18/02/2015

A correcção fraterna

A prática da correcção fraterna – que tem tradição evangélica – é uma manifestação de carinho sobrenatural e de confiança. Agradece-a quando a receberes, e não deixes de praticá-la com quem convives. (Forja, 566)


Sede prudentes e actuai sempre com simplicidade, virtude tão própria dos bons filhos de Deus. Sede naturais na vossa linguagem e na vossa actuação. Chegai ao fundo dos problemas; não fiqueis à superfície. Reparai que é preciso contar antecipadamente com o sofrimento alheio e com o nosso, se desejamos deveras cumprir santamente e com honradez as nossas obrigações de cristãos.

Não vos oculto que, quando tenho que corrigir ou tomar uma decisão que fará sofrer alguém, padeço antes, durante e depois; e não sou um sentimental. Consola-me pensar que só os animais não choram; nós, os homens, filhos de Deus, choramos. Sei que em determinados momentos, também vós tereis que sofrer, se vos esforçardes por levar a cabo fielmente o vosso dever. Não vos esqueçais de que é mais cómodo – mas é um descaminho – evitar o sofrimento a todo o custo, com o pretexto de não magoar o próximo; frequentemente o que se esconde por trás desta omissão é uma vergonhosa fuga ao sofrimento próprio, porque normalmente não é agradável fazer uma advertência séria a alguém. Meus filhos, lembrai-vos de que o inferno está cheio de bocas fechadas.

(...) Para curar uma ferida, primeiro limpa-se esta muito bem e inclusivamente ao seu redor, desde bastante distância. O médico sabe perfeitamente que isso dói, mas se omitir essa operação, depois doerá ainda mais. A seguir, põe-se logo o desinfectante; arde – pica, como dizemos na minha terra – mortifica, mas não há outra solução para a ferida não infectar.


Se para a saúde corporal é óbvio que se têm de tomar estas medidas, mesmo que se trate de escoriações de pouca importância, nas coisas grandes da saúde da alma – nos pontos nevrálgicos da vida do ser humano – imaginai como será preciso lavar, como será preciso cortar, como será preciso limpar, como será preciso desinfectar, como será preciso sofrer! A prudência exige-nos intervir assim e não fugir ao dever, porque não o cumprir seria uma falta de consideração e inclusivamente um atentado grave, contra a justiça e contra a fortaleza. (Amigos de Deus, nn. 160–161)

Reflectindo na Quaresma - 1




Cinzas



Estranha forma de lembrar a nossa condição humana.



De que vale tanto afã, empenho e trabalhos para ter ou conseguir coisas e mais coisas para juntar ao tanto que já temos e que talvez não nos faça assim tanta falta!



Coisas que "chamam" mais coisas numa espécie de cadeia que será infindável se não lhe pusermos cobro.

As calças azuis requerem uma camisa, meias, gravata etc, em tons de azul.
Um automóvel mais potente necessita mais combustível, um seguro mais caro e,  tempo de viagem, de qualquer viagem, não se altera.
Talvez até se chegue à conclusão que não é adequado a circular na cidade e, então, compra-se um automóvel mais pequeno.
Como a garagem não comporta mais uma viatura há que arrendar um espaço onde fique em segurança.

É a nossa condição humana! São as cinzas de que somos feitos!


ama, 2015.02.18

Tratado do verbo encarnado 125

Questão 19: Da unidade de operação em Cristo

Art. 2 — Se em Cristo há várias operações humanas.

O segundo discute-se assim. — Parece que há em Cristo várias operações humanas.

1. — Pois, Cristo, enquanto, homem, participa da natureza vegetativa das plantas e da natureza sensitiva dos animais, e, pela sua natureza intelectual, é como os outros homens, semelhante aos anjos. Ora, uma é a actividade da planta, como planta e outra, a do animal, como animal. Logo, Cristo, enquanto homem, tem várias operações.

