceram-nos como concidadãos.
E como o Rei dos Céus quis
tornar a nossa carne terrena, os Anjos já não se afastam da nossa miséria.
Não se atrevem a
considerar inferior à sua esta natureza que adoram, vendo-a exaltada, acima
deles, na pessoa do Rei do Céu; e não sentem já inconveniente em considerar o
homem como companheiro.
Maria, a Mãe santa do
nosso Rei, a Rainha do nosso coração, cuida de nós como só Ela sabe fazê-lo.
Mãe compassiva, trono da
graça, pedimos-te que saibamos compor na nossa vida e na vida dos que nos
rodeiam, verso a verso, o poema simples da caridade, quasi fluvium pacis, como um rio de paz.
Porque tu és mar de
inesgotável misericórdia: os rios vão dar todos ao mar e o mar não se enche.