17/05/2016

Os demónios do apostolado 11

Esperar do apostolado uma carreira gratificante

Este demónio do apostolado é muito activo. O apostolado da Igreja é bastante organizado e hierarquizado, como é normal que aconteça em qualquer instituição humana que tem uma missão a cumprir. Assim, na Igreja, há cargos e tarefas de maior autoridade ou de maior poder ou prestígio que outras. Também existem títulos e honras externas: a Igreja mantém isso com sábio realismo e consideração com a condição humana. A tentação está em ir identificando o apostolado com uma carreira eclesiástica e a sua importância e eficácia profunda com o cargo que se ocupa.

O demónio das gratificações terrenas pode tentar de muitas maneiras. A maneira mais rude é quando se une ao apostolado a ganância pelo dinheiro, fazendo dele, não tanto no nível das convicções como na prática, uma profissão lucrativa, seguramente mais generosa e idealista que outras. Algo muito deferente é ganhar a vida com o trabalho apostólico, sem ânsias de lucro, sobretudo quando se está dedicado a ele em tempo integral. Quando esta tentação se agrava, chega-se a fazer do apostolado a aparência de um negócio que, embora não seja “negócio” estritamente falando, é suficiente para lhe tirar a credibilidade. Esta tendência pode levar o apóstolo a interessar-se exclusivamente pelas tarefas apostólicas remuneradas, perdendo, com isso, o sentido da gratuidade no serviço e na evangelização.

Uma outra tentação mais subtil deste demónio, é esperar reconhecimento e até elogios das pessoas e da hierarquia da Igreja. Quem cai nesta tentação, passa a necessitar deste tipo de gratificação para manter seu entusiasmo. Pareceria que no apostolado não se devesse buscar agradar a Deus, mas recompensas humanas. Quando não há elogios e reconhecimentos explícitos, interpreta-se isso como uma ingratidão e uma falta de valorização, provocando uma baixa na própria motivação e entrega. De modo semelhante, quando há críticas por parte das pessoas com quem trabalha ou da hierarquia da Igreja, o apóstolo sente-se rejeitado e perseguido. Mais uma gota de água, e o apóstolo deixará o seu trabalho.

Entretanto, talvez o demónio mais subtil se dê na aspiração de postos e cargos; na necessidade de que toda a mudança de apostolado signifique igualmente uma promoção. Há uma expectativa latente por “ascender”. O apóstolo marcado por esta tentação, se não ascende em tempo, fica ressentido e, às vezes, se “desestrutura”. Trata-se de um demónio subtil, que costuma fantasiar-se de “anjo da luz” [1]: dissimula a ambição de promoções e postos com a desculpa do apostolado mais eficaz, de serviço à Igreja, etc… Na prática, faz-se da “carreira” um factor de apostolado, e da ascensão um referencial constante, em geral não totalmente consciente. O resultado desta tentação é a imperfeição das motivações: interessa-lhe não só servir a Igreja gratuitamente e seguir a Cristo pobre, mas ficar bem com todos e “ganhar pontos”. Esta tentação produz também uma falta de liberdade no apostolado e uma preocupação pela própria imagem. Evita-se toda a discordância ou oposição legitima com a autoridade, que em certos momentos pode ser um dever no apostolado, não tanto por lealdade, mas pelo interesse de mostrar-se agradável e dialogante.

Fonte: presbíteros

(revisão da versão portuguesa por ama)

Este texto é um extracto do livro do teólogo chileno segundo galilea, Tentación y Discernimiento, Narcea, Madrid 1991, p. 29-67


[1] 2 Cor 11,14

Antigo testamento / Êxodo 6

Êxodo 6

O Senhor promete libertação

1 Então o Senhor disse a Moisés: "Agora verás o que farei ao faraó: Por minha mão poderosa, ele os deixará ir; por minha mão poderosa, ele os expulsará do seu país".

