Dentro
do Evangelho – (cfr:
São Josemaria, Sulco 253)
Personagem –
Jairo
Na
sua viagem no mar da vida, Jairo, encontra-se com a tempestade. O drama da
doença, da morte eminente da sua filha querida. É um personagem importante, mas
perante a gravidade da situação sabe, no mais íntimo do seu coração que só com
um milagre a sua filha poderá a saúde e alguém lhe terá dito que, Jesus,
poderia fazer esse milagre. Talvez tenha ouvido falar dos milagres recentes que
Ele fizera. Na sequência do Evangelho de São Mateus, Jesus tinha vindo de
Gerasa e, decerto, os acontecimentos extraordinários, os dois mil porcos
precipitados no mar como “preço”, da cura do endemoninhado,[i] teriam
chegado ao seu conhecimento. Também poderá ter ouvido falar do filho da viúva
de Naim, ressuscitado em pleno cortejo fúnebre. Vai, portanto, ter com Ele à
praia, não espera que o chame, adianta-se e decide-se. A situação é grave, a tormenta violentíssima.
«Cai-lhe aos pés»[ii], diz
expressamente o Evangelho. Uma atitude de enorme humildade, de profunda
entrega. Cair aos pés de Jesus é “meio caminho andado” para alcançar a
misericórdia que se implora. Que tem de mais ajoelhar-me? Não é Ele o Criador e
Senhor de todas as coisas? Esta passagem tão linear deve fazer-me pensar na
facilidade com que, por vezes, me aproximo de Jesus, por exemplo, em frente do
Sacrário, onde Ele está presente em Corpo, Alma e Divindade como me comporto? Ajoelho
reverentemente ou, se não o posso fazer, detenho-me sem pressas e faço uma
vénia conveniente, sentida, própria de quem se sabe servo que cumprimenta o seu
Senhor? E como O recebo na Sagrada Comunhão? Aproximamo-me com respeito, com
profundo recolhimento interior? Se Ele Se me entrega em Corpo, Alma e Divindade
para meu alimento, não será para mim bastante recebê-lo como alimento? A comunhão deve ser um acto íntimo e
respeitoso, feito com decoro e compenetração. Diria até, com cerimónia.
Trata-se de Deus Nosso Senhor, Criador dos Céus e da Terra e de todas as coisas
visíveis e invisíveis. O respeito, nunca demasiado, pelas coisas sagradas e,
sobretudo, pela Sagrada Eucaristia, deve ser uma atitude permanente em mim e
deveria esforçar-me para o fazer também sentir aos outros. Lembra-me de
antigamente se comungar de joelhos, que é a atitude natural de recolhimento
interior e respeito do homem para com Deus. Os tempos são outros, evidentemente,
e a prática comum hoje em dia é comungar-se de pé. Ajoelhar-se diante de Jesus
é uma atitude constante no Evangelho. Pouco antes deste relato sobre Jairo, São
Marcos conta-nos o que aconteceu com um leproso: «Vem ter com Ele um leproso que, suplicando e lançando-se de joelhos Lhe
diz: Se quiseres, podes limpar-me»[iii]. De
facto, qualquer atitude corporal pode ser adequada para se falar com Deus.
