17/08/2014

Dilata o teu coração

Não tenhas espírito provinciano. – Dilata o teu coração, até que seja universal, "católico". Não voes como ave de capoeira, quando podes subir como as águias. (Caminho, 7)

Em certa ocasião, vi uma águia encerrada numa jaula de ferro. Estava suja e meia depenada. Tinha entre as garras um pedaço de carne podre. Pensei então no que seria de mim se abandonasse a vocação recebida de Deus. Tive pena daquele animal solitário, enjaulado, que tinha nascido para subir muito alto e olhar de frente o Sol. Podemos ascender até às humildes alturas do amor de Deus, do serviço a todos os homens. Para isso, porém, é preciso que não haja na alma recantos escondidos, onde não possa entrar o sol de Jesus Cristo. Temos de deitar fora todas as preocupações que nos afastem d'Ele; e assim terás Cristo na tua inteligência, Cristo nos teus lábios, Cristo no teu coração, Cristo nas tuas obras. Toda a vida – o coração e as obras, a inteligência e as palavras – cheia de Deus. (...)


Invoca comigo Nossa Senhora, e imagina como passaria Ela aqueles meses à espera do Filho que havia de nascer. E Nossa Senhora, Santa Maria, fará com que sejas alter Christus, ipse Christus, outro Cristo, o próprio Cristo. (Cristo que passa, 11)

Temas para meditar 208



Generosidade



Actua em favor de outra pessoa desinteressadamente e com alegria, tendo em conta a utilidade e a necessidade de ajuda para essas pessoas ainda que lhe custe esforço.


Definição de generosidade

Tratado da lei 87

Questão 108: Do conteúdo da lei nova.

Em seguida devemos tratar do conteúdo da lei nova.

E nesta questão discutem-se quatro artigos:

Art. 1 — Se a lei nova devia ordenar ou proibir certos actos externos.
Art. 2 — Se a lei nova ordenou suficientemente os actos externos.
Art. 3 — Se a lei nova ordenou suficientemente os actos internos do homem.
Art. 4 — Se a lei nova propôs convenientemente conselhos certos e determinados.

Art. 1 — Se a lei nova devia ordenar ou proibir certos actos externos.

(Quodl. IV, q. 8, a. 2; Ad Rom., cap. III, lect. IV)

O primeiro discute-se assim. — Parece que a lei nova não devia ordenar nem proibir certos actos externos.

1. — Pois, a lei nova é o Evangelho do reino celeste, conforme a Escritura (Mt 24, 14): Serás pregado este Evangelho do reino por todo o mundo. Ora, o reino de Deus não consiste em actos externos, senão só em internos, conforme a Escritura (Lc 17, 21): Está o reino de Deus dentro de vós; e (Rm 14, 17): O reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça e paz e gozo no Espírito Santo. Logo, a lei nova não devia ordenar nem proibir qualquer acto externo.

2. Demais. — A lei nova é a lei do Espírito, como diz a Escritura (Rm 8, 2), onde há o Espírito do Senhor, aí há liberdade, como diz o Apóstolo (2 Cor 3, 17). Logo, não há liberdade, quando o homem é obrigado a fazer ou a evitar certos actos externos. Logo, a lei nova não contem nenhum preceito ou proibição sobre actos externos.

3. Demais. — Todos os actos externos dependem das mãos, como os internos, da alma. Ora, a diferença entre a lei nova e a antiga é que esta coibia as mãos, e aquela coíbe a alma. Logo, a lei nova não devia estabelecer proibições e preceitos sobre os actos externos, mas somente sobre os internos.

Mas, em contrário, pela lei nova os homens tornam-se filhos da luz; e por isso diz a Escritura (Jo 12, 36): Crede na luz, para que sejais filhos da luz. Ora, os filhos da luz devem fazer as obras da luz e não as das trevas, conforme o Apóstolo (Ef 5, 8): Noutro tempo éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor; andai como filhos da luz. Logo, a lei nova devia proibir certas obras externas e ordenar outras.

Como já dissemos (q. 106, a. 1, 2), o que há de principal na lei nova é a graça do Espírito Santo, que se manifesta na fé que obra por caridade. E esta graça os homens conseguem-a pela mediação do Filho de Deus humanado, cuja humanidade foi primeiro, cheia de graça, que, depois, se nos comunicou. Por isso, diz a Escritura (Jo 1, 14): O verbo se fez carne; e em seguida: Cheio de graça e de verdade; e em seguida: E todos nós participamos da sua plenitude, e graça por graça. E por isso acrescenta: a graça e a verdade foi trazida por Jesus Cristo. Donde, convém que, por certos meios sensíveis externos, a graça que promana do Verbo encarnado chegue até nós; e que a graça interior, que torna a carne sujeita ao espírito, produza certas obras sensíveis externas.