2. Demais. — As potências e os hábitos distinguem-se pelos seus actos. Ora, a alma de Cristo tinha diversas potências e diversos hábitos. Logo, também diversas operações.

3. Demais. — Os instrumentos devem ser proporcionados às operações. Ora, o corpo humano tem diversos membros de formas diferentes e portanto acomodados a operações diferentes. Logo, a natureza humana de Cristo tem diversas operações.

Mas, em contrário diz Damasceno: a operação resulta da natureza. Ora em Cristo há uma só natureza humana. Logo, em Cristo havia uma só operação humana.

Sendo o homem o que é pela sua razão, chama-se operação humana, em sentido absoluto, a procedente da razão por meio da vontade, que é o apetite racional. Se porém houver no homem alguma operação não procedente da razão e da vontade, essa não será humana em sentido absoluto, mas convém ao homem por uma parte da natureza humana. E, ora, pela própria natureza do elemento corpóreo, como ser levado para baixo, ora, pela virtude da alma vegetativa, como nutrir-se e crescer, ora, pela parte sensitiva, como ver e ouvir, imaginar e lembrar-se, desejar e encolerizar-se. E entre essas operações há diferenças. Pois, as operações da alma sensitiva são de certo modo obedientes à razão e portanto são de certo modo racionais e humanas, isto é, enquanto obedientes à razão, como está claro no Filósofo. Quanto às operações resultantes da alma vegetativa, ou ainda da natureza elementar do corpo, essas não estão sujeitas à razão e portanto de nenhum modo são racionais nem humanas em sentido absoluto, mas só por uma parte da natureza humana.

Pois, como dissemos, quando o agente inferior age pela sua forma própria então a sua acção difere da do agente superior, mas quando o agente inferior não age senão enquanto movido pelo superior então ambos os agentes tem a mesma operação. Assim, pois, em qualquer homem puramente homem, uma é a operação do corpo elementar e da alma vegetativa e outra, a da vontade, que é propriamente humana, também e semelhantemente, uma é a operação da alma sensitiva, enquanto não movida pela razão e outra enquanto movida por ela, pois então, é a mesma que a da parte racional. Quanto à alma racional, ela só tem uma operação, se lhe atendermos ao princípio da operação, que é a razão ou a vontade, mas ela diversifica-se pelos seus diversos objectos. E essa diversidade uns chamaram-na diversidade, antes, de efeitos operados, que de operações, julgando a unidade de operação só relativamente ao princípio operativo. E é neste sentido que agora indagamos da unidade ou da pluralidade das operações de Cristo.

Portanto, no homem puro e simples, há só uma operação, chamada propriamente humana, além da qual, porém, há nele algumas outras operações, não propriamente humanas, como dissemos. Mas no homem Jesus Cristo não havia movimento da parte sensitiva que não fosse ordenado pela razão. Mesmo as operações naturais e corpóreas de certo modo pertenciam-lhe à vontade, por querer a sua vontade que a sua carne agisse e sofresse como lhe é próprio, segundo dissemos. E, pois, muito mais é una a operação de Cristo, que em qualquer outro homem.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A operação da parte sensitiva e também da nutritiva não é propriamente humana, como se disse. E contudo, em Cristo essas operações eram mais humanas, que nos outros.

RESPOSTA À SEGUNDA. — As potências e os hábitos diversificam-se por comparação com os seus objectos. Donde, a diversidade de operações responde à diversidade de potências e de hábitos, do mesmo modo pelo qual responde a objectos diversos. Ora, tal diversidade de operações não pretendemos excluir da humanidade de Cristo, assim como a determinada pela diversidade de instrumentos, mas só a procedente de um primeiro princípio activo, como se disse.

