Tempo comum Semana X
Evangelho: Mt 5, 33-37
33 «Igualmente ouvistes que foi dito aos antigos: “Não perjurarás, mas
guardarás para com o Senhor os teus juramentos”. 34 Eu, porém,
digo-vos que não jureis de modo algum, nem pelo céu, porque é o trono de Deus; 35
nem pela terra, porque é o escabelo de Seus pés; nem por Jerusalém, porque é a
cidade do grande rei. 36 Nem jurarás pela tua cabeça, pois não podes
fazer branco ou preto um só dos teus cabelos. 37 Seja o vosso falar:
Sim, sim; não, não. Tudo o que passa disto, procede do Maligno.
Comentário:
Quem
diz a verdade não tem necessidade nem de testemunhas nem de juramentos. A
verdade é só uma, inteira e completa não tem cambiantes nem meias palavras.
O
exemplo que Jesus Cristo que é a Verdade dá aos cristãos é mais que
elucidativo.
O
cristão não tem de justificar o que diz ou afirma porque todos o hão-de
conhecer como pessoa veraz e de inteira confiança.
(ama, comentário
sobre Mt 5, 33-37, 2014.04.16)
Temas
…/3
O egoísta é monótono.
Dirige-se a Deus e aos outros, dizendo sempre: “Dá-me!” É um homem que vive
para pegar, para tomar, para armazenar, para desfrutar, em suma, para obter...
O egoísta parece ter,
dentro do coração, um cachorrinho obsessivo, que dia e noite late sem parar,
com voz esganiçada e estridente: Eu! Eu! Eu! E, quando a voz afina: Mim! Mim!
Mim!
Só que o mundo está
repleto de outros cachorros iguais e lhe responde com o eco das suas próprias
palavras, de modo que por toda a parte se lança contra ele o mesmo ganido: Eu!
Eu! Eu!
Certamente o mundo não
costuma fazer-nos a toda a hora reverências orientais nem nos estende aos pés
tapetes vermelhos.
NA CONTRAMÃO DOS HOMENS E
DE DEUS
Desse entrechoque de
egoísmos, logicamente, hão de sair faíscas. Um encontrão! Uma cotovelada! Um
“chega pra lá!” Um “eu primeiro!” Um “espere um pouco e você vai ver!” A colisão
de egoísmos é inevitável, pois o meu egoísmo sempre vai na contramão do outro,
e é fisicamente impossível colocar dois centros diferentes no mesmo círculo ou
dois umbigos do mundo exatamente no mesmo ponto.
Estamos vendo, e parece
coisa clara, que a maior parte das nossas impaciências são apenas egoísmos
contrariados. Se as fôssemos examinando uma após outra, numa espécie de
microscópio espiritual, acabaríamos verificando que, nelas, nas impaciências,
estão todas as cores de que o egoísmo humano se tinge, quer seja a cor
orgulhosa, quer a comodista, a hedonista, a sensual ou a invejosa... Todas aquelas
cores do espectro em que a luz triste do egoísmo se dispersa.
Alguém já disse – sem
dúvida com exagerada dureza – que o mundo é um chiqueiro de egoísmos, onde
estes, em recinto fechado, se mordem e dilaceram. Algo parecido com isso é o
que não tardará a descobrir, por experiência própria, quem adotar como
filosofia de conduta “gozar a vida”, “passar o melhor possível”, “conseguir o
máximo”, “levar vantagem em tudo”.
O pior, porém, não é que
isso tudo não passe de uma ilusão trágica, decepcionante, num mundo que não nos
abre alas como ao seu “príncipe”. O pior é que o egoísta, por princípio, anda sempre
na contramão de Deus, e isso é muito mais sério e perigoso.
