Questão
102: Das causas dos preceitos cerimoniais.
Art.
3 — Se se pode assinalar uma razão conveniente das cerimónias relativas aos
sacrifícios.
(In
Psalm. XXXIX; In Isaiam., cap. I; In Ioann., cap. I, lect. XIV).
O terceiro discute-se assim. — Parece
que não se pode assinalar razão conveniente das cerimónias relativas aos
sacrifícios.
1. — Pois, no sacrifício oferecia-se o
necessário ao sustento da vida humana, como alguns animais e alguns pães. Ora,
Deus não precisa de tal sustento, conforme a Escritura (Sl 49, 13): Porventura
comerei carnes de touros? Ou beberei sangue de cabrito? Logo, era inconveniente
oferecer tais sacrifícios a Deus.
2. Demais. — No sacrifício divino não
se ofereciam senão animais quadrúpedes dos três géneros seguintes: bois,
ovelhas e cabras. E quanto às aves, em geral, a rola e a pomba; e em especial,
para a cura dos leprosos, fazia-se o sacrifício de pardais. Ora, há muitos
animais mais nobres que esses. E como devemos oferecer a Deus tudo o que é óptimo,
resulta que se lhe deviam oferecer sacrifícios não só dos animais
supra-referidos.
3. Demais. — Assim como o homem
recebeu de Deus o domínio sobre as aves e os animais, assim também sobre os
peixes. Logo, era inconveniente excluir estes do sacrifício divino.
4. Demais. — Ordenava-se oferecerem-se
indiferentemente rolas e pombas. Donde, assim como mandavam oferecer os
filhotes dos pombos, assim também deviam mandar se oferecessem os das rolas.
5. Demais. — Deus é o autor da vida,
não só dos homens, mas também dos animais, como é claro pelo que diz a
Escritura (Gn 1, 20). Ora, a morte opõe-se à vida. Logo, não deviam oferecer a
Deus animais mortos, mas ao contrário vivos, e tanto mais quanto também o
Apóstolo adverte (Rm 12, 1): ofereçamos os nossos corpos como uma hóstia viva,
santa, agradável a Deus.
6. Demais. — Se a Deus não se deviam
oferecer em sacrifícios senão animais mortos, parece que não se devia fazer
nenhuma diferença entre os modos por que o era. Logo, determinar o modo da
imolação era inconveniente, sobretudo no que respeita às aves, como se vê na
Escritura (Lv 1, 15 ss).
7. Demais. — Toda imperfeição do
animal é via para a corrupção e a morte. Se pois se ofereciam a Deus animais
mortos, era inconveniente proibir a oferta de qualquer animal imperfeito, p.
ex., manco, cego ou com algum outro defeito.
8. Demais. — Os que oferecem vítimas a
Deus devem participar delas, conforme aquilo do Apóstolo (1 Cor 10, 18): os que
comem as vítimas por ventura não têm parte com o olhar? Logo, era inconveniente
subtrair aos oferentes algumas partes das vítimas, como o sangue e a gordura, o
peitinho e a espádua direita.
9. Demais. — Assim como os holocaustos
eram oferecidos em honra de Deus, assim também o eram as hóstias pacíficas e as
pelo pecado. Ora, nenhum animal do sexo feminino era oferecido a Deus como
vítima; faziam-se entretanto holocaustos tanto de quadrúpedes, como de aves.
Logo, era inconveniente oferecer animais do sexo feminino, como hóstias pacíficas
e pelo pecado, sem entretanto, se oferecerem aves para esse mesmo fim.
10. Demais. — Todas as hóstias
pacíficas se consideravam como de um só género. Logo, não se devia fazer
diferença entre as hóstias, cuja carne não se podia comer no dia seguinte, e
outros, de que se podia, como se lê na Escritura (Lv 7, 15 ss).
11. Demais. — Todos os pecados têm em
comum o afastarem de Deus. Logo, devia oferecer-se um só género de sacrifícios,
por todos os pecados, para reconciliar com Deus.
12. Demais. — Todos os animais
oferecidos em sacrifícios, eram-no de um mesmo modo, i. é, mortos. Logo, não
parece conveniente que se fizessem oblações de diversos modos de todos os
produtos da terra; pois, ora, eram oferecidas espigas, ora, flor de farinha,
ora, pão cozido, umas vezes, no forno, outras, em frigideira, outras, em grelhas.
13. Demais. — Devemos reconhecer como
provindo de Deus tudo o que temos para o nosso uso. Logo, era inconveniente,
além dos animais, oferecer a Deus só pão, vinho, azeite, incenso e sal.
