A
PAZ NA FAMÍLIA
MAIS VIRTUDES AMÁVEIS
Virtudes amáveis criam vida
amável. Páginas atrás, mencionávamos a resposta daquele velho amigo que acabava
de celebrar as Bodas de Ouro, à pergunta sobre o que, na opinião dele, mais
tinha contribuído para a paz familiar. – “A educação”, respondeu.
Os detalhes de educação, as
gentilezas, as delicadezas sorridentes, não são só para praticar fora de casa,
com os estranhos, nem são coisas ultrapassadas pelo à-vontade moderno (que é
tão antigo como a mais velha grosseria). Não sei por quê, mas parece que basta
atravessar a porta do lar para que se afrouxem e se soltem todas as normas da educação.
Vem-me agora à memória um facto
recente, nada exemplar. Falava-me alguém, com tristeza, de um casal que se
tratava de maneira rude e grosseira. Num daqueles dias, após uma briga com
troca de insultos, em que a mulher chamou o marido de “cavalo”, acabou gritando-lhe,
quando ele estava saindo de casa:
– “Não se esqueça de levar a
ferradura!”
E ele retrucou, no mesmo
nível:
– “Não, vou deixá-la aqui
mesmo. Com certeza você vai precisar muito dela”.
Diálogos desse teor – e bem
mais cavalares e chulos –, infelizmente, não são infrequentes nos lares.
Sabemos dizer “Por favor”?
Sabemos ceder o melhor lugar na sala para assistir à televisão? Sabemos
escolher o pior pedaço nas refeições? Sabemos apressar-nos no banho, para não
fazer esperar outros? Sabemos agradecer, dizendo “Obrigado, muito obrigado, já percebi
que você se lembrou de me comprar tal coisa”? Sabe o marido dizer, com um brilho
sincero nos olhos: “Você está linda com esse vestido novo”, “Você prepara o
melhor vatapá do Brasil”, “O que seria desta casa sem você?” Sabe ela “esperar”
o marido, não para despejar-lhe em cima a carga elétrica acumulada durante o
dia, mas para cumulá-lo de pequenas atenções?
Para os maridos,
concretamente, parece-me interessante transcrever um caso narrado, com estilo
de ficha médica, por outro psiquiatra:
“Ele tem vinte e nove anos e
ela vinte e quatro. Classe média. Têm pouco mais de dois anos de casados, e já
um ano depois de morarem juntos começaram fortes tensões entre os dois, com
momentos muito difíceis. Numa dessas ocasiões, ela foi para a casa dos pais e voltou
poucos dias depois. Têm um filho”.
O médico pede à jovem esposa
que faça uma lista das coisas de que sente mais falta, e ela indica os
seguintes pontos:
“1. Que, durante o café da
manhã, fale comigo e não se dedique a ler o jornal sem me dizer nada; que me
conte o que vai fazer nesse dia, ainda que ache que não é importante.
“2. Que me beije ao sair de
casa e ao voltar.
“3. Que diga alguma coisa
agradável sobre a minha apresentação: «Hoje você está linda», «como lhe fica
bem essa blusa» ou alguma coisa simpática e bem-humorada..., como costumava
fazer no namoro.
“4. Que me pergunte como foi
o meu dia, o que fiz, como me sinto.
“5. Que não se mostre mais
carinhoso só quando quer ter relações íntimas comigo.
Isso é uma coisa que me
revolta.
“6. Que «perca o tempo» com
seu o filho quando chega do serviço, e não se feche no quarto com os seus
papéis.
“7. Que colabore em algumas
pequenas tarefas da casa: preparar a mesa, trazer os guardanapos, tirar as
pedras de gelo da geladeira, etc.
“8. Que, nos dias
«especiais», me leve a jantar fora, como fazíamos quando namorávamos ou logo
depois de casados; e que se arrume e não vá com a mesma roupa com que esteve
trabalhando” [i].
Também os maridos poderiam
fazer listas análogas. E os filhos. E os pais. E todos eles deveriam lembrar-se
de que existe um ato, um gesto precioso e insubstituível, que torna cálidas e
luminosas todas as amabilidades e serviços: o sorriso.
CARAS SORRIDENTES
“Não esqueças – dizia Mons.
Escrivá – que, às vezes, faz-nos falta ter ao lado caras sorridentes” [ii].
Ele o recomendava, e – sou testemunha disso – praticava-o em favor dos outros
todos os dias e a todas as horas. Costumava dizer – por experiência própria –
que, em muitas ocasiões, “sorrir é a melhor mortificação”, pois com ela
prestamos um grande serviço, tornando a vida mais amável e alegre aos que
convivem connosco.
