EXORTAÇÃO APOSTÓLICA PÓS-SINODAL
AMORIS LÆTITIA
DO SANTO PADRE
FRANCISCO
AOS BISPOS AOS PRESBÍTEROS E AOS DIÁCONOS
ÀS PESSOAS CONSAGRADAS AOS ESPOSOS CRISTÃOS E A TODOS
OS FIÉIS LEIGOS SOBRE O AMOR NA FAMÍLIA
CAPÍTULO VII
REFORÇAR A EDUCAÇÃO DOS FILHOS.
Transmitir a fé.
A educação dos filhos deve
estar marcada por um percurso de transmissão da fé, que se vê dificultado pelo
estilo de vida actual, pelos horários de trabalho, pela complexidade do mundo actual,
onde muitos têm um ritmo frenético para poder sobreviver.
Apesar disso, a família
deve continuar a ser lugar onde se ensina a perceber as razões e a beleza da
fé, a rezar e a servir o próximo. Isto começa no baptismo, onde – como dizia
Santo Agostinho – as mães que levam os seus filhos «cooperam no parto santo».
Depois tem início o
percurso de crescimento desta vida nova. A fé é dom de Deus, recebido no
baptismo, e não o resultado duma acção humana; mas os pais são instrumentos de
Deus para a sua maturação e desenvolvimento. Por isso, «é bonito quando as mães
ensinam os filhos pequenos a enviar um beijo a Jesus ou a Nossa Senhora. Quanta
ternura há nisto! Naquele momento, o coração das crianças transforma-se em
lugar de oração».
A transmissão da fé
pressupõe que os pais vivam a experiência real de confiar em Deus, de O
procurar, de precisar d’Ele, porque só assim «cada geração contará à seguinte o
louvor das obras [de Deus] e todos proclamarão as [Suas] proezas» [i] e «o pai dará a conhecer aos seus filhos a [Sua]
fidelidade»[ii].
Isto requer que imploremos
a acção de Deus nos corações, aonde não podemos chegar. O grão de mostarda,
semente tão pequenina, transforma-se num [iii] grande arbusto, [iv] e, deste modo, reconhecemos a desproporção entre a
acção e o seu efeito. Sabemos, assim, que não somos proprietários do dom, mas
seus solícitos administradores. Entretanto o nosso esforço criativo é uma oferta
que nos permite colaborar com a iniciativa divina. Por isso, «tenha-se o
cuidado de valorizar os casais, as mães e os pais, como sujeitos activos da
catequese (...).
De grande ajuda é a
catequese familiar, enquanto método eficaz para formar os pais jovens e
torná-los conscientes da sua missão como evangelizadores da sua própria
família».
A educação na fé sabe
adaptar-se a cada filho, porque os recursos aprendidos ou as receitas às vezes
não funcionam. As crianças precisam de símbolos, gestos, narrações. Os
adolescentes habitualmente entram em crise com a autoridade e com as normas,
pelo que é conveniente estimular as suas experiências pessoais de fé e
oferecer-lhes testemunhos luminosos que se imponham simplesmente pela sua
beleza. Os pais, que querem acompanhar a fé dos seus filhos, estão atentos às
suas mudanças, porque sabem que a experiência espiritual não se impõe, mas
propõe-se à sua liberdade. É fundamental que os filhos vejam de maneira
concreta que, para os seus pais, a oração é realmente importante. Por isso, os
momentos de oração em família e as expressões da piedade popular podem ter mais
força evangelizadora do que todas as catequeses e todos os discursos. Quero
exprimir a minha gratidão de forma especial a todas as mães que rezam
incessantemente, como fazia Santa Mónica, pelos filhos que se afastaram de
Cristo.[v]
O exercício de transmitir aos filhos a fé, no
sentido de facilitar a sua expressão e crescimento, permite que a família se
torne evangelizadora e, espontaneamente, comece a transmiti-la a todos os que
se aproximam dela e mesmo fora do próprio ambiente familiar. Os filhos que
crescem em famílias missionárias, frequentemente tornam-se missionários, se os
pais sabem viver esta tarefa duma maneira tal que os outros os sintam vizinhos
e amigos, de tal modo que os filhos cresçam neste estilo de relação com o
mundo, sem renunciar à sua fé nem às suas convicções. Lembremo-nos que o
próprio Jesus comia e bebia com os pecadores[vi], podia deter-se a conversar com a Samaritana)[vii] e receber de noite Nicodemos[viii], deixava ungir os seus pés por uma mulher prostituta [ix] e não hesitava em tocar os doentes[x].