14. Demais. — Os sacrifícios de corpos
exprimem o sacrifício interno do coração, pelo qual o homem oferece o seu
espírito a Deus. Ora, nesse sacrifício interior há mais da doçura, representada
pelo mel, do que do picante, representado pelo sal, conforme a Escritura (Sr
24, 27): o meu espírito é mais doce que o mel. Logo, inconvenientemente se
proibia trazer, para o sacrifício, mel e fermento, que também dá sabor ao pão;
e se mandava oferecer sal, que é picante, e incenso, que é amargo de sabor. —
Logo, as coisas pertencentes às cerimónias dos sacrifícios não tinham causa
racional.
Mas, em contrário, diz a Escritura (Lv
1, 13): o sacerdote queimará tudo sobre o altar em holocausto e suave cheiro
para o Senhor. Ora, como se diz noutro lugar (Sb 7, 28), Deus não ama ninguém
senão ao que habita com a sabedoria. Donde se pode concluir que tudo o que é
recebido por Deus o é com sabedoria. Logo, aquelas cerimónias dos sacrifícios fundavam-se
em sabedoria, tendo, como tinham, causas racionais.
Como já se disse (a. 2), as
cerimónias da lei antiga tinham causa dupla: uma literal, pela qual se
ordenavam ao culto de Deus; outra, figurada ou mística, enquanto ordenadas a
figurar Cristo. E, num e noutro caso, podemos convenientemente assinalar a
causa das cerimónias relativas aos sacrifícios.
Assim, enquanto se ordenavam ao culto
de Deus, podemos compreender a causa dos sacrifícios de dois modos. — De um
modo, enquanto representavam a ordenação da mente para Deus, para quem se
elevava o que oferecia o sacrifício. Ora, a ordenação recta da mente para Deus
consiste em o homem considerar como procedente dele, como do primeiro
princípio, todas as coisas que tem; e as ordenar para ele, como para o último
fim. E isto era expresso pelas oblações e sacrifícios, pelos quais o homem
oferecia das suas coisas em honra de Deus, como em reconhecimento de as ter
recebido d'Êle, conforme o que disse David (1 Cr 29, 14): Tudo é teu; e o que
recebemos da tua mão, isso mesmo nós te oferecemos. Donde, na oblação dos
sacrifícios o homem proclamava que Deus é o princípio primeiro da criação das
coisas, e o fim último a que tudo se deve referir. — E como a ordenação recta
da mente para Deus consiste em a mente humana não reconhecer nenhum outro princípio,
autor das coisas, senão só Deus, nem constituir o seu fim em nenhuma outra
coisa, por isso a lei proibia oferecer sacrifício a quem quer que fosse, excepto
Deus, conforme (Ex 22, 20): aquele que sacrificar aos deuses, com excepção apenas
do Senhor, morrerá. Donde e de outro modo, podemos dar a razão da causa das
cerimónias relativas ao sacrifício, dizendo, que por elas os homens deixavam de
fazer sacrifícios aos ídolos. Por isso, também os preceitos sobre os
sacrifícios não foram dados ao povo judeu, senão depois que caiu na idolatria,
adorando um bezerro de metal fundido. Sendo assim, esses sacrifícios foram
instituídos, para que o povo, pronto a sacrificar, os oferecesse antes a Deus
que aos ídolos. Donde o dizer Jeremias (Jr 7, 22) — Eu não falei com vossos
pais, nem lhes mandei, no dia em que os tirei da terra do Egipto, coisa alguma
acerca dos holocaustos e das vítimas.