Assim pois os actos externos podem de dois modos pertencer à graça — Primeiro, por levarem de certo modo a ela. E tal é a acção dos sacramentos instituídos pela lei nova, como, o baptismo, a Eucaristia e outros. — De outro modo, há actos externos produzidos por inspiração da graça. Mas aqui devemos fazer uma distinção. Certos actos externos têm conveniência ou contrariedade necessária com a graça interior, consistente na fé que obra por caridade. E esses actos são ordenados ou proibidos pela lei nova; assim ela ordena a confissão da fé e proíbe a negação. Por isso a Escritura diz (Mt 10, 32-33): Todo aquele que me confessar diante dos homens, também eu o confessarei diante de meu Pai; e o que me negar diante dos homens, também eu o negarei diante de meu Pai. Há outros actos porém que não têm contrariedade ou conveniência necessária com a fé que obra por caridade. E, esses, a lei nova não os ordenou nem os proibiu na sua instituição primitiva, mas foi deixado pelo legislador, i. é, por Cristo, ao arbítrio de cada um determinar como deve proceder em relação a eles. Assim, cada qual é livre, relativamente a esses actos, de determinar o que lhe convém fazer ou evitar; e o mesmo deve ordenar aos seus súditos o chefe, determinando o que, em tal caso, deve ser feito ou evitado. Por isso, neste ponto, a lei do Evangelho é chamada lei da liberdade; porque a lei antiga fazia muitas determinações e pouco deixava para ser determinado pela liberdade humana.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O reino de Deus consiste principalmente nos actos internos; por consequência, também pertence ao reino de Deus tudo aquilo sem o que esses actos não podem ser praticados. Assim se o reino de Deus consiste na justiça interior e na paz e alegria espiritual, necessariamente todos os actos exteriores, que repugnam à justiça, à paz ou à alegria espiritual repugnam também ao reino de Deus, e portanto devem ser proibidas pelo Evangelho desse reino. O reino de Deus, ao contrário, não consiste no que é indiferente à vida interior, como, p. ex., comer tais comidas ou tais outras. Por isso o Apóstolo disse antes: reino de Deus não é comida nem bebida.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Segundo o Filósofo, é livre quem é causa de seus actos. Logo, pratica um acto livremente quem de si mesmo o faz. Ora, o que o homem pratica por um hábito conveniente à sua natureza, por si mesmo o pratica; porque o hábito inclina ao que é conforme à natureza. Se pois o hábito fosse repugnante á natureza, o homem não agiria por si mesmo, mas levado por uma corrupção sobreveniente. Ora, a graça do Espírito Santo é como um hábito interior infuso em nós, que nos inclina a agir rectamente. Logo faz-nos praticar livremente o que convém à graça e evitar o que lhe repugna. — Assim pois, a lei nova se chama lei da liberdade, em dois sentidos. Primeiro, por não nos obrigar a fazer nem a evitar nada, senão o em si mesmo necessário, ou contrário à salvação; e isso entra na ordenação ou na proibição da lei. Em segundo sentido, porque essas ordenações ou proibições ela nos faz cumpri-las livremente, enquanto as cumprimos por inspiração interna da graça. E por estas duas razões a lei nova é chamada lei da perfeita liberdade.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A lei nova, proibindo os movimentos desordenados da alma, também havia necessariamente de coibir os actos desordenados das mãos, efeitos dos actos internos.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Evang.; Coment.; Leit. Esp. (Magistério - Ratzinguer)

Tempo comum XX Semana

Evangelho: Mt 15, 21-28

21 Partindo dali, Jesus retirou-Se para a região de Tiro e de Sidónia. 22 E eis que uma mulher cananeia, que viera daqueles arredores, gritou: «Senhor, Filho de David, tem piedade de mim! Minha filha está cruelmente atormentada pelo demónio». 23 Ele, porém, não lhe respondeu palavra. Aproximando-se Seus discípulos, pediram-Lhe: «Despede-a, porque vem gritando atrás de nós». 24 Ele respondeu: «Eu não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel». 25 Ela, porém, veio e prostrou-se diante d'Ele, dizendo: «Senhor, valei-me». 26 Ele respondeu: «Não é bom tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos cães». 27 Ela replicou: «Assim é, Senhor, mas também os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus donos». 28 Então Jesus disse-lhe: «Ó mulher, grande é a tua fé! Seja-te feito como queres». E, desde aquela hora, a sua filha ficou curada.