Deus só tem uma mão: o
Amor. O egoísmo trafega em outro sentido. É significativo que uma condição
prévia para andar na mão de Deus e para aprender o amor cristão seja esta: Quem
quiser salvar a sua vida – diz Cristo – a perderá; mas quem perder a sua vida
por amor de mim [quem souber sacrificá-la por amor], a salvará (cf. Mt 16, 25 e
Mc 8, 35). A mão de Deus é o Amor. Sair dela é atravessar-se na estrada, e aí
todas as colisões são inevitáveis.
O egoísmo colide com tudo
e, além disso, tem a triste faculdade de tornar negativas todas as coisas,
opondo-as a si. O egoísta, por exemplo, em vez de valer-se do temperamento da
esposa para saber “como” deve amá-la, serve-se disso como motivo para
humilhá-la e ofendê-la. Não pensa:
“Ela é lenta, vou estimulá-la,
vou ajudá-la”. Pensa: “Ela é lenta; atrasa tudo! Não julgava que fosse tão
lerda quando casei! Isto não pode continuar!” São duas maneiras opostas de
reagir perante uma mesma situação. Duas maneiras que se podem dar em todas as
situações. As mais belas coisas estiolam nas mãos do egoísta.
Vale a pena repisar bem a
afirmação de que o nosso egoísmo é a causa fundamental dos nossos
aborrecimentos. Assim como o lendário Rei Midas tinha o poder de transformar em
ouro tudo o que tocava, o egoísta tem a virtude de transformar em pontas, em
cacos de vidro, em navalhas e espinheiros, tudo o que não se curva aos seus
desejos.
O QUE A VIDA ESPERA DE NÓS
No relato autobiográfico
intitulado Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração,
o psiquiatra
Viktor Frankl relata o
ambiente de profundo abatimento que se ia apossando do espírito de seus
companheiros de barracão,
no campo de concentração nazista em que se encontravam, à medida
que as expectativas de
libertação se afunilavam e o futuro aparecia cada vez mais sombrio.
Era comum ouvir-se dizer:
– “Eu já não espero mais nada da vida”.
“Que resposta podemos dar
a essas palavras?” – perguntava-se Frankl. E a seguir, com vibrações de descoberta,
explica a nova luz que se acendeu nele e que procurou transmitir aos outros:
“Do que realmente
precisamos é de uma mudança radical da nossa atitude perante a vida.
Temos que aprender nós
mesmos, e depois ensinar aos desesperados, que na verdade não é importante o
que nós esperamos da vida; importante é o que a vida espera de nós”.
Numa noite em que um corte
de luz mergulhou os prisioneiros numa depressão ainda maior, Frankl, embora
gelado e sonolento, irritado e cansado, sentiu que era preciso fazer alguma
coisa para infundir ânimo àqueles pobres farrapos humanos que já desistiam da
vida. Levantou-se, então, e falou. Expôs com veemente ardor a sua descoberta. E
essa ideia de que a vida tem um sentido infinitamente superior ao de
simplesmente satisfazer desejos, obter coisas, passar bem, gozar de boa saúde,
invadiu, como um clarão de esperança, aqueles corações agoniados.
Entenderam que Deus, a
esposa, os filhos, os amigos, o mundo esperavam deles (deles que pareciam
animais acuados, prestes a serem levados para o matadouro) um testemunho – na
vida ou na morte – de que o ser humano foi feito para algo muito maior do que
comer, beber, gozar, rir na fortuna e chorar na adversidade. Deus e os outros
esperavam algo que só cada um deles, com grandeza de alma, podia dar. Deus e o
mundo “precisavam” de cada um deles!
Esta concepção da vida,
como é óbvio, opõe-se frontalmente à atitude egoísta acima descrita. É a outra
possível vertente da nossa existência. A única verdadeira. A vida só pode ser encarada
como uma missão a cumprir, que nos é confiada por Deus, como uma edificação de
que somos responsáveis e de que outros dependem. Não vivemos para obter;
vivemos para edificar.