Donde se deduz clara a RESPOSTA À TERCEIRA OBJECÇÃO.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Temas para meditar - 369

Quaresma


De quanto disse sobressai com grande clareza que o jejum representa uma prática ascética importante, uma arma espiritual para lutar contra qualquer eventual apego desordenado a nós mesmos. Privar-se voluntariamente do prazer dos alimentos e de outros bens materiais, ajuda o discípulo de Cristo a controlar os apetites da natureza fragilizada pela culpa da origem, cujos efeitos negativos atingem toda a personalidade humana.


(bento xviMensagem para a Quaresma, 2009)

Evangelho, coment. L esp (Vida de Maria VI)

Tempo de Cinzas

Quarta-Feira de Cinzas

Evangelho: Mt 6 1-6 16-18  

1 «Guardai-vos de fazer as boas obras diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles. De contrário não tereis direito à recompensa do vosso Pai que está nos céus.2 «Quando, pois, dás esmola, não faças tocar a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem louvados pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa.3 Mas, quando dás esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita,4 para que a tua esmola fique em segredo, e teu Pai, que vê o que fazes em segredo, te pagará.5 «Quando orardes, não sejais como os hipócritas, que gostam de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das praças, a fim de serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa.6
16 «Quando jejuais, não vos mostreis tristes como os hipócritas que desfiguram o rosto para mostrar aos homens que jejuam. Na verdade vos digo que já receberam a sua recompensa.17 Mas tu, quando jejuares, unge a tua cabeça e lava o teu rosto,18 a fim de que não pareça aos homens que jejuas, mas sim a teu Pai, que está presente no oculto, e teu Pai, que vê no oculto, te dará a recompensa.

Comentário

Em todo o Evangelho é bem patente a reprovação que Jesus Cristo faz da hipocrisia.
Trata-se de um defeito infelizmente tão comum que quase não falamos dele e, no entanto, é um dos piores que o homem pode ter; em primeiro lugar porque se trata de uma condicionante da confiança e credibilidade e, depois, porque reflecte falta de inteireza de carácter e de critério.
O hipócrita actua de forma calculada e com o objectivo de mascarar uma situação ou o quer que faça, não é verdadeiro, leal, confiável.

(ama, comentário sobre Mt 6, 1-6. 16-18, 2014.03.05)


Leitura espiritual


Santíssima Virgem

Vida de Maria (VI)

A voz do Magistério

No relato da Visitação, São Lucas mostra como a graça da Encarnação, depois de ter inundado Maria, leva salvação e alegria à casa de Isabel. O Salvador dos homens, oculto no seio de Sua Mãe, derrama o Espírito Santo, manifestando-se já desde o início da Sua vinda ao mundo.

O evangelista, descrevendo a saída de Maria para a Judeia, usa o verbo anistemi, que significa levantar-se, pôr-se em movimento. Considerando que este verbo se usa nos evangelhos para indicar a ressurreição de Jesus (cfr. Mc 8, 31; 9, 9. 31; Lc 24 7. 46) ou acções materiais que envolvem um impulso espiritual (cfr. Lc 5, 27-28; 15, 18. 20), podemos supor que Lucas, com esta expressão, quer sublinhar o impulso vigoroso que leva Maria leva, sob a inspiração do Espírito Santo, a dar ao mundo o Salvador.

O texto evangélico refere, além disso, que Maria realiza a viagem "com pressa" (Lc 1, 39). Também a expressão "às montanhas" (Lc 1, 39), no contexto de Lucas, é muito mais do que uma simples indicação topográfica, pois permite pensar no mensageiro da boa nova descrito no livro de Isaías: "Como são belos sobre os montes os pés do mensageiro que anuncia a paz, que traz a boa notícia, que anuncia a salvação, que diz a Sião: o teu Deus reina!" (Is 52, 7).

Assim como manifesta São Paulo, que reconhece o cumprimento deste texto profético na pregação do Evangelho (cfr. Rm 10, 15), assim também São Lucas parece convidar a ver em Maria a primeira evangelista, que difunde a boa nova, começando as viagens missionárias do seu divino Filho.