É estranho, mas alguns
pensam que sorrir sem ter vontade é hipocrisia. Não é verdade. Fazer o esforço
de sorrir para evitar preocupações, angústias, tormentas ou cerração no lar é
um grande acto de amor. O sorriso dissipa nuvens, desarma irritações, abre uma
nesga de céu por onde entra o sol da alegria. Por isso, deve-se lutar
esforçadamente para não privar desse bem os outros. Sorrir não é só uma reação
espontânea, uma atitude “natural” incontrolável; pode – deve, muitas vezes –
ser um ato voluntário de amor, praticado com esforço consciente, pensando no
bem dos outros.
A este propósito, gosto de
recordar um cartão de Boas-Festas que um padre amigo me mandou em fins de 1992.
Era uma folha de papel simples, xerocada na paróquia, e trazia uma espécie de
poema. Não sei se era da autoria dele, ou se o tomara emprestado de alguma publicação.
Seja como for, o conteúdo era extremamente simpático. Debaixo do cabeçalho –
Um sorriso –, vinham as
seguintes frases:
– “Não custa nada e rende
muito.
– “Enriquece quem o recebe, sem
empobrecer quem o dá.
– “Dura somente um instante,
mas os seus efeitos perduram para sempre.
– “Ninguém é tão rico que
dele não precise.
– “Ninguém é tão pobre que
não o possa dar a todos.
– “Leva a felicidade a todos
e a toda a parte.
– “É símbolo da amizade, da
boa vontade, é alento para os desanimados, repouso para os cansados, raio de
sol para os tristes, ressurreição para os desesperados.
– “Não se compra nem se
empresta.
– “Nenhuma moeda do mundo
pode pagar o seu valor.
– “Não há ninguém que precise
tanto de um sorriso como aquele que já não sabe sorrir.
– “Quando você nasceu, todos
sorriram, só você é que chorava. Viva de tal maneira que, quando você morrer,
todos chorem e só você sorria”.
Como vemos, doçura,
mansidão, paciência, educação, gentileza, sorriso..., são fontes de paz no lar.
Não haverá outras “virtudes amáveis” que também colaborem para a paz? Há muitas,
com certeza. Por exemplo, uma virtude que poucos relacionam com o nosso tema: a
virtude da ordem. Torna-se mais fácil a paz num lar em que, sem esquemas
excessivamente rígidos, existe ordem material, pontualidade, previdência e
ordem nos horários. O ambiente de ordem facilita a tranquilidade e elimina
muita confusão e agitação. Todos temos a experiência de que a desordem e o
desmazelo – como lembrávamos antes – criam inquietações e mal-estar.
Outro exemplo de virtude
amável: a confiança em Deus. Perante os problemas, sofrimentos e incertezas que
sempre pairam ameaçadoramente sobre a vida familiar, a pessoa que não confia em
Deus sente-se insegura, angustia-se e transmite aos outros essa sua intranquilidade.
Se soubesse confiar em Deus, manter-se-ia serena e difundiria segurança à sua
volta.
Poderíamos pensar ainda na
virtude da afabilidade, na importância de cultivar o bom humor, no esforço por
comentar o lado positivo das coisas, na necessidade de evitar apreciações
apocalípticas sobre a vida, e em tantas outras manifestações de virtudes, que contribuem
poderosamente para a paz no lar. Mas, como não é o caso de prosseguir até ao infinito,
teremos que encerrar estes comentários por aqui... Deixaremos apenas estas reticências,
para que o leitor as preencha com as suas belas experiências de paz familiar.
Em todo o caso, de tudo o
que – sem pretensões de esgotar o tema [iii]–
foi comentado nestas páginas, talvez possa ficar-lhe, com a ajuda de Deus, uma
linha de rumo, uma directriz para a consciência cristã: a certeza de que a paz
só morre nas mãos do egoísmo, só é destruída pela falta de virtudes pessoais;
e, ao mesmo tempo, a convicção de que a paz – em quaisquer circunstâncias – só
é edificada e garantida pelo amor abnegado e pelas amáveis virtudes que Cristo
nos ensinou.
[i]
Enrique Rojas, op. cit., págs. 217-218;
[iii]
Sobre
o tema das virtudes na vida do lar, vale a pena ler também as obras de Georges
Chevrot, As pequenas virtudes do lar, 4a ed., Quadrante, São Paulo, 1990, e O
Evangelho no lar, Quadrante, São Paulo, 1992.
[iv]
Francisco Faus é licenciado em Direito pela
Universidade de Barcelona e Doutor em Direito Canónico pela Universidade de São
Tomás de Aquino de Roma. Ordenado sacerdote em 1955, reside em São Paulo, onde
exerce uma intensa atividade de atenção espiritual entre estudantes
universitários e profissionais. Autor de diversas obras literárias, algumas
delas premiadas, já publicou na coleção Temas Cristãos, os títulos:
O valor das dificuldades; O homem bom;
Lágrimas de Cristo, lágrimas dos homens; A língua; A paciência; A voz da
consciência.