Comentário:

A humildade pessoal vence sempre o Coração de Jesus!

Como neste caso: longe de argumentar contra a “classificação” que os judeus atribuíam aos Cananeus, a mulher como que “faz ver” a Cristo que a sua condição não a inibe de esperar ser atendida por aquele que, sem dúvida alguma, considera seu “dono”.

O resultado: um dos elogios mais veementes do Jesus Cristo e, claro, a obtenção do que Lhe pede.

(ama, comentário sobre Mt 15, 21-28, 2014.05.26)

Leitura espiritual



Magistério

cardeal joseph ratzinger

Algumas perguntas pessoais

…/9

 Igreja da Cruz.

Jesus fracassou?

Com certeza, não teve sucesso no sentido em que o tiveram César ou Alexandre Magno. De um ponto de vista puramente terreno, inicialmente pareceu que tinha fracassado: morreu, foi abandonado por quase todos e condenado pelas suas palavras. A resposta do povo à sua mensagem não foi adesão, mas crucifixão. Diante de um final assim, teremos de reconhecer que "sucesso" não é um dos nomes de Deus e que não é cristão basear-se em sucessos externos ou em números.
Os caminhos de Deus são diferentes dos nossos: o seu sucesso vem pela Cruz e está sempre sob esse sinal.

Se dirigirmos o olhar para trás e observarmos a História, teremos de dizer que o que nos impressiona não é a Igreja daqueles que tiveram sucesso: a Igreja dos Papas senhores do mundo [com poder temporal] ou a Igreja daqueles que tiveram de enfrentar o mundo. A Igreja que nos impressiona e que nos leva a crer é a Igreja dos sofredores, a Igreja que perseverou com fortaleza e nos dá esperança. Ainda hoje essa Igreja é o sinal de que Deus existe e de que o homem não é só um fracasso, mas pode ser salvo


[i].

Poder e amor.

A teologia do pequeno [dos humildes] é uma categoria fundamental do ser cristão. Segundo a nossa fé, a grandeza especial de Deus manifesta-se precisamente na ausência de poder. Isto pressupõe que, a longo prazo, a força da História se encontra precisamente nas pessoas que amam, numa força, portanto, que não se pode medir de acordo com categorias de poder. Assim, Deus revelou-se deliberadamente, para mostrar quem Ele é, na impotência de Nazaré e do Gólgota. O maior não é, pois, aquele que mais pode destruir -para o mundo, o potencial de destruição é ainda a verdadeira demonstração de poder -; pelo contrário, a menor força de amor já é maior do que o maior potencial de destruição [ii].


Fé e razão

Fé e filosofia.

A fé precisa realmente da filosofia, ou a fé - que, em palavras de Santo Ambrósio, foi confiada a pescadores e não a dialéticos - é completamente independente da existência ou inexistência de uma filosofia aberta em relação a ela?

Se se contempla a filosofia apenas como uma disciplina académica entre outras, então a fé é de facto independente dela. Mas o Papa [João Paulo II] entende a filosofia num sentido muito mais amplo e mais conforme com a sua origem. A filosofia pergunta-se se o homem pode conhecer a verdade, as verdades fundamentais sobre si mesmo, sobre a sua origem e o seu futuro, ou se vive numa penumbra que não é possível esclarecer e tem de recluir-se, em última análise, no âmbito da utilidade.

A característica própria da fé cristã no mundo das religiões é que afirma dizer-nos a verdade sobre Deus, o mundo e o homem, e que pretende ser a religio vera, a religião da verdade. [...]
Mas isto significa o seguinte: a questão da verdade é a questão essencial da fé cristã, e, neste sentido, a fé tem inevitavelmente a ver com a filosofia [iii].

Razão e questões últimas.

Queria concluir com a menção de um comentário à Encíclica [Fides et ratio] [iv] publicado no semanário alemão Die Zeit, cuja tendência é antes distanciar-se das posições da Igreja. O comentarista Jan Ross sintetiza com muita precisão o núcleo da Encíclica ao dizer que a destituição da teologia e da metafísica "não somente tornou o pensamento mais livre, mas também mais estreito".