2 Disse Deus ainda a Moisés: "Eu sou o Senhor.

3 Apareci a Abraão, a Isaac e a Jacob como o Deus todo-poderoso, mas pelo meu nome, o Senhor, não me revelei a eles.

4 Depois estabeleci com eles a minha aliança para dar-lhes a terra de Canaã, terra onde viveram como estrangeiros.

5 E agora ouvi o lamento dos israelitas, a quem os egípcios mantêm escravos, e lembrei-me da minha aliança.

6 "Por isso, diz aos israelitas: Eu sou o Senhor. Eu os livrarei do trabalho imposto pelos egípcios. Eu os libertarei da escravidão e os resgatarei com braço forte e com poderosos actos de juízo.

7 Eu os farei meu povo e serei o vosso Deus. Então saberão que eu sou o Senhor, o seu Deus, que vos livra do trabalho imposto pelos egípcios.

8 E os farei entrar na terra que, com mão levantada, jurei que daria a Abraão, a Isaac e a Jacob. Eu a vo-la darei como propriedade. Eu sou o Senhor".

9 Moisés declarou isso aos israelitas, mas eles não lhe deram ouvidos, por causa da angústia e da cruel escravidão que sofriam.

10 Então o Senhor ordenou a Moisés:

11 "Vai dizer ao faraó, rei do Egipto, que deixe os israelitas saírem do país".

12 Moisés, porém, disse na presença do Senhor: "Se os israelitas não me dão ouvidos, como me ouvirá o faraó? Ainda mais que não tenho facilidade para falar!"

13 Mas o Senhor ordenou a Moisés e a Arão que dissessem aos israelitas e ao faraó, rei do Egipto, que tinham ordem para tirar do Egipto os israelitas.

Genealogias de Moisés e Arão

14 Estes foram os chefes das famílias israelitas:
Os filhos de Rúben, filho mais velho de Israel, foram: Enoque, Palu, Hezrom e Carmi. Esses foram os clãs de Rúben.

15 Os filhos de Simeão foram: Jemuel, Jamim, Oade, Jaquim, Zoar e Saul, filho de uma cananeia. Esses foram os clãs de Simeão.

16 Estes são os nomes dos filhos de Levi, por ordem de nascimento: Gérson, Coate e Merari. Levi viveu cento e trinta e sete anos.

17 Os filhos de Gérson, conforme seus clãs, foram Libni e Simei.

18 Os filhos de Coate foram Anrão, Isar, Hebrom e Uziel. Coate viveu cento e trinta e três anos.

19 Os filhos de Merari foram Mali e Mu­si.
Esses foram os clãs de Levi, por ordem de nascimento.

20 Anrão tomou por mulher sua tia Joquebede, que lhe deu à luz Arão e Moisés. Anrão viveu cento e trinta e sete anos.

21 Os filhos de Isar foram Corá, Nefegue e Zicri.

22 Os filhos de Uziel foram Misael, Elzafã e Sitri.

23 Arão tomou por mulher a Eliseba, filha de Aminadabe, irmã de Naassom, e ela lhe deu à luz Nadabe, Abiú, Eleazar e Itamar.

24 Os filhos de Corá foram Assir, Elcana e Abiasafe. Esses foram os clãs dos coraítas.

25 Eleazar, filho de Arão, tomou por mulher uma das filhas de Futiel, e ela deu à luz Fineias.
Esses foram os chefes das famílias dos levitas, conforme seus clãs.

26 Foi a este Arão e a este Moisés que o Senhor disse: "Tirem os israelitas do Egipto, organizados segundo as suas divisões".

27 Foram eles, Moisés e Arão, que falaram ao faraó, rei do Egipto, a fim de tirarem os israelitas do Egipto.

28 Ora, quando o Senhor falou com Moisés no Egipto, disse-lhe: "Eu sou o Senhor. Diz ao faraó, rei do Egipto, tudo o que eu te disser".

29 Moisés, porém, perguntou ao Senhor: "Como o faraó me dará ouvidos, se não tenho facilidade para falar?"

(Revisão da versão portuguesa por ama)


Maio - Santo Rosário - Terceiro Mistério Glorioso


Vinda do Espirito Santo sobre Nossa Senhora e os Apóstolos

Desde a Ascensão eram habituais os encontros com os Onze.

De que falariam?

