Páscoa
Evangelho:
Jo 15, 1-8
1 «Eu sou a videira
verdadeira, e Meu Pai é o agricultor. 2 Todo o ramo que não dá fruto em Mim,
Ele o cortará; e todo o que der fruto, podá-lo-á, para que dê mais fruto. 3 Vós
já estais limpos em virtude da palavra que vos anunciei. 4 Permanecei em Mim e
Eu permanecerei em vós. Como o ramo não pode por si mesmo dar fruto se não
permanecer na videira, assim também vós, se não permanecerdes em Mim. 5 Eu sou
a videira, vós os ramos. Aquele que permanece em Mim e Eu nele, esse dá muito
fruto, porque sem Mim nada podeis fazer. 6 Se alguém não permanecer em Mim,
será lançado fora como o ramo, e secará; depois recolhê-lo-ão, lançá-lo-ão no
fogo e arderá. 7 Se permanecerdes em Mim, e as Minhas palavras permanecerem em
vós, pedireis tudo o que quiserdes e ser-vos-á concedido. 8 Nisto é glorificado
Meu Pai: Em que vós deis muito fruto e sejais Meus discípulos.
Comentário:
Jesus sublinha uma vez mais que sem Ele nada podemos fazer.
E como proceder?
Estando unidos a Ele.
Não há outro processo ou alternativa.
Unidos a Cristo como os ramos à videira podemos tudo mesmo o que aparentemente
é impossível.
(ama, comentário sobre Jo 15,
1-8 2015.07.23)
Leitura espiritual
SANTO
AGOSTINHO – CONFISSÕES
CAPÍTULO
XVIII
Outras
interpretações
Ouço e considero todas
essas teorias, mas não quero discutir por questões de palavras, o que não serve
para nada, senão para a confusão dos ouvintes. Pelo contrário, a lei é boa para
a edificação se dela se faz uso legítimo, porque a sua finalidade é a caridade
que nasce de um coração puro, de uma boa consciência e de uma fé não fingida. O
nosso Mestre sabe quais dos dois preceitos em que resumiu toda a lei e os
profetas. A mim, que observo com zelo tais preceitos, ó meu Deus, luz dos meus
olhos na escuridão, que me importa que possa que possa encontrar sentidos
diferentes para essas palavras, se todos são verdadeiros? Que me interessa,
digo eu, que outros compreendam o texto de Moisés de modo diferente do meu? Nós
todos que o lemos procuramos indagar e compreender o pensamento do autor. E
como o julgamos verídico, não ousamos admitir que ele pusesse dizer o que
sabemos ou o que consideramos falso.
Assim, nos esforços que
fazemos para compreender, na Escritura Sagrada, a ideia que o escritor quis
transmitir, onde está o mal se o leitor interpreta o sentido que tu, Luz de
todas as inteligências sinceras, lhe fazes parecer verdadeiro, embora talvez
não tenha sido este o pensamento do autor? E considerando que ele, pensando de
outra maneira, só pensou verdades?
CAPÍTULO
XIX
A
verdade
A verdade, Senhor é que
criaste o céu e a terra. A verdade é que o princípio é tua Sabedoria, em que
criaste todas as coisas. É também verdade que este mundo visível se compõe de
duas grandes partes, o céu e a terra, síntese de todas as realidades criadas. É
ainda verdade que tudo o que é mutável sugere ao nosso pensamento a ideia de
algo informe, susceptível de tomar forma, de mudar e de se transformar.
A verdade é que um ser tão
intimamente unido a uma forma mutável que, embora sujeito em si a mudanças,
nunca se transforma, não está sujeito ao tempo. A verdade é que a massa sem
forma, que é quase o nada, não pode conhecer as vicissitudes do tempo. A verdade
é que a matéria que constitui uma coisa, se assim podemos falar, toma o nome
dessa coisa, e portanto, podemos chamar céu e terra a essa massa informe com a
qual foram feitos o céu e a terra.
A verdade é que, de tudo o
que recebeu forma, nada se aproxima mais do informe que a terra e o abismo. A
verdade é que não apenas tudo o que foi criado e formado, mas ainda tudo o que possa
ser criado se origina de ti, tu que és o autor de tudo que existe. A verdade é
que tudo o que é formado a partir do informe, primeiro é informe, e depois
recebe forma.
CAPÍTULO
XX
O
princípio e as suas interpretações
Todas essas verdades, das
quais não duvidam os que de ti receberam a graça de ver com os olhos da alma, e
que creem firmemente que o teu servo Moisés falou em espírito de verdade, há quem
dê esta interpretação: “No princípio Deus criou o céu e a terra” – isto é, Deus
criou, no seu Verbo, que lhe é co-eterno, o mundo racional e sensível, ou
espiritual e corporal. Outro diz: “No princípio Deus criou o céu e a terra” –
isto é, Deus criou no seu Verbo, que lhe é co-eterno, toda a massa do mundo
corpóreo, com tudo o que contém de realidades, manifestamente conhecidas.
Um terceiro diz: “No
princípio Deus criou o céu e a terra” – isto é, Deus criou no seu Verbo, que lhe
é co-eterno, a matéria informe das criaturas espirituais e corporais. Outro
afirma: “No princípio Deus criou o céu e a terra” – isto é, Deus criou a
matéria informe das criaturas corporais, onde estavam ainda confundidos o céu e
a terra, que agora distinguimos na massa do universo, com suas formas bem distintas
e determinadas.