Dentre todos os dons, porém, que Deus
fez ao género humano, já caído no pecado, o principal foi o de seu Filho. Donde
o dizer a Escritura (Jo 3, 16): assim amou Deus ao mundo, que lhe deu o seu
Filho unigénito, para que todo o que crê nele não pereça, mas tenha a vida
eterna. Por isso, o maior dos sacrifícios foi o de Cristo, que se entregou a si
mesmo, em odor de suavidade, no dizer da Escritura (Ef 5, 2). E, todos os
outros sacrifícios da lei antiga eram oferecidos para figurarem esse sacrifício
singular e precípuo, como o perfeito é figurado pelo imperfeito. Donde o dito
do Apóstolo (Heb 10, 11), que o sacerdote da lei antiga oferecia muitas vezes
as mesmas hóstias, que nunca podem tirar os pecados; mas, Cristo, ofereceu uma
só hóstia pelos pecados, sempiternamente. E como do figurado se deduz a razão
de ser da figura, as razões dos sacrifícios figurativos da lei antiga devem deduzir-se
do verdadeiro sacrifício de Cristo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Deus não queria que tais sacrifícios lhe fossem oferecidos, por causa das próprias
coisas oferecidas, como se delas precisasse; donde o dizer a Escritura (Is 1,
11): não quero mais holocaustos de carneiro, nem gordura de animais médios, nem
sangue de bezerros, nem de cordeiros, nem de bodes. Mas, queria que lhos
oferecessem como já se disse, quer para excluir a idolatria, quer para fazer
sentir a ordem devida da mente humana para Deus; quer também para figurar o
mistério da redenção humana operado por Cristo.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Havia uma razão
conveniente para que fossem oferecidos a Deus em sacrifício todos esses animais
referidos e não, outros. — A primeira era para excluir a idolatria. Porque
todos os outros animais os idólatras os ofereciam aos seus deuses, ou deles
usavam para malefícios. Ao passo que era abominável imolar os animais
referidos, entre os egípcios, com quem conviviam os judeus; e por isso aqueles
não os ofereciam aos seus deuses, em sacrifício. Por isso, diz a Escritura (Ex
8, 26): Viremos a fazer sacrifícios ao Senhor nosso Deus, o que os Egípcios têm
por uma abominação. Pois, prestavam culto às ovelhas; veneravam os bodes,
porque os demónios apareciam na figura deles; e enfim, usavam dos bois para a
agricultura, que tinham como parte das coisas sagradas. — A segunda razão era
por serem os sacrifícios desses animais convenientes para a referida ordenação
da mente para Deus. E isto de dois modos. Primeiro, porque com esses animais é
que sobretudo se sustenta a vida humana; e sendo eles os mais puros, dão a mais
pura nutrição. Ao passo que, dos outros animais, uns são silvestres e não
apropriados comumente ao uso dos homens; ou, se domésticos, proporcionam
nutrição imunda, como o porco e a galinha. Ora, só devemos oferecer a Deus o
que é puro. Quanto às aves referidas, eram as especialmente sacrificadas, por
existirem copiosamente na terra da promissão. Segundo, porque a imolação desses
animais designava a pureza da mente. Pois, diz a Glosa: oferecemos o bezerro,
quando vencemos a soberba da carne; o cordeiro, quando corrigimos os movimentos
irracionais; o bode, quando superamos a lascívia; a pomba, quando somos simples;
a rola, quando guardamos a castidade; os pães ázimos, quando nos nutrimos do
ázimo da sinceridade. Pois, é manifesto, que a pomba exprime a caridade e a
simplicidade do coração. — Em terceiro lugar, era conveniente serem oferecidos
tais animais, como figurando a Cristo. Pois, diz a mesma Glosa: Cristo era
oferecido no bezerro, por causa da virtude da cruz; no cordeiro, por causa da
inocência; no carneiro, por causa do principado; no bode, por causa da
semelhança com a carne do pecado; na rola e na pomba, mostrava-se a união das
duas naturezas; ou a rola significava a castidade, e a pomba, a caridade. Com
flor de farinha, figurava-se a aspersão dos crentes pela água do batismo.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Os peixes, que
vivem na água, são mais alheios ao homem que os outros animais, que vivem no ar,
como ele próprio. E além disso, tirados dela logo morrem; por isso não podiam,
como os outros animais, ser oferecidos no templo.
RESPOSTA À QUARTA. — As rolas já
crescidas são melhores que os filhotes; com as pombas, porém, dá-se o
contrário. Por isso, como diz o Rabbi Moisés, mandavam oferecer-se rolas e
filhotes de pombas; porque devemos oferecer a Deus tudo o que é óptimo.
RESPOSTA À QUINTA. — Os animais
oferecidos em sacrifício eram mortos, para assim, serem consumidos pelos
homens; pois Deus lhos deu como alimento. E também eram queimados no fogo,
porque, cozidos nele, se tornam apropriados à alimentação humana. — Semelhantemente,
a imolação dos animais significava a destruição dos pecados; e que os homens
eram dignos de morte, pelos seus pecados, isso significando esses animais
sacrificados em lugar deles, para a expiação de tais pecados. — E também a
imolação desses animais significava a imolação de Cristo.
RESPOSTA À SEXTA. — A lei determinava
um modo especial de imolar os animais, para excluir outros modos pelos quais os
idólatras os imolavam aos ídolos. Ou também, como diz o Rabbi Moisés, a lei
escolhia o género de morte que menos fizesse sofrer os animais imolados, pelo
que também se excluía a falta de misericórdia dos oferentes, e a deterioração
dos animais mortos.