Seguramente terás contado detalhes da vida do teu Filho que só tu poderias conhecer.

Muito particularmente a Lucas terás descrito com pormenores quanto sucedeu desde a Anunciação do Arcanjo Gabriel, os sonhos de José teu marido, a Visitação a tua prima Isabel, o Nascimento do teu Jesus, a Apresentação o Templo e as profecias de Simeão e Ana, a fuga para o Egipto, o desencontro e reencontro com Jesus na primeira viagem a Jerusalém…

Mas nunca falaste das tuas dores, dos medos e ansiedades que deveriam “apertar-te” o coração.

Na discrição mais absoluta só falas do teu Filho, é Ele que importa, Ele é o Salvador da humanidade.
E, como boa Mãe em quem todos confiam, vais guiando, aconselhando, incutindo esperança, confiança e amor.

Mostraste como é, como deve ser, o desempenho de uma Mãe que se preocupa com os seus filhos, sem fazer distinções entre eles, querendo a todos por igual, amando a todos com o mesmo Coração Amantíssimo, com o mesmo coração com que amaste – amas – o teu Jesus.

E chegou o dia em que, mais uma vez, se cumpre uma das promessas do teu Filho e o Espírito Santo – de Quem és Esposa – desce sobre todos os reunidos no Cenáculo.


A partir de então tudo, absolutamente, fica claro como água cristalina, não há mais dúvidas a esclarecer nem temores que debelar e sentes que, finalmente, a tua missão chega ao seu termo e podes, finalmente, descansar. 

Evangelho, comentário, L. espiritual


Tempo ComumPáscoa

Evangelho: Mc 9, 30-37

30 Tendo partido dali, atravessaram a Galileia; e Jesus não queria que se soubesse. 31 Ia instruindo os Seus discípulos e dizia-lhes: «O Filho do Homem vai ser entregue às mãos dos homens e Lhe darão a morte, mas ressuscitará ao terceiro dia depois da Sua morte». 32 Mas eles não compreendiam estas palavras e temiam interrogá-l'O. 33 Nisto chegaram a Cafarnaum. Quando estavam em casa, Jesus perguntou-lhes: «De que discutíeis pelo caminho?». 34 Eles, porém, calaram-se, porque no caminho tinham discutido entre si qual deles era o maior. 35 Então, sentando-Se, chamou os doze e disse-lhes: «Se alguém 36Em seguida, tomando uma criança, pô-la no meio deles e, depois de a abraçar, disse-lhes: 37 «Todo aquele que receber uma destas crianças em Meu nome, a Mim recebe, e todo aquele que Me receber a Mim, não Me recebe a Mim, mas Àquele que Me enviou».

Comentário:

Ser melhor que o nosso próximo é, diria, um desejo natural.

Melhor... e não maior ou mais importante.

Ser melhor significa superar o outro naquilo que tem de bom e tal é um desafio que se insere na recomendação de Jesus: 'sede perfeitos como meu Pai é perfeito'.

Outra coisa é deixar que o orgulho pessoal e talvez a inveja movam os nossos intentos.

(ama, comentário sobre Mc 9, 30-37, Garrão, 2015.09.20)


Leitura espiritual



INTRODUÇÃO AO CRISTIANISMO

INTRODUÇÃO

“CREIO – AMÉM”

CAPÍTULO SEGUNDO

PRIMEIRA PARTE

DEUS

«Creio em Deus Pai, Todo-poderoso, Criador do céu e da terra"

O símbolo principia com o reconhecimento de Deus, que é descrito mais detalhadamente mediante alguns predicados: Pai – Todo-poderoso – Criador. Por conseguinte, a primeira questão a ser examinada é: o que significa a atitude do crente que se declara por Deus? E, dentro desta pergunta, está incluída a outra: Que quer dizer o símbolo, quando este Deus é caracterizado com termos como: "Pai", "Todo-poderoso", "Criador"?