Sim, Ross não receia falar de um "embrutecimento por descrença". "Quando a razão se afastou das questões últimas, tornou-se apática e entediante, deixou de ser capaz de lidar com os enigmas vitais do bem e do mal, da morte e da imortalidade".

A voz do Papa [João Paulo II] deu ânimo "a muitos homens e a povos inteiros; também soou dura e cortante aos ouvidos de muitos, e até suscitou ódio, mas, se emudecer, far-se-á um terrível silêncio".

Com efeito, se se deixa de falar de Deus e do homem, do pecado e da graça, da morte e da vida eterna, todo o grito e todo o ruído que houver será apenas uma tentativa inútil de fazer esquecer o emudecimento daquilo que é próprio do ser humano [v].

Dúvidas de fé.

Os católicos podem ter dúvidas, ou são hipócritas e hereges quando as têm? O que parece estranho nos cristãos é que façam uma distinção entre verdade religiosa e verdade científica. Ocupam-se de Darwin e vão à igreja. É possível tal separação? Só pode haver uma verdade. Ou o mundo foi realmente criado em seis dias ou se desenvolveu em milhões de anos.
Num mundo tão confuso como o nosso, a dúvida voltará sempre, inevitavelmente, a invadir cada pessoa. A dúvida não tem de estar automaticamente ligada a uma negação da fé. Posso confrontar-me seriamente com as questões que me inquietam, e ao mesmo tempo confiar em Deus, no núcleo essencial da fé. Por um lado, posso tentar resolver as contradições aparentes, mas, por outro, apesar de não poder encontrar soluções para tudo, posso confiar em que se venha a resolver o que não é possível solucionar agora.
Também na história da teologia volta sempre a haver questões que, de momento, não podem ser resolvidas, mas que não se devem pôr de parte com interpretações forçadas.

Também faz parte da fé a paciência do tempo. O tema a que acabou de referir-se - Darwin, a Criação, a teoria da evolução - é tema de um diálogo que ainda não está concluído e que, no momento, provavelmente não poderá ser concluído com os meios de que dispomos. O problema dos seis dias não se põe com particular agudeza entre a posição da ciência moderna sobre a origem do mundo e a fé. Porque também na Bíblia é claramente um esquema teológico, que não pretende narrar de forma literal a história da Criação.

No próprio Antigo Testamento existem outras representações da Criação". No livro de Job e nos livros sapienciais, encontramos relatos da Criação que deixam claro que os crentes não pensavam que o processo da Criação estivesse, por assim dizer, representado fotograficamente nesses textos, mesmo na ocasião em que foram escritos.

Só está representado na medida em que nos permite apreender o essencial: que o mundo provém do poder de Deus e é criado por Ele. Como se desenvolveram depois os processos concretos é uma questão completamente diferente, em que até a própria Bíblia deixa uma grande abertura. Por outro lado, penso que a teoria da evolução ainda não ultrapassou, em grande parte, o campo das hipóteses, e que, muitas vezes, está misturada com filosofias quase míticas, sobre as quais ainda tem de haver diálogos críticos [vi].

Perda da fé.

O homem não é plasmado apenas do interior para o exterior. Existe também uma linha de força que vai do exterior para o interior: negá-la ou desconsiderá-la seria uma forma de espiritualismo que rapidamente se vingaria. O Sagrado, o Santo, está presente aqui neste mundo, e quando a força educadora de suas manifestações visíveis desaparece, acaba-se caindo num achatamento e num embrutecimento dos homens e do mundo [vii].

Fé e outras religiões.

A fé não pode sintonizar com filosofias que excluam a questão da verdade, mas sintoniza, sim, com movimentos que se esforçam por sair do cárcere do relativismo. Da mesma forma, não pode integrar directamente as antigas religiões. No entanto, as religiões podem proporcionar-lhe formas e imagens de diverso tipo, mas sobretudo atitudes, como o respeito, a humildade, a abnegação, a bondade, o amor ao próximo, a esperança na vida eterna. Isto parece-me -seja dito entre parêntesis - ser importante também para a questão do significado salvífico das religiões. Não salvam, por assim dizer, na medida em que são sistemas fechados e pela fidelidade a esses sistemas, mas colaboram com a salvação na medida em que levam os homens a "perguntar-se por Deus" (como diz o Antigo Testamento), a "buscar o seu rosto", a "buscar o Reino de Deus e a sua justiça" [viii].

Fé adulta.