E o mesmo faziam os seus
apóstolos, que não eram pessoas desprezadoras dos outros, fechadas em pequenos
grupos de eleitos, isoladas da vida do seu povo. Enquanto as autoridades os
perseguiam, eles gozavam da simpatia de todo o povo[xi].
«A família torna-se
sujeito da acção pastoral, através do anúncio explícito do Evangelho e do
legado de múltiplas formas de testemunho, nomeadamente a solidariedade com os pobres,
a abertura à diversidade das pessoas, a salvaguarda da criação, a solidariedade
moral e material para com as outras famílias, especialmente para com as mais
necessitadas, o empenho na promoção do bem comum, inclusive através da
transformação das estruturas sociais injustas, a partir do território onde vive
a família, praticando as obras corporais e espirituais de misericórdia».
Isto deve ser feito no
contexto da convicção mais preciosa dos cristãos: o amor do Pai que nos
sustenta e faz crescer, manifestado no dom total de Jesus Cristo, vivo no meio
de nós, que nos torna capazes de enfrentar, unidos, todas as tempestades e todas
as etapas da vida. E, no coração de cada família, deve ressoar também o
querigma, a tempo e fora de tempo, para iluminar o caminho. Todos deveríamos
poder dizer, a partir da vivência nas nossas famílias: «Nós conhecemos o amor
que Deus nos tem, pois cremos nele»[xii].
Só a partir desta
experiência é que a pastoral familiar poderá conseguir que as famílias sejam
simultaneamente igrejas domésticas e fermento evangelizador na sociedade.
CAPÍTULO VIII
ACOMPANHAR, DISCERNIR E INTEGRAR A FRAGILIDADE.
Os Padres sinodais
afirmaram que, embora a Igreja reconheça que toda a ruptura do vínculo
matrimonial « é contra a vontade de Deus, está consciente também da fragilidade
de muitos dos seus filhos».
Iluminada pelo olhar de
Cristo, a Igreja «dirige-se com amor àqueles que participam na sua vida de modo
incompleto, reconhecendo que a graça de Deus também actua nas suas vidas,
dando-lhes a coragem para fazer o bem, cuidar com amor um do outro e estar ao
serviço da comunidade onde vivem e trabalham».
Aliás esta atitude vê-se
corroborada no contexto de um Ano Jubilar dedicado à misericórdia. Embora não
cesse jamais de propor a perfeição e convidar a uma resposta mais plena a Deus,
«a Igreja deve acompanhar, com atenção e solicitude, os seus filhos mais
frágeis, marcados pelo amor ferido e extraviado, dando-lhes de novo confiança e
esperança, como a luz do farol dum porto ou duma tocha acesa no meio do povo
para iluminar aqueles que perderam a rota, ou estão no meio da tempestade»[xiii]
Não esqueçamos que, muitas
vezes, o trabalho da Igreja é semelhante ao de um hospital de campanha.
O matrimónio cristão,
reflexo da união entre Cristo e a sua Igreja, realiza-se plenamente na união
entre um homem e uma mulher, que se doam reciprocamente com um amor exclusivo e
livre fidelidade, se pertencem até à morte e abrem à transmissão da vida,
consagrados pelo sacramento que lhes confere a graça para se constituírem como
igreja doméstica e serem fermento de vida nova para a sociedade.
Algumas formas de união
contradizem radicalmente este ideal, enquanto outras o realizam pelo menos de
forma parcial e analógica.
Os Padres sinodais
afirmaram que a Igreja não deixa de valorizar os elementos construtivos nas
situações que ainda não correspondem ou já não correspondem à sua doutrina
sobre o matrimónio.
(cont)
(revisão da versão
portuguesa por AMA)
[iii] Cf. Relatio Finalis
2015, 13-14. 307
De sancta virginitate, 7, 7: PL 40, 400. 308 Francisco, Catequese (26 de Agosto
de 2015): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 27/VIII/2015), 12.
[v] Relatio Finalis
2015, 89.
[vi] (cf.
Mc 2, 16; Mt 11, 19)
[x] (cf. Mc 1, 40-45;
7, 33)
[xi] (cf. At 2, 47; 4,
21.33; 5, 13)
[xiii] Relatio Synodi 2014,
24. 312 Ibid., 25