CAPÍTULO PRIMEIRO

Prolegómenos ao Tema "Deus"

1. Âmbito da questão

Quem vem a ser "Deus", afinal? Noutras épocas tal pergunta não constituía problema, de clara que era. Hoje torna-se-nos uma interrogação séria. O que é que pode conotar, em geral, a palavra "Deus"? Que realidade ela exprime e como chega aos homens a realidade de que fala? Querendo seguir-se a pista da pergunta com a profundeza de que hoje precisamos, seria necessário tentar primeiramente uma análise que pesquisasse as fontes da experiência religiosa, considerando-se, a seguir, como é que o tema "Deus" caracteriza a história inteira da humanidade e é capaz de desencadear nela todas as paixões até aos nossos dias – sim, até aos dias em que o clamor da morte de Deus se ergue por toda parte e, apesar disto, e precisamente por isto, coloca poderosamente o problema de Deus no meio de nós.

Afinal, de onde surgiu na humanidade a ideia de Deus; de que raízes nasceu? Como compreender que o mais dispensável aparentemente e o mais inútil dos temas para os homens se fixou e permaneceu, apesar de tudo, como o mais angustioso dos temas da história? E qual é a razão por que ele surge em formas basicamente tão diversificadas? Aliás, através da aparência desordenada da multiplicidade exterior, constata-se a existência fundamental de três formas, que certamente atravessam alterações desiguais na figura do monoteísmo, do politeísmo e do ateísmo, como poderíamos denominar resumidamente os três grandes caminhos da história humana na questão de Deus. Além disso, já antes fomos alertados que mesmo o ateísmo representa apenas um ponto final aparente do assunto "Deus", conotando, na realidade, uma forma de preocupação humana com o problema, capaz, até, de revelar, e de facto, manifestando, nesta questão, um ardor apaixonado. Se quiséssemos seguir as questões preliminares fundamentais, deveriam ser apresentadas as duas fontes da experiência religiosa, às quais se pode reduzir a multiplicidade de formas dessa experiência. A sua tensão típica foi descrita pelo conhecido fenomenólogo de religiões, o holandês van der Leeuw, na afirmação paradoxal: na história das religiões Deus-Filho existe antes de Deus-Pai. Dever-se-ia dizer com mais exactidão que o Deus, portador da salvação, o Salvador, existe antes do Deus Criador, e mesmo depois desta elucidação, cumpre notar que a fórmula não pode ser concebida em sentido de sequência cronológica ou temporal, para a qual não existem provas. Por mais longe que se olhe na história da religião, o tema "Deus" surge sempre sob as duas figuras, de Filho e Pai, de Criador e de Salvador. A partícula "antes", portanto, conota apenas que, para a religiosidade concreta, para o interesse existencial vivo, o "portador da salvação" ocupa o primeiro plano, em relação ao Criador.

Atrás dessas duas figuras, em que a humanidade representou o seu Deus, encontram-se os dois pontos de partida da experiência religiosa, dos quais acabamos de falar. O primeiro ponto é a própria existência a ultrapassar-se, sem cessar, apontando para a totalidade numa forma qualquer, mesmo que seja a mais complicada. E também aí temos um processo de muitas camadas – como multifacetada é a própria existência humana. Bonhoeffer, como é notório, declarou estar na hora de acabar com um Deus que colocamos como "tapa buracos" na fronteira das nossas possibilidades e ao qual invocamos logo que nos sentimos levados ao fim da linha. Deveríamos procurar e encontrar Deus, não no lugar da nossa miséria e do nosso fracasso, mas no meio da fartura das coisas terrenas e no transbordamento da vida; somente assim se comprova não ser Deus uma escapatória fabricada pelas nossas necessidades, escapatória que se torna supérflua à medida que se alargam os limites do nosso poder . Na história da luta humana em torno de Deus, encontramos ambos os caminhos parecendo os dois igualmente legítimos. Tanto as agruras e misérias da vida humana como a sua plenitude apontam para Deus. Onde os homens experimentaram a vida na sua fartura, na sua riqueza, beleza e grandiosidade, ali se lhes tornou presente e patente que uma tal existência é uma existência agradecida, que, precisamente no seu aspecto grandioso e luminoso, ela não é algo que alguém se doou a si mesmo, mas uma dádiva que o antecede, que o recebe nos braços de sua bondade, antes de qualquer acção sua, exigindo que se insufle um sentido a tamanha abundância, recebendo-se assim um sentido para a sua própria situação. E vice-versa, também a necessidade e a pobreza sempre nos serviram de lembrete de algo completamente diferente. A questão que se apresenta, pela nossa condição de homens, e que, mais ainda, existe pela nossa condição de homens é o inacabado contido dentro de nós, a fronteira que baliza o ser-homem e que, apesar disto, representa um anseio pelo ilimitado (mais ou menos) no sentido da palavra de Nietzsche: todo o prazer anseia pela eternidade, e contudo revela-se como um instante, esta simultaneidade de isolamento e desejo do ilimitado e do aberto impediu sempre qualquer descanso do homem em si mesmo, fazendo-o sentir que jamais pode bastar-se, só conseguindo encontrar-se passando por cima de si e movendo-se para o totalmente outro e para o infinitamente grande.