QUERENDO EDIFICAR UMA
TORRE
O próprio Cristo utiliza a
imagem da edificação para falar de nós. Diante do seu futuro, o homem é um
construtor. Deus facilita-lhe o material, desvenda-lhe aos poucos as linhas
mestras da “obra” a ser realizada e estende-lhe a mão para ajudá-lo na tarefa.
Mas cada qual é responsável por fazer a obra bem feita. Quem de vós, se quiser
edificar uma torre, não se senta primeiro e calcula...? (Lc 14, 28).
Aprofundando na imagem da
edificação, Cristo diz-nos ainda como se deve fazer o cálculo, qual é a
garantia de que a construção será sólida e indestrutível: Aquele que ouve as
minhas palavras e as põe em prática é semelhante a um homem prudente que
edificou a sua casa sobre rocha. Caiu a chuva, vieram as enchentes, sopraram os
ventos e investiram contra aquela casa: ela, porém, não caiu, porque estava
edificada sobre rocha (Mt 7, 24-27).
Construir sobre rocha,
fazer uma edificação que nenhuma contrariedade – vento ou chuva, tremores ou
enchentes – possa abalar, só se consegue quando o alicerce sobre o qual se
levanta é a palavra de Cristo: Aquele que ouve as minhas palavras e as põe em
prática...
É a palavra, é a mensagem
de Cristo que indica a “mão de direcção” que Deus quer deixar sinalizada no
coração dos homens: a mão do Amor. Amar a Deus de todo o coração, com toda a alma
e com todas as forças; amar o próximo como a nós mesmos, mais ainda, como
Cristo nos amou – ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus
amigos (Jo 15, 13) –, este é o alicerce, este é o pilar firmíssimo, esta é a
“mão de Deus”! Quando se vai por ela, descobre-se que a única coisa que a vida
e as pessoas nos estão pedindo a toda a hora é amor: amor consistente na
aceitação confiante da Vontade de Deus e da sua Cruz santa; ou amor que
aprenda, num crescendo que nunca termina, a compreender os outros, a
desculpá-los, a perdoá-los, a servi-los, a dar-se sem cálculos nem
mesquinharias.
Quando nos decidimos a
enveredar por essa senda, ficamos pasmados ao perceber que cada vez há menos
coisas que nos pegam na contramão e nos fazem perder a paciência. E isto é
assim porque cada vez se torna menor o egoísmo que trafega em sentido contrário
ao do amor.
Façamos uma pequena
experiência. Escrevamos em forma de lista todas as coisas que, na última
semana, nos aborreceram e mexeram com a nossa paciência. A seguir, diante de
cada item, anotemos uma pergunta: que tipo de amor Deus me pedia aí? E
prossigamos a experiência, imaginando: se eu tivesse vivido naquele momento o
tipo certo de amor, teria havido impaciência?
A resposta seria,
naturalmente, “não”. Não haveria impaciência se eu tivesse amado. Talvez possamos
retrucar: “Mas é que eu não sou santo” – o que é verdade –, mas o que não
poderemos dizer nunca honestamente é que ali havia uma contrariedade que o amor
não podia superar.
Na realidade, todos os
exercícios de paciência consistem em exercícios de amor. Conheço várias pessoas
– graças a Deus conheço muita gente boa – que, ao voltarem a casa com toda a
carga do cansaço do dia, vão rezando o terço no trânsito ou carregam consigo um
livro de pensamentos espirituais, para lerem e meditarem uma ou outra frase ao
pararem no semáforo demorado ou no engarrafamento incontornável. Ao mesmo
tempo, vão espremendo os seus cansados miolos, tentando concretizar: “Que
iniciativa, que detalhe, que palavra posso preparar para que a minha chegada a
casa seja um motivo de alegria para a minha mulher, ou para o meu marido, e
para os meus filhos?” E, assim, homens e mulheres cujo retorno ao lar era antes
soturno e irritado, tornam-se – em virtude do amor a Deus e aos outros, que se
esforçam por cultivar – corações pacientes, que espalham a paz e a alegria à
sua volta.
(cont.)