A direcção da viagem da Virgem Santíssima é particularmente significativa: será da Galileia à Judeia, como o caminho missionário de Jesus (cfr. Lc 9, 51). Com efeito com a sua visita a Isabel, Maria realiza o prelúdio da missão de Jesus e, colaborando já desde o início da sua maternidade na obra redentora do Filho, transforma-se no modelo daqueles que na Igreja se põem a caminho para levar a luz e a alegria de Cristo aos homens de todos os lugares e de todos os tempos.

São João Paulo II (séc. XX), Discurso na audiência geral de 2-X-1996.

* * * * *

O Magnificat é um cântico que revela em filigrana a espiritualidade dos anawim bíblicos, isto é, daqueles fiéis que se reconhecem "pobres" não só no desapego de qualquer idolatria da riqueza e do poder, mas também na humildade profunda do coração, despojado da tentação do orgulho, aberto à irrupção da graça divina que salva…

O primeiro movimento do cântico mariano (cf. Lc 1, 46-50) é uma espécie de voz solista que se eleva em direcção ao céu para alcançar o Senhor. Ouvimos precisamente a voz de Nossa Senhora que fala assim do seu Salvador, que fez maravilhas na sua alma e no seu corpo. Com efeito, observe-se o ressoar constante da primeira pessoa: "A minha alma... o meu espírito... meu salvador... chamar-me-ão bem-aventurada... fez grandes coisas em mim...". A alma da oração é, portanto, a celebração da graça divina que transbordou no coração e na existência de Maria, tornando-a a Mãe do Senhor.

A estrutura íntima do seu canto é, portanto, o louvor, o agradecimento, a alegria agradecida. Mas este testemunho pessoal não é solitário, intimista ou puramente individualista, porque a Virgem Mãe está consciente de ter uma missão a cumprir pela humanidade e de que a sua vida se insere na história da salvação. E assim pode dizer: "A sua misericórdia estende-se de geração em geração sobre aqueles que o temem" (v. 50). Com este louvor ao Senhor, Nossa Senhora dá voz a todas as criaturas redimidas, que no seu Fiat, assim como na figura de Jesus nascido da Virgem, encontram a misericórdia de Deus.

Neste ponto desenvolve-se o segundo movimento poético e espiritual do Magnificat (cf. vv. 51-55). Ele possui uma tonalidade mais coral, como que se à voz de Maria se associasse a da inteira comunidade dos fiéis que celebram as escolhas surpreendentes de Deus. No original grego do Evangelho de Lucas temos sete verbos no aoristo (NT: um dos tempos pretéritos da conjugação grega), que indicam igual número de acções que o Senhor realiza de modo permanente na história: "Manifestou o poder do seu braço... dispersou os soberbos. Derrubou os poderosos e exaltou os humildes. Aos famintos encheu-os de bens... despediu os ricos... acolheu Israel".

Nestas sete acções divinas é evidente o "estilo" no qual o Senhor da história inspira o seu comportamento: ele declara-se do lado dos últimos. O seu projecto com frequência está escondido sob o terreno obscuro das vicissitudes humanas, que veem triunfar "os soberbos, os poderosos e os ricos". Contudo a sua força secreta está destinada a revelar-se no final, para mostrar quem são os verdadeiros predilectos de Deus: "Os que o temem", fiéis à sua palavra; "os humildes, os famintos, Israel seu servo", isto é, a comunidade do povo de Deus que, como Maria, está constituída por aqueles que são "pobres", puros e simples de coração. É aquele "pequeno rebanho" que está convidado a não temer, porque ao Pai aprouve conceder-lhe o seu reino (cf. Lc 12, 32). E assim este cântico convida a associarmo-nos a este pequeno rebanho, a ser realmente membros do Povo de Deus na pureza e na simplicidade do coração no amor de Deus.