RESPOSTA À SÉTIMA. — Os animais
defeituosos são de ordinário desprezados, mesmo pelos homens; por isso era
proibido oferecê-los em sacrifício a Deus. Pela mesma razão era proibido
oferecer na casa de Deus o ganho da prostituta ou o preço do cão. E por isso
também não ofereciam animais antes do sétimo dia de terem nascido; por serem
quase abortivos e não ainda plenamente constituídos, pela sua tenra idade.
RESPOSTA À OITAVA. — Havia três géneros
de sacrifícios. — Um era aquele em que se consumiam totalmente as vítimas; e
por isso se chamava holocausto, que significa queimado totalmente. E esse sacrifício
era oferecido a Deus especialmente para Lhe reverenciar a majestade e o amor da
sua bondade; e convém ao estado de perfeição, no implemento dos conselhos. Por
isso queimava-se tudo para significar que, assim como o animal todo, resolvido
em vapor, sobe aos ares, assim também o homem todo, com tudo o que lhe pertence,
está sujeito ao domínio de Deus, a quem deve oferecer-se.
Outro era o sacrifício pelos pecados,
oferecido a Deus, pela necessidade de os remir; e convém ao estado dos
penitentes para a satisfação dos pecados. Continha duas partes, das quais, uma
se queimava e cedia-se a outra para ser consumida pelos sacerdotes, para significar
que a expiação dos pecados se faz por Deus, pelo ministério dos sacerdotes.
Salvo, quando o sacrifício era oferecido pelo pecado de todo o povo, ou
especialmente, pelo do sacerdote; pois então as vítimas eram totalmente
queimadas. Porque não devia destinar-se a alimento dos sacerdotes o que era
oferecido pelo pecado deles, para que neles não ficasse nada de pecaminoso. E
porque, em tal caso, não haveria satisfação pelo pecado; pois, se as vítimas
devessem ser comidas por aqueles por cujos pecados eram oferecidas, seria o
mesmo que não o terem sido.
O terceiro sacrifício era o chamado
hóstia pacífica, oferecido a Deus, ou em acção de graças, ou pela saúde e
prosperidade dos oferentes, como dívida do benefício a receber ou já recebido.
E convém ao estado dos que progridem, no cumprir os mandamentos. E estes sacrifícios
continham três partes, das quais, uma era queimada em honra de Deus; a outra
cedia-se para ser comida pelos sacerdotes; a terceira, enfim, para ser comida
pelos oferentes. Isto tudo para significar que a salvação do homem vem de Deus,
sob a direcção dos seus ministros, e com a cooperação dos próprios homens que
são salvos.
Além disso, era geralmente observado,
que o sangue e a gordura não deviam ser comidos pelos sacerdotes nem pelos
oferentes. Sendo o sangue derramado na base do altar, em honra de Deus; e a
gordura, consumida no fogo. — E uma razão disso era excluir a idolatria; pois,
os idólatras bebiam o sangue das vítimas e comiam as gorduras, conforme a
Escritura (Dt 32, 38): De cujas vítimas comiam as banhas e bebiam o vinho das
libações. — A segunda razão era a direcção da vida humana. Pois, proibia-se o
uso do sangue para causar horror da efusão do sangue humano; donde o dizer a
Escritura (Gn 9, 4-5): Não comereis carne com sangue; porque eu requererei o
sangue das vossas almas. E comer as gorduras, para evitar a lascívia; donde a
Escritura (Ez 34, 3): matáveis o que era mais gordo. — A terceira razão fundava-se
na reverência divina. Pois, o sangue é o que há de mais necessário à vida,
vindo daí o dizer-se, que a alma está no sangue; ao passo que a gordura indica
a abundância da nutrição. Donde, para se mostrar que de Deus nos vem a vida e a
abundância de todos os bens, em honra d'Êle se derramava o sangue e queimava a
gordura. — A quarta razão era que a efusão do sangue significava a do sangue
de Cristo; e a gordura, a abundância da sua caridade, pela qual se ofereceu a
Deus por nós.
Das hóstias pacíficas cediam-se para
serem comidos pelos sacerdotes, o peitinho e a espádua direita, para excluir
uma certa espécie de adivinhação, chamada espatulamância. Pois faziam-se
adivinhações com as espáduas dos animais imolados e, semelhantemente, com os
ossos do peito; razão pela qual eram privados dessas partes os oferentes. — Mas
isso também significava que ao sacerdote era necessária a sabedoria do coração,
para instruir o povo, significada pelo peito, que cobre o coração; e também a
fortaleza, para suportar os defeitos, significada pela espádua direita.