O mesmo pode demonstrar-se da temática da solidão e da segurança. A solidão indubiamente é uma das raízes básicas de que surgiu o encontro do homem com Deus. Onde o homem experimenta a solidão, degusta ao mesmo tempo quanto a sua vida representa um grito pelo "tu" e quão pouco o homem é apto a ser um puro "eu", encerrado em si mesmo. A solidão pode manifestar-se ao homem em profundezas diferentes. Primeiro, ela satisfaz-se com o encontro de um "tu" humano. Mas então desdobra-se um processo paradoxal descrito por Claudel: cada "tu" que o homem encontra, revela-se, finalmente como uma promessa irrealizada e irrealizável; porque todo o "tu", no fundo, representa de novo uma desilusão, existindo um ponto em que nenhum encontro é capaz de vencer a derradeira solidão: e exactamente o achar e o ter-achado voltam a ser um retorno ao ermo, um grito pelo "tu" real e absoluto, mergulhado nas profundezas do próprio "eu". Mesmo agora, nem a miséria da solidão apenas, nem a mera experiência de que comunidade alguma satisfaz de todo o nosso desejo serão os únicos caminhos a abrir-nos para a experiência de Deus – porquanto ele pode surgir também da alegria de estar seguro. Justamente a plenitude do amor, do haver-se encontrado pode ser o portador da dádiva daquilo que não estamos em condições nem de evocar, nem de criar, fazendo-nos saber que assim recebemos mais do que ambos (amor e encontro) nos poderiam proporcionar. Da luz e da alegria de encontrar-se pode raiar a proximidade do júbilo absoluto e do encontro simplesmente presente por trás de todo o encontrar-se humano.

Com isso queria apenas insinuar de que maneira a existência humana pode ser o ponto de partida da experiência do absoluto que, sob este ponto de vista, é compreendido como "Deus-Filho", como Salvador, ou mais simplesmente, como Deus relacionado com a existência. A outra fonte de conhecimento religioso é o conflito do homem com o mundo, com as potências e os pavores com que ali se depara. O cosmos com a sua beleza e a sua voragem abissal tornou-se para o homem um campo de experiência da força que o ameaça e, simultaneamente, o sustenta; resulta daí uma imagem um tanto imprecisa e distante que se concretiza no semblante do Deus-Criador, Pai.

