Páscoa
Evangelho:
Jo 14, 1-6
1 «Não se
perturbe o vosso coração. Acreditais em Deus, acreditai também em Mim. 2 Na
casa de Meu Pai há muitas moradas. Se assim não fosse, Eu vo-lo teria dito. Vou
preparar um lugar para vós. 3 Depois que Eu tiver ido e vos tiver preparado um
lugar, virei novamente e tomar-vos-ei comigo, para que, onde estou, estejais
vós também. 4 E vós conheceis o caminho para ir onde Eu vou». 5 Tomé disse-Lhe:
«Senhor, nós não sabemos para onde vais; como podemos saber o caminho?». 6 Jesus
disse-lhe: «Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vai ao Pai senão por
Mim.
Comentário:
Tomé, o mesmo que haveria de ter “explosões”
de fé e amor a Jesus usa, uma vez mais a sua sinceridade quase “selvagem”.
Parece até que “provoca” directamente o Senhor
a responder-lhe de forma mais concreta e simples para que possa compreender
melhor e, assim, acreditar mais perfeitamente.
E, o Senhor, de facto, responde com uma
clareza impressionante:
«Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vai ao
Pai senão por Mim», ou, mais tarde:
«Porque Me viste acreditaste. Não sejas
incrédulo mas crente.»
E, nós, não podemos mais que agradecer
ao Apóstolo a oportunidade que nos deu de obter de Jesus Cristo as declarações
mais importantes para a nossa Fé.
(ama, comentário sobre Jo
14, 1-6, 2014.05.16)
Leitura espiritual
SANTO
AGOSTINHO – CONFISSÕES
CAPÍTULO
XXIII
O
tempo e o movimento
Ouvi um homem instruído
dizer que o tempo é nada mais do que o movimento do sol, da lua e dos astros.
Não concordo. Por que não seria então o tempo o movimento de todos os corpos?
Se os astros passassem, e a roda de um oleiro continuasse a rodar, deixaria
acaso de existir tempo para medir as suas voltas? Como poderíamos dizer que
elas se davam a intervalos iguais, ou ora mais rápida, ora mais lentamente, e
que umas demoravam mais e outras menos? E, dizendo isto, não estaríamos falando
do tempo? Não haveria mais nas nossas palavras sílabas longas e breves, porque
umas ressoam por mais tempo e outras por menos tempo?
E tu, Deus, concede aos
homens que percebam, que reconheçam neste modesto exemplo, o que as coisas
grandes e pequenas têm em comum. Há astros e luminares celestes que nos servem
de sinais e marcam as estações, os dias e os anos. Isso é verdade; todavia,
como eu jamais diria que a volta realizada por aquela roda de madeira
representa o dia, nem o sábio cuja opinião transcrevo poderia afirmar que a
volta da roda não representa o tempo.
O meu desejo é conhecer a
natureza e a essência do tempo, com que medimos os movimentos dos corpos, e nos
autoriza a dizer, por exemplo, que um movimento dura duas vezes mais que outro.
O que chamamos dia não é apenas o tempo todo o percurso de oriente a oriente, e
que nos faz dizer: “Passaram-se tantos dias” – entendendo por isso também as
noites, que não são enumeradas separadamente. Portanto, já que o dia se
completa pelo movimento do sol e o círculo que ele cumpre a partir do oriente,
pergunto eu se o dia é o próprio movimento ou se é o tempo que dura esses
movimentos, ou ambas as coisas.
Na primeira hipótese,
teríamos um dia mesmo se o sol fizesse o seu percurso no intervalo de uma hora.
Na hipótese da duração, não haveria dia se o sol fizesse o seu percurso no
breve espaço de uma hora; e o sol deveria cumprir vinte e quatro vezes o seu
percurso para formar um dia.
Diremos então que o
movimento do sol, e a duração desse movimento, é que fazem o dia? Mas então não
se poderia chamar dia se o sol efectuasse seu percurso no lapso de uma hora,
mais do que se, parando o sol o seu percurso, passasse o mesmo tempo que é necessário
habitualmente ao sol para completar a sua revolução de uma manhã a outra.
Portanto, não mais
buscarei conhecer em que consiste o dia, mas em que consiste o tempo, que
usamos para medir o percurso do sol. Usando tal medida, diríamos que o sol
gastara no seu giro a metade do tempo habitual, se o tivesse completado num
lapso de doze horas. E, comparando essas duas durações, diríamos que uma é o
dobro da outra, mesmo que o sol demorasse umas vezes o tempo simples, outras o
tempo duplo para ir de oriente para oriente.
Ninguém, portanto, me diga
que o tempo é o movimento dos corpos celestes. Quando a oração de um homem fez
parar o sol para concluir vitoriosamente a batalha, o sol estava imóvel, mas o
tempo caminhava; e a batalha terminou no espaço de tempo que lhe era
necessário.