RESPOSTA À NONA. — Como o holocausto
era o perfeitíssimo dos sacrifícios, só o macho era desse modo oferecido,
porque a fêmea é um animal imperfeito. Por outro lado, a oblação das rolas e
das pombas era por causa da pobreza dos oferentes, que não podiam oferecer
animais maiores. E como as hóstias pacíficas eram oferecidas gratuitamente, e
ninguém as oferecia obrigado, senão espontaneamente, as aves referidas não eram
oferecidas como hóstias dessa espécie, mas como holocaustos e vítimas pelo
pecado, que às vezes era necessário oferecer. E demais, essas aves, por causa
da altura do seu voo, convinham à perfeição dos holocaustos; e também a serem
vítimas pelo pecado, por terem, como canto, o gemido.
RESPOSTA À DÉCIMA. — O holocausto era
o principal dentre todos os sacrifícios; porque a vítima era queimada toda em
honra de Deus e nada se comia dela. — O segundo lugar, na santidade, tinha-o a
vítima pelo pecado, comida só no átrio, pelos sacerdotes, no próprio dia do
sacrifício. — O terceiro, era o da vítima pacífica, em acção de graças, comida
no mesmo dia, mas em todos os lugares de Jerusalém. — O quarto, o da hóstia
pacífica, em virtude de voto, cujas carnes podiam ser comidas no dia seguinte.
— E a razão desta ordem é que o homem tem obrigações, para com Deus, sobretudo,
por causa da sua majestade; em segundo lugar, por causa da ofensa cometida; em
terceiro, pelos benefícios já recebidos; em quarto, pelos benefícios esperados.
RESPOSTA À UNDÉCIMA. — Os pecados agravam-se
pelo estado do pecador, como dissemos (q. 73, a. 10). Por isso, mandavam-se oferecer
as outras vítimas pelo pecado do sacerdote e do príncipe, ou de alguma pessoa
privada. Pois, deve atender-se, como diz o Rabbi Moisés, a que, quanto mais
grave era o pecado, tanto mais vil era a espécie do animal por ele oferecida.
Por isso, a cabra, o mais vil de todos, era oferecida pela idolatria, o
gravíssimo dos pecados; ao passo que, pela ignorância do sacerdote, era
oferecido um bezerro; e pela negligência do príncipe, um bode.
RESPOSTA À DUODÉCIMA. — A lei, nos
sacrifícios, quis prover à pobreza dos oferentes. De modo que, quem não pudesse
ter um quadrúpede, oferecesse pelo menos uma ave; o que não a pudesse ter,
oferecesse ao menos um pão; e quem ainda esse não o pudesse ter, oferecesse ao
menos farinha ou espigas. — E a causa figurada disso era que o pão significava
Cristo, pão vivo, como diz a Escritura (Jo 6, 41-51). E Cristo, na fé dos
patriarcas, existia como espiga, no estado da lei da natureza; como flor de
farinha, na doutrina da lei e dos profetas; como pão formado, depois que
assumiu a humanidade; como pão cozido, i. é, formado pelo Espírito Santo, no
forno do útero virginal; que também foi cozido em frigideira, por causa dos
trabalhos que sofreu no mundo; e enfim, na cruz, como que queimado em grelhas.
RESPOSTA À DÉCIMA TERCEIRA. — Os
produtos da terra, de que o homem lança mão, ou lhe servem de comida, e desses
se oferecia o pão; ou de bebida, dos quais se oferecia o vinho; ou de
condimento, e dentre esses se oferecia o azeite e o sal; ou de remédios, e dentre
esses se oferecia incenso, que é aromático e fortificante. — Ora, o pão
figurava a carne de Cristo; o vinho, o seu sangue, que nos remiu; o azeite, a
graça de Cristo; o sal a ciência; o incenso, a oração.
RESPOSTA À DÉCIMA QUARTA. — O mel não
era oferecido em sacrifício a Deus, quer por costumarem oferecê-lo em
sacrifício aos ídolos; quer, também para excluir toda doçura carnal e todo
prazer dos que pretendiam sacrificar a Deus. O fermento não era oferecido, para
excluir a corrupção; e talvez também era costume oferecê-lo nos sacrifícios aos
ídolos. O sal o era, por impedir a corrupção pútrida, pois os sacrifícios a
Deus deviam ser puros; e também porque o sal significava a discrição da
sabedoria, ou ainda, a mortificação da carne. O incenso era oferecido a Deus,
para significar a devoção do coração, necessária aos oferentes; e também o odor
da boa fama, pois o incenso é resinoso e odorífero. E como o sacrifício da
inveja não procedia da devoção, mas antes, da suspeição, não se oferecia
incenso nele.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.