Prosseguindo na análise desta questão, encontramos o problema, já aduzido, das três formas do tema "Deus" – monoteísmo, politeísmo e ateísmo. Transparece aí a unidade liminar dos três caminhos, unidade que não pode significar nem afirmar identidade, como se, ao cavar mais fundo, tudo se reduzisse a uma e a mesma coisa, perdendo a sua importância as formas anteriores. Argumentações em favor da identidade, para as quais talvez se sinta tentada a especulação filosófica, em que, contudo, se desprezaria a seriedade das decisões humanas, certamente não corresponderiam à realidade. Sem que se possa falar de identidade, um olhar mais fundo faria reconhecer que a diferenciação dos três caminhos é diferente do que fazem supor as três formas em que eles se manifestam: "há um Deus", "há muitos deuses, "não há Deus". Entre as três fórmulas e a fé que elas conotam existe uma  oposição intransponível, mas também uma relação que o seu simples teor não permite suspeitar. Pois, em última análise, as três estão convencidas da unidade e da singularidade do absoluto, o que, aliás, poderia ser provado. O monoteísmo acredita nesta unidade e singularidade. Mas, não apenas ele; também para o politeísmo os inúmeros deuses aos quais dirige sua piedade e esperança, jamais representaram o próprio absoluto; também o politeísmo estava convencido de que, por trás das numerosas potências, se encontra afinal, em algum lugar, o Ser único, que o ser, em última análise, é um só ou, ao menos, é o eterno conflito dentro de um paradoxo primitivo. Por outro lado, o ateísmo não suprimiu de modo algum a unidade do ser pelo facto de impugnar a identificação da unidade de todo ser pela ideia de Deus. A mais forte e activa forma de ateísmo, o marxismo, afirma, de modo o mais rígido, essa unidade do ser em todos os seres, ao equiparar o ser com a matéria. Sem dúvida, o elemento que é o próprio ser, como matéria, separa-se completamente da antiga concepção do absoluto, ligada com a ideia de Deus, mas ao mesmo tempo recebe traços que fazem ressaltar claramente o carácter absoluto da matéria, tornando assim a evocar a ideia de Deus.

Portanto, os três caminhos estão convencidos da unidade e da singularidade do absoluto; diferem apenas na maneira como querem que o homem deva tratar com o absoluto, respectivamente no modo como o absoluto se coloca frente ao homem. Falemos de modo muito esquemático: o monoteísmo parte da ideia de que o absoluto é consciente, conhece o homem e pode tratar com ele. Para o materialismo, o absoluto (=matéria) apresenta-se despojado de qualquer predicado pessoal, não sendo capaz de ser posto em contacto com os conceitos de "chamamento" e "resposta". No máximo poder-se-ia dizer que o mesmo homem deve libertar da matéria o elemento divino, passando a ter Deus, não atrás de si, mas à sua frente, como o elemento activado criativamente pelo homem e como seu próprio futuro melhor. Finalmente, o politeísmo tem relação estreita tanto com o monoteísmo, como com o ateísmo, porque os deuses de que ele fala supõem a singularidade de um poder sustentador perfeitamente concebível num e noutro sistema. Nem seria difícil mostrar como o antigo politeísmo andava emparelhado com o ateísmo metafísico e unido ao monoteísmo filosófico.

Todas estas questões são importantes para quem deseja seguir a pista do tema "Deus" na situação hodierna. Seria preciso muito tempo e paciência para um estudo profundo. Baste-nos, ao menos, tê-los aduzido. São assuntos que encontraremos mais explicitados, ao estudar o destino da fé bíblica para cuja pesquisa o nosso estudo nos orienta. Prosseguindo na senda do problema de Deus, continuamos encarando a luta da humanidade em torno do seu Deus e exposta ao âmbito inteiro da questão.

(cont)

joseph ratzinger, Tübingen, verão de 1967.


(Revisão da versão portuguesa por ama)

Doutrina – 146

CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA

Compêndio


PRIMEIRA PARTE: A PROFISSÃO DA FÉ
SEGUNDA SECÇÃO: A PROFISSÃO DA FÉ CRISTÃ
CAPÍTULO PRIMEIRO CREIO EM DEUS PAI

OS SÍMBOLOS DA FÉ

50. O que significa que Deus é omnipotente?

Deus revelou-se como «o Forte, o Potente» [1], Aquele para quem «nada é impossível» [2]. A sua omnipotência é universal, misteriosa, e manifesta-se na criação do mundo a partir do nada e na criação do homem por amor, mas sobretudo na Encarnação e na Ressurreição do Seu Filho, no dom da adopção filial e no perdão dos pecados. Por isso a Igreja dirige a sua oração ao «Deus omnipotente e eterno» («Omipotens sempiterne Deus»).



[1] Sal 24, 8-10
[2] Lc 1,37

Pequena agenda do cristão


TeRÇa-Feira


(Coisas muito simples, curtas, objectivas)


Propósito:
Aplicação no trabalho.