Aceitemos então o convite, que no seu comentário ao texto do Magnificat, nos dirige santo Ambrósio. O grande Doutor da Igreja diz: "Esteja em cada um a alma de Maria que engrandece o Senhor, esteja em todos o espírito de Maria que exulta em Deus; se, segundo a carne, uma só é a mãe de Cristo, segundo a fé todas as almas geram Cristo; de facto, cada uma acolhe em si o Verbo de Deus... A alma de Maria engrandece o Senhor, e o seu espírito exulta em Deus, porque, consagrada com a alma e com o espírito ao Pai e ao Filho, ela adora com afecto devoto um só Deus, do qual tudo provém, e um só Senhor, em virtude do qual todas as coisas existem" (Exposição do Evangelho segundo Lucas, 2, 26-27: SAEMO, XI, Milão-Roma 1978, p. 169).

Neste maravilhoso comentário do Magnificat de santo Ambrósio sensibiliza-me de modo particular a palavra surpreendente: "Se, segundo a carne, uma só é a mãe de Cristo, segundo a fé todas as almas geram Cristo: de facto cada uma acolhe em si o Verbo de Deus". Assim o santo Doutor, interpretando as palavras de Nossa Senhora, convida-nos a fazer com que o Senhor encontre um abrigo na nossa alma e na nossa vida. Não devemos apenas levá-lo no coração, mas devemos levá-lo ao mundo, de forma que também nós possamos gerar Cristo para o nosso tempo. Peçamos ao Senhor que nos ajude a magnificá-lo com o Espírito e com a alma de Maria e a levar de novo Cristo ao nosso mundo.

Bento XVI (séc. XXI), Discurso na audiência geral, 15-II-2006.

A voz dos Padres

Há que considerar que o superior se dirigiu ao inferior para o ajudar: Maria a Isabel, Cristo a João. E, no momento da chegada de Maria, manifestam-se os benefícios da presença divina. Repara de que modo tão distinto em cada um deles! Isabel ouve primeiro a voz, mas João a primeira coisa que sente é a graça. Ela percebeu de acordo com a ordem natural, ele alegrou-se com o mistério sobrenatural. Ela notou a chegada de Maria; ele, a do Senhor. E quando o filho ficou cheio do Espírito Santo, então encheu-se também a mãe (...).

Donde me é dado que venha ter comigo a Mãe do meu Senhor? (Lc 1, 43). Não fala como uma ignorante, mas, reconhece, antes, o efeito da graça divina, não do mérito humano. Quer dizer: porque me chega esta felicidade, que venha a Mãe do meu Senhor ter comigo? Reconheço que não tenho nada que o exigisse. Por que justiça, por que acções, por que méritos? Pressinto o milagre, reconheço o mistério: a Mãe do Senhor está grávida do Verbo, cheia de Deus (...).

Maria ficou com Isabel cerca de três meses; depois voltou para sua casa (Lc 1, 56). Compreende-se bem que Santa Maria, por um lado, prestasse os seus serviços e, por outro, o fizesse durante um número simbólico de meses. Não ficou tanto tempo só por ser parente, mas também para proveito do profeta: pois, se só a sua entrada produziu um efeito tão grande que, com a saudação de Maria, o menino saltou de gozo no seio materno e a mãe [Isabel] ficou cheia do Espírito Santo, em quanto quantificaremos os efeitos da presença de Maria durante tanto tempo?

Santo Ambrósio de Milão (séc. IV), Exposição do Evangelho segundo São Lucas 2, 22-23.25.29.

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A saudação de Maria foi eficaz pois encheu Isabel do Espírito Santo. Com a sua língua, mediante a profecia, fez brotar para a sua prima, como de uma fonte, um rio de dons divinos. Com efeito, aonde chega a cheia de graça, tudo fica cheio de alegria.