Não devemos permanecer crianças na fé, em estado de menoridade. E em que é que consiste ser crianças na fé? Responde São Paulo: significa ser batidos pelas ondas e levados ao sabor de qualquer vento de doutrina... (Ef 4, 14). Uma descrição muito actual! Quantos ventos de doutrina conhecemos nestes últimos decénios, quantas correntes ideológicas, quantos modos de pensar!... A pequena barca do pensamento de muitos cristãos foi não raro agitada por essas ondas, lançada de um extremo ao outro: do marxismo ao liberalismo, até ao ponto de chegar à libertinagem; do coletivismo ao individualismo radical; do ateísmo a um vago misticismo religioso; do agnosticismo ao sincretismo, e por aí adiante.


Todos os dias nascem novas seitas e cumpre-se assim o que São Paulo disse sobre o engano dos homens, sobre a astúcia que tende a induzir ao erro (cfr. Ef 4, 14). Ter uma fé clara segundo o Credo da Igreja cataloga-se frequentemente como fundamentalismo, ao passo que o relativismo, isto é, deixar-se levar ao sabor do qualquer vento de doutrina, aparece como a única atitude à altura dos tempos actuais. Vai-se constituindo uma ditadura do relativismo que não reconhece nada como definitivo e que usa como critério último apenas o próprio "eu" e os seus apetites.

Nós, pelo contrário, temos outro critério: o Filho de Deus, o verdadeiro homem. É Ele a medida do verdadeiro humanismo. Não é "adulta" uma fé que segue as ondas da moda e a última novidade; adulta e madura é antes uma fé profundamente enraizada na amizade com Cristo. É essa amizade que se abre a tudo aquilo que é bom e que nos dá o critério para discernir entre o que é verdadeiro e o que é falso, entre o engano e a verdade.

Devemos deixar amadurecer essa fé adulta. Para essa fé devemos guiar o rebanho de Cristo. E é essa fé - e somente essa fé - que cria unidade e se realiza na caridade. Em contraste com as contínuas peripécias daqueles que são como crianças batidas pelas ondas. São Paulo oferece-nos a este propósito uma bela palavra: praticar a verdade na caridade, como fórmula fundamental da existência cristã. Em Cristo, verdade e caridade coincidem. Na medida em que nos aproximamos de Cristo, também na nossa vida a verdade e a caridade se fundem. A caridade sem a verdade seria cega; a verdade sem a caridade seria como um címbalo que tine (1 Cor 13, l) [ix].


Verdade e relativismo


Relativismo.

O relativismo converteu-se no problema central da fé na hora actual.

Sem dúvida, já não se apresenta apenas com a sua veste de renúncia resignada ante a imensidão da verdade, mas também como uma posição definida positivamente pelos conceitos de tolerância, conhecimento dialógico e liberdade, conceitos que ficariam limitados se se afirmasse a existência de uma verdade válida para todos.

Por sua vez, apresenta-se como fundamento filosófico da democracia. Esta edificar-se-ia sobre a base de que ninguém pode ter a pretensão de conhecer a verdadeira via, e se alimentaria do facto de que todos os caminhos se reconhecem mutuamente como fragmentos do esforço por atingir o que é melhor. Por isso, esses caminhos teriam de buscar no diálogo algum elemento comum e competir entre si quanto às afirmações que não podem integrar-se numa crença comum a todos. Um sistema de liberdades - dizem-nos - deveria, em essência, ser um sistema de posições que se relacionassem entre si como relativas, e além disso dependentes de situações históricas abertas a novos desenvolvimentos.

Uma sociedade liberal seria, assim, uma sociedade relativista; só com essa condição poderia permanecer livre e aberta ao futuro [x].

(cont)

(Revisão da versão portuguesa por ama)





Notas:
[i] Il Dio vicino, pág. 36
[ii] O sal da terra, pág. 18
[iii] Fe, verdad y cultura
[iv] A Encíclica Fides et ratio, de 14.09.1998, trata das relações entre fé e razão; entre outras coisas, defende firmemente a capacidade da inteligência humana de chegar à verdade (N. do T.)
[v] Ibid
[vi] O sal da terra, págs. 26-27
[vii] II Dio vicino, pág. 105
[viii] Fe, verdad y cultura
[ix] Homilia da Missa Pro Eligendo Pontífice
[x] Conferência no encontro de presidentes de comissões episcopais da América Latina para a doutrina da fé, Guadalajara (México), Nov 1996)