Senhor, ajuda-me a fazer o que devo, quando devo, empenhando-me em fazê-lo bem feito para to poder oferecer.

Lembrar-me:
Os que estão sem trabalho.

Senhor, lembra-te de tantos e tantas que procuram trabalho e não o encontram, provê às suas necessidades, dá-lhes esperança e confiança.

Pequeno exame:

Cumpri o propósito que me propus ontem?





Tratado da vida de Cristo 103

Questão 46: Da Paixão de Cristo

Art. 7 — Se Cristo sofreu em toda a sua alma.

O sétimo discute-se assim. — Parece que Cristo não sofreu em toda a sua alma.

1. — Pois a alma sofre quando sofre o corpo, por acidente, por ser o acto do corpo. Ora, a alma não é acto do corpo relativamente a qualquer das suas partes; assim, o intelecto não é acto de nenhum corpo, como diz Aristóteles. Logo, parece que Cristo não sofreu em toda a sua alma.

2. Demais. — Toda potência da alma é passiva em relação ao seu objecto. Ora, o objecto da razão da parte superior são as razões eternas, que ela se esforça por contemplar e consultar, como o diz Agostinho. Mas, pelas razões eternas, Cristo não podia sofrer nenhum mal, pois em nada o contrariavam. Logo, parece que não sofreu em toda a sua alma.

3. Demais. — Quando o sofrimento sensível atinge até a razão, então é considerado como sofrimento completo. O que não se deu com Cristo, que só sofreu uma pré-paixão, como nota Jerónimo. Donde o dizer Dionísio que os sofrimentos que lhe foram infligidos ele sofreu-os só por os julgar. Logo, não parece que Cristo sofresse em toda a sua alma.

4. Demais. — O sofrimento causa a dor. Ora, o intelecto especulativo não é susceptível de dor: pois, o prazer nascido da contemplação não pode ser atingido por nenhuma dor, como o diz o Filósofo. Logo, parece que Cristo não sofreu em toda a sua alma.

Mas, em contrário, a Escritura diz, da pessoa de Cristo: A minha alma está repleta de males. O que aumenta a Glosa: Não de vícios, mas de dores, pelas quais a alma se compadece da carne ou dos males do povo que perecia. Ora, a sua alma não estaria repleta desses males se não tivesse sofrido em toda ela. Logo, Cristo sofreu em toda a sua alma.

O todo é assim chamado relativamente às partes. Ora, partes da alma chamam-se as suas potências. Assim, pois, dizemos que toda a alma sofre quando sofre na sua essência ou em todas as suas potências. Devemos, porém considerar que uma potência da alma pode sofrer de dois modos. De um modo, por sofrimento próprio, isto é, quando o sofrimento lhe é causado pelo seu objecto; tal o caso da visão que sofre por causa de uma excessiva visibilidade do objecto. De outro modo sofre uma potência pela paixão do sujeito no qual se ela funda; assim a vista sofre quando sofre o sentido do tacto nos olhos, em que se funda a vista; por exemplo, quando os olhos são pungidos ou perturbados pelo calor. Donde, pois, devemos concluir que, se considerarmos toda a alma, em razão da sua essência, então é manifesto que toda a alma de Cristo sofreu. Pois, a alma está unida ao corpo na totalidade da sua essência, de modo que está toda em todo o corpo e toda em qualquer parte dele. Donde, sofrendo o corpo e em disposição de ser separado da alma, toda a alma sofria. Se, porém, considerarmos toda a alma segundo todas as suas potências, então, tratando das paixões próprias das potências, ela sofria certamente, em todas as suas potências inferiores. Pois, em cada uma das potências inferiores da alma, que tem por objecto coisas temporais, havia alguma causa da dor de Cristo, como do sobredito resulta. Mas, então, a razão superior de Cristo não sofria por parte do seu objecto, isto é, Deus, que não era causa de dor, mas de prazer e de gáudio, para a alma de Cristo. — Mas, segundo aquele aspecto da paixão, em virtude do qual dizemos que uma potência sofre por parte do seu objecto, todas as potências da alma de Cristo sofriam. Pois, todas as potências da alma se lhe radicam na essência, que é atingida pela paixão, quando sofre o corpo, de que a alma é o acto.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Embora o intelecto, enquanto determinada potência, não seja o acto do corpo, a essência da alma contudo é acto do corpo, na qual se radica a potência intelectiva, como estabelecemos na Primeira Parte.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A objecção colhe quanto à paixão resultante do objecto próprio; segundo a qual a razão superior de Cristo não sofreu.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Dizemos que a dor é um sofrimento perfeito, que perturba a alma quando a paixão da parte sensitiva chega até a desviar a razão da rectidão do seu acto, de modo que obedeça à paixão e não exerça o livre arbítrio sobre ela. Assim, porém, a paixão da parte sensitiva não atingiu a razão de Cristo: mas sim, no concernente ao sujeito, como se disse.