Isabel ficou cheia do Espírito Santo e exclamou em alta voz: «Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. Donde me é dado que venha ter comigo a Mãe do meu Senhor?" (Lc 1, 42-43). Bendita entre as mulheres! Tu, com efeito, converteste-te para elas em princípio de regeneração. Destes-nos a licença para entrar no Paraíso e afastaste a antiga dor. A partir de ti, o género humano deixa de ser insultado. Os herdeiros de Eva já não têm medo da antiga maldição, porque Cristo, Redentor dos homens, Salvador da natureza, Adão espiritual, procede do teu ventre para curar as feridas do homem terreno.

Pseudo Gregório Taumaturgo (séc. V), Homilia II sobre a Anunciação

* * * *

De que forma pode a alma engrandecer o Senhor? Com efeito, se Deus não pode crescer nem diminuir, dado que é aquele que é, por que motivo diz agora Maria: a minha alma glorifica o Senhor? (Lc 1, 46).

Do mesmo modo que os pintores de retratos, uma vez que escolheram como modelo, por exemplo, o rosto do rei, põem toda a sua habilidade de artistas na reprodução desse único modelo, assim também cada um de nós, transformando a sua alma à imagem de Cristo, compõe um retrato d’Ele que será mais ou menos perfeito; umas vezes, descuidado e sujo; outras vezes, claro e luminoso, parecido com o original.

«Assim também, quando tiver feito grande a imagem da imagem, que é a minha alma; quando a tiver engrandecido com as obras, com o pensamento e com as palavras, então a imagem de Deus torna-se cada vez mais clara e o próprio Senhor, de quem a alma é imagem, é engrandecido na nossa própria alma. E como o Senhor cresce na nossa imagem, assim também, se somos pecadores, Ele diminui e decresce».

Orígenes (séc. III), Comentário ao Evangelho de São Lucas 8, 2.

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A voz dos santos

Sucede, por vezes, que o pecador procura numa coisa o que não poderá encontrar e pelo contrário encontra-a o justo: a riqueza do pecador está reservada para o justo (Prv 13, 22). Assim, Eva deitou a mão ao fruto e não achou nele tudo o que desejava; a Santíssima Virgem, pelo contrário, encontrou no seu fruto tudo o que Eva tinha desejado.

Eva procurou três coisas no seu fruto:

Primeiro, o que enganosamente lhe tinha prometido o demónio, ser como deus, conhecedores do bem e do mal. E mentiu; porque é mentiroso e pai da mentira. Eva, por ter comido do fruto, não veio a ser semelhante a Deus, mas muito diferente; com o pecado afastou-se de Deus seu Salvador e foi expulsa do Paraíso. Maria, pelo contrário, encontrou-o no fruto do seu ventre e com Ela todos os cristãos, pois por Cristo unimo-nos e tornamo-nos semelhantes a Deus.

Segundo, Eva no seu fruto procurou prazer, pois tinha parecido bom para comer; mas não o obteve, antes se deu conta, imediatamente, de que estava despida e sentiu dor. No fruto da Virgem, pelo contrário, encontramos doçura e sabor.

Terceiro, o fruto de Eva era formoso à vista; mas mais formoso é o de Maria, a Quem os Anjos desejam contemplar. Por conseguinte, Eva não pôde encontrar no seu fruto o que também não encontra nenhum pecador no seu pecado. Busquemos, pois, o que ansiamos, no fruto da Virgem».

São Tomás de Aquino (séc. XIII), Exposição da Ave-maria.




Conversão de São Paulo

No dia 25 de Janeiro a Igreja comemora a conversão de São Paulo.
Habituámo-nos a olhar para Saulo como um homem terrível, um criminoso que perseguia os cristãos para os matar. Enfim um homem que nada tinha a ver com Deus.

E realmente pelo que a Bíblia nos conta, Saulo, perseguia os cristãos para os prender, para os entregar à justiça daqueles tempos, justiça essa que invariavelmente os condenava à morte.
Tal se percebe logo no relato do martírio de Santo Estêvão, em que Saulo está presente, pois o Livro dos Actos dos Apóstolos narra especificamente que: «As testemunhas depuseram as capas aos pés de um jovem chamado Saulo.» Act 7, 58
Mas Saulo não era um homem “fora de Deus”!