Veja, pois, que o tempo é
uma espécie de extensão. Mas eu vejo-o, ou apenas tenho a impressão de vê-lo?
Só tu mo demonstrarás, ó Luz, ó Verdade!
CAPÍTULO
XXIV
O
tempo, medida do movimento
Queres que eu aprove quem
diz que o tempo é o movimento de um corpo? Não, não aprovo. Sei que não há
corpo que não se mova no tempo: tu mesmo o afirmas. Mas não acredito que o
movimento de um corpo seja o tempo; nunca ouvi isso, e nem tu o dizes. Quando
um corpo se move, sirvo-me do tempo para medir a duração do seu movimento do
começo ao fim. Se não vejo o começo, e percebo o seu movimento sem ver o seu
fim, só posso medi-lo do momento em que observo o corpo mover-se até o momento
em que já não o vejo. Se o vejo por muito tempo, apenas posso afirmar que a
duração do seu movimento é longa, mas não posso dizer quanto é longa, porque só
determinamos o valor de uma duração comparando-a. Dizemos, por exemplo:
“isso durou tanto quanto
aquilo, ou essa duração é o dobro daquela”, semelhantes. Se podemos notar o
ponto do espaço onde se inicia um movimento, e o ponto de chegada, ou as suas
partes, se ele se movesse em círculo, poderíamos dizer quanto tempo levou para
ir de um ponto a outro o movimento do corpo ou dessas partes.
Assim, o movimento de um
corpo é diferente da medida da sua duração; que não vê, pois, a qual dessas
coisas se deve chamar tempo? Se um corpo se move de forma irregular, e outras
vezes se detém, ora, é o tempo que nos permite medir, não apenas o seu
movimento, mas também o seu repouso, e afirmar: “Ficou em repouso por tanto
tempo quanto em movimento – ou qualquer outro intervalo que tenhamos calculado
ou estimado aproximadamente”. O tempo não é pois a mesma coisa que o movimento.
CAPÍTULO
XXV
Prece
Confesso-te, Senhor, que
ainda não sei o que é tempo. E torno a confessar, Senhor, eu o sei, que digo
estas coisas no tempo, e que de há muito estou falando do tempo, e que esse
muito também não seria o que é senão pela duração do tempo. Mas como posso
saber isto, se desconheço o que é o tempo? Talvez eu ignore a arte de exprimir
o que sei. Ai de mim, que não sei nem mesmo o que ignoro! Eis-me diante de ti,
meu Deus, tu vês que não minto e que falo de coração. Acenderás a minha
candeia, Senhor meu Deus, e iluminarás as minhas trevas.
CAPÍTULO
XXVI
O
tempo, distensão da alma
Acaso a minha alma não foi
sincera confessando-te que posso medir o tempo? De facto, meu Deus, eu meço-o,
e não sei o que meço. Meço o movimento dos corpos com o auxílio do tempo, e não
poderei medir o tempo do mesmo modo? E poderia eu medir o movimento de um
corpo, a sua duração, o tempo que gasta para ir de um lugar a outro, sem medir
o tempo em que se move?
Mas o tempo em si, com que
o poderei medir? É com um tempo mais curto que medimos um mais longo, como
medimos uma viga com o côvado? Do mesmo modo medimos a duração de uma sílaba
longa com a duração de uma sílaba breve, dizendo que uma é o dobro da outra. Do
mesmo modo medimos a extensão de um poema pelo número de versos, a extensão dos
versos pelo número de pés, a extensão dos pés pelo número de sílabas, a duração
das sílabas longas pela duração das breves. Não é pelas páginas dos livros que
fazemos esse cálculo, o que seria medir o espaço e não o tempo. Conforme as
palavras passam e as pronunciamos, dizemos: “Eis um poema longo, porque se
compõe de tantos versos; esses versos são longos, porque são formados de tantos
pés; esses pés são longos, porque se estendem por tantas sílabas; esta sílaba é
longa, porque é o dobro de uma breve”.
Todavia, não conseguimos
uma medida exacta do tempo; pode acontecer que um verso mais curto, se
pronunciado mais lentamente, se estenda por mais tempo que um verso mais longo,
recitado depressa. O mesmo acontece com um poema, um pé, uma sílaba.
Por esse motivo é que o
tempo me pareceu não ser nada mais que uma extensão. Mas extensão de quê? Não
saberia di-lo ao certo; seria de admirar que não fosse extensão da própria
alma. Portanto, diz-me, meu Deus, que é o que meço quando digo um tanto vagamente:
“Este tempo é mais longo
do que aquele” – ou mais exactamente: “Este tempo é o dobro daquele?
– Meço o tempo, eu sei;
mas não o futuro, que ainda não existe, nem o presente, porque não tem duração,
nem o passado, porque não existe mais. Que meço eu então? Acaso o tempo que passa,
e não o tempo passado, como disse acima?
(Revisão
de versão portuguesa por ama)