Um último diz: “No
princípio Deus criou o céu e a terra” – isto é, desde que começou a agir, Deus
criou a matéria informe, onde estavam contidos confusamente em potencial o céu
e a terra, que depois receberam forma própria, e que agora nos aparecem com
tudo o que neles existe.
CAPÍTULO
XXI
A
terra invisível
O mesmo ocorre em relação
à interpretação das palavras que se seguem. Entre essas, todas verdadeiras,
cada um escolhe uma. Este diz: “A terra era invisível e caótica, e as trevas
estendiam-se sobre o abismo” – isto é, essa massa corpórea, que Deus fez, era a
matéria ainda sem forma, sem ordem, sem luz, das coisas corpóreas.
Outro diz: “A terra era
invisível e caótica, e as trevas estendiam-se sobre o abismo” – isto é, esse
conjunto que chamamos terra e céu era a matéria ainda informe e tenebrosa, da
qual seriam tirados o céu e a terra corpóreos, com tudo o que os nossos
sentidos físicos neles percebem.
Outro diz: “A terra era
invisível e caótica, e as trevas estendiam-se sobre o abismo” – isto e´, esse
conjunto que chamamos céu e terra era a matéria ainda informe e tenebrosa, donde
seriam feitos o céu inteligível, noutros termos, o céu do céu, e a terra, isto
é, toda natureza corpórea, nela incluindo o céu material, ou seja, a matéria de
toda criatura visível e invisível.
Outro diz: “A terra era
invisível e caótica, e as trevas estendiam-se sobre o abismo” – isto é, não
quis a Escritura chamar à massa informe céu e terra, porque ela já existia; é
dessa massa que ela chamou terra invisível, caótica, abismo de trevas, é dela,
que Deus criou o céu e a terra, isto é, a criatura espiritual e a corporal.
E outro ainda: “A terra
era invisível e caótica, e as trevas estendiam-se sobre o abismo” – isto é, já
existia uma matéria informe, da qual a Escritura diz que Deus criou o céu e a
terra, toda a massa corporal do mundo, dividido em duas grandes partes, uma
superior, outra inferior, com todas as criaturas nelas existentes e que nos são
familiares.
CAPÍTULO
XXII
Objecções
Mas a essas últimas
opiniões alguém poderia opor a seguinte objecção: “Se não quereis dar o nome de
céu e terra à matéria informe, havia então alguma coisa não criada por Deus, e
de que ele se serviria para criar o céu e a terra. De facto, a Escritura, não
diz que Deus criou essa matéria, a menos que consideremos que seja ela o que
chama céu e terra quando diz: “No princípio Deus criou o céu e a terra” – No
que se segue: “A terra era invisível e informe” – ainda que a Escritura quisesse
designar assim a matéria informe, nós apenas poderíamos entender com isso a
matéria criada por Deus, conforme está escrito: “Criou o céu e a terra” – Aos
que sustentam as duas últimas opiniões que acabamos de expor, ou de uma das
duas, respondem assim: “Não negamos que esta matéria informe seja obra de Deus,
de quem procede tudo o que é bom. De facto afirmamos ser um bem superior o que
é criado e plenamente formado, mas também dizemos que aquilo que é passível de
ser criado e receber forma, embora seja um bem inferior, é ainda um bem.
A Escritura não menciona a
criação por Deus dessa matéria informe, mas deixa também de falar de muitas
outras coisas, como, por exemplo, da criação dos querubins, dos serafins, dos tronos,
das dominações, dos principados, das potestades, todas criaturas que o Apóstolo
menciona claramente, e que Deus evidentemente criou. Se as palavras: “Deus
criou o céu e a terra” – compreendem todas as coisas, que diremos das águas
sobre as quais pairava o Espírito de Deus?
Se pretendemos que sejam
parte do que designa a palavra terra, como conceber por isso uma matéria
informe, quando vemos as águas tão belas? E, por outro lado, por que está
escrito que dessa matéria informe foi criado o firmamento, chamado céu, quando
não se faz menção da criação das águas? Pois as águas que vemos correr com
harmoniosa beleza e não são nem informes, nem invisíveis! E se elas receberam a
sua beleza quando Deus disse: “Que se reúnam as águas que estão sob o
firmamento! – e se nessa reunião receberam a sua formação, que dizer das águas
que estão acima do firmamento? Informes, elas não teriam merecido lugar tão
honroso, nem é referido com que palavras foram formadas.
Assim, se o Génesis é
omisso quanto à criação de certas coisas, criação essa que está acima de
dúvidas para uma fé sadia e uma inteligência segura, e se nenhuma doutrina
racional ousa sustentar que essas águas são co-eternas a Deus, pelo facto de as
vermos mencionadas no Génesis sem a menção do momento da sua criação, por que
haveríamos de aceitar, à luz da verdade, que essa matéria informe, que a
Escritura chama terra invisível e desordenada e abismo tenebroso, foi feita por
Deus do nada e por isso não é co-eterna a Deus, embora a narração da Escritura
tenha deixado de referir o momento em que foi criada?
(Revisão
de versão portuguesa por ama)