RESPOSTA À QUARTA. — O intelecto especulativo não é susceptível de dor nem de tristeza por parte do seu objecto, que é a verdade absolutamente considerada, cuja perfeição é. Pode, porém atingi-lo a dor ou a causa da dor, pelo modo já dito.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.



Uma Mãe que nunca nos abandona

Não estás sozinho. Nem tu nem eu podemos encontrar-nos sozinhos. E, menos ainda, se vamos a Jesus por Maria, pois é uma Mãe que nunca nos abandona. (Forja, 249)


É a hora de recorreres à tua Mãe bendita do Céu, para que te acolha nos seus braços e te consiga do seu Filho um olhar de misericórdia. E procura depois fazer propósitos concretos: corta de uma vez, ainda que custe, esse pormenor que estorva e que é bem conhecido de Deus e de ti. A soberba, a sensualidade, a falta de sentido sobrenatural aliar-se-ão para te sussurrarem: isso? Mas se se trata de uma circunstância tonta, insignificante! Tu responde, sem dialogar mais com a tentação: entregar-me-ei também nessa exigência divina! E não te faltará razão: o amor demonstra-se especialmente em coisas pequenas. Normalmente, os sacrifícios que o Senhor nos pede, os mais árduos, são minúsculos, mas tão contínuos e valiosos como o bater do coração.


Quantas mães conheceste como protagonistas de um acto heróico, extraordinário? Poucas, muito poucas. E contudo, mães heróicas, verdadeiramente heróicas, que não aparecem como figuras de nada espectacular, que nunca serão notícia – como se diz – tu e eu conhecemos muitas: vivem sacrificando-se a toda a hora, renunciando com alegria aos seus gostos e passatempos pessoais, ao seu tempo, às suas possibilidades de afirmação ou de êxito, para encher de felicidade os dias dos seus filhos. (Amigos de Deus, nn 134–135)

Jesus Cristo e a Igreja – 115

Celibato eclesiástico: História e fundamentos teológicos

III. Desenvolvimento do tema da continência na Igreja latina

O Celibato no direito canónico clássico.

…/6

A continuidade da doutrina da Igreja na Idade Moderna

A contínua vida de sacrifício que implica tão grave compromisso só pode ser vivida se for alimentada por uma fé viva, já que a fraqueza humana é sentida continuamente.
A motivação sobrenatural só pode ser entendida de modo permanente com essa fé, sempre conscientemente vivida.
Se a fé se esfria, também diminui a força para perseverar; onde a fé morre, morre também a continência.

(revisão da versão portuguesa por ama)


Bento XVI – Pensamentos espirituais 91

O Menino


Deus não é um ser desconhecido, enigmático e quiçá perigoso que está longe de nós.

Deus está próximo, tão próximo que Se faz Menino e O podemos tratar por «tu».

Homilia da Missa do IV Domingo do Advento, 18.Dez.05.

(in “Bento XVI, Pensamentos Espirituais”, Lucerna 2006)


Temas para meditar - 634

Filiação divina


Se o cristão perde a consciência da filiação divina e deixa de viver na profundidade deste mistério consolador, deixa de considerar os acontecimentos à luz da Fé e torna-se vulnerável.


(antónio cardigosFiliação divina, Rei dos livros nr. 42)