Pelo contrário, Saulo era um homem que procurava Deus, que procurava viver Deus na sua vida, que estudava e tinha conhecimentos profundos das Escrituras e tentava vivê-las o mais fielmente que lhe era possível.
Devemos lembrar-nos que naqueles tempos as leis não eram as leis que hoje temos e que, portanto, aquilo que hoje aos nossos olhos é incompreensível, (os martírios, etc.), eram naquele tempo compreendidos de outro modo.
Aliás, os ensinamentos de Jesus Cristo vieram precisamente mudar esse tipo de leis, para fazer compreender aos homens que Deus é amor e que tudo o que é feito em seu nome tem de ser feito em amor.

Saulo era portanto um homem que procurava Deus, que procurava com entrega total servir a Deus.
Quando Saulo se desloca para Damasco, (a pé, porque os Actos dos Apóstolos não nos referem cavalo algum), vai na sua consciência para servir a Deus, pois a sua missão era prender aqueles que seguiam a Cristo e que nesse tempo eram entendidos como uma seita fora de Deus.

E, «quem procura, encontra» Mt 7, 8, por isso Saulo, nessa sua procura de Deus, vai encontra-lO num caminho em que ele nunca esperaria ter essa posibilidade.
É o próprio Jesus Cristo que o vai fazer entender que o Deus que Saulo procura é Aquele que ele mesmo persegue. «Saulo, Saulo, porque me persegues?» Act 9, 4

A resposta de Saulo leva-nos logo a perceber que embora pergunte, «Quem és Tu, Senhor?», ele já sabe que encontrou o Deus a quem quer servir, pois logo O trata por Senhor.
De tal maneira O encontra que não hesita nem um pouco em fazer tudo aquilo que aquele Senhor lhe ordena que faça.
Saulo encontra Deus e uma vida nova lhe é dada, uma vida de inteiro serviço a Deus, uma vida já não como Saulo, mas agora como Paulo.

Duas notas interessantes são as seguintes:
1 – Saulo perseguia os cristãos e a voz que o interroga, Jesus Cristo, perguntando «porque me persegues?», faz perceber que, ao perseguir os cristãos, Saulo persegue o próprio Cristo, o próprio Deus, que assim se faz Um connosco.
Como nos diz o próprio São Paulo na Primeira Carta aos Coríntios, explicando-nos o Corpo Místico de Cristo: «Assim, se um membro sofre, com ele sofrem todos os membros; se um membro é honrado, todos os membros participam da sua alegria.» 1Cor 12, 26

2 – Não interessa o que fizemos no nosso passado, se verdadeiramente queremos encontrar Deus nas nossas vidas.
Se O procuramos de coração aberto, Ele faz-se encontrado connosco, toma-nos pela mão, e faz de nós mulheres e homens novos.

Marinha Grande, 19 de Janeiro de 2015

Joaquim Mexia Alves

Pequena agenda do cristão

Quarta-Feira


(Coisas muito simples, curtas, objectivas)


Propósito:

Simplicidade e modéstia.


Senhor, ajuda-me a ser simples, a despir-me da minha “importância”, a ser contido no meu comportamento e nos meus desejos, deixando-me de quimeras e sonhos de grandeza e proeminência.


Lembrar-me:
Do meu Anjo da Guarda.


Senhor, ajuda-me a lembrar-me do meu Anjo da Guarda, que eu não despreze companhia tão excelente. Ele está sempre a meu lado, vela por mim, alegra-se com as minhas alegrias e entristece-se com as minhas faltas.

Anjo da minha Guarda, perdoa-me a falta de correspondência ao teu interesse e protecção, a tua disponibilidade permanente. Perdoa-me ser tão mesquinho na retribuição de tantos favores recebidos.

Pequeno exame:

Cumpri o propósito que me propus ontem?