Perante o nosso progenitor também não costumamos tomar nenhuma atitude
especial, claro está, dentro das normas do respeito que nos merece mas, na
oração, que é o meu diálogo com Deus a minha postura deverá ser, além de amor
filial, e preferencialmente, de recolhimento, de veneração de reconhecimento do
meu “nada” perante o Criador de todas as coisas. A resposta de Jesus a esta
postura de humildade e entrega confiante é sempre generosa, pronta,
extraordinária. Ele comove-Se, enternece-Se, sente-Se movido a satisfazer o que
peço.[iv]
Jairo
não sabe nada destas coisas, sabe apenas que, aquele Homem em frente do qual se
prostra é a sua única esperança naquela grande aflição. Reconhece, assim, a Omnipotência
de Jesus e, por causa deste reconhecimento que é já, em si mesmo, uma graça de
Deus, toma a atitude de entrega, de submissão, de profundo respeito por Quem,
sabe no íntimo do seu coração de pai amargurado, pode salvar a sua filha. Jesus
tem de se deter junto daquele homem que se ajoelha aos Seus pés. A conversa
interrompe-se, faz-se silêncio na multidão próxima, todos ficam expectantes do
que se vai seguir. Jairo explica, certamente com um acento de ansiedade: «A minha filhinha está em agonia, Vem
impor-Lhe as mãos, para que se salve e viva!»[v] Jesus entende muito bem a mensagem. Nela,
Jairo, diz tudo quanto quer, o que precisa, o que deseja do Mestre. Diz o que o
traz ali, à Sua presença, a urgência que o impele, a gravidade da situação que
o consome e, com total confiança, faz o pedido, simples, concreto, objectivo. É
assim que devo rezar. Não me ficarmos por “generalidades”. Como as crianças,
dizer exactamente o que desejo, pedir o que quereo, abrir a alma e o coração
sem medos nem receios. Como as crianças – Pai, quero isto, quero aquilo –, sem rodeios nem falsas razões. O Senhor sabe
muito bem o que preciso e o que é melhor para mim e nunca deixará de me ouvir
como desejamo ser ouvido; dar-me o que peçp depende da Sua Vontade e do bem que
o que peço pode, ou não, ser para mim. Mas, Ele, sabe mais, sempre, fará o que
é melhor para mim, por isso mesmo posso – e devo dizer: ‘Sei que farás sempre
melhor que aquilo que Te peço. Aceito a Tua Vontade Santa sobre todas as
coisas. Ámen.
Voltamos
ao leproso. «Se quiseres podes
limpar-me».[vi].
Que manifestação de fé, confiança
absoluta no Senhor! Uma confissão tão simples, sem rodeios, sem muitas palavras
não pode deixar de tocar no fundo do Coração amantíssimo de Jesus. Ele olha
para aquele homem, um destroço humano de quem todos se afastam com repulsa e
compadece-Se de tal forma que faz algo tão extraordinário, - que deve ter
espantado tanto os circunstantes -, que o evangelista achou que o deveria fazer
constar: «Ele, enternecido, estendeu a
mão e tocou-o».[vii] Jesus não sente repulsa por ninguém,
por mais doente que o homem possa estar, por mais grave ou horroroso que seja o
mal que o afecta. Pois se não há pior mal que o pecado, nem nada mais horrível,
e, Ele, nos acolhe, esquece, perdoa! Jesus não me afasta nunca, sou eu que me
afasto deLe. Há uma frase de Jesus que me deve tranquilizar a este respeito: «Em verdade vos digo que aos filhos dos
homens serão perdoados todos os pecados e todas as blasfémias que proferirem».[viii]
Que afirmação extraordinária, esta, de Jesus! Que entranhas de misericórdia!
Quem, entre os homens, poderia alguma vez dizer tal coisa? Eu que, muitas vezes
ando carregado com uma lista de agravos, desconsiderações, atropelos; que, penso,
me são feitos; a minha dignidade ferida; a importância que me atribuí-o
desprezada; as qualidades, que julgo possuir, ignoradas… não me lembrando,
quase nunca, das vezes que fiz juízos, pensei o pior, avistei defeitos, erros,
incongruências, coisas estranhas; os comentários, as lucubrações, insinuando,
levantando a dúvida, a suspeita… vou, assim, pela vida, muitas vezes, com uma
postura de personagem ferida sem repararmos que, a maior parte das vezes, o
único ferimento que ostento está no meu orgulho. Jesus, não! Perdoa tudo,
absolutamente, quando, arrependido e contrito, me ajoelho aos Seus pés e Lhe peço
perdão. Mas não só perdoa, o que já seria muito, esquece e coloca-me novamente
ao pé de Si como se nunca dali tivesse saído. Como o pai do filho pródigo, restitui-me a
posição, a dignidade e a liberdade: o anel no dedo, o melhor vestido, as
sandálias nos pés. E eu, pecador miserável, vou e venho, uma e outra vez, quase
sempre pelos mesmos motivos, com as mesmas faltas, numa repetição de erros,
abandonos, fraquezas e, Ele, sempre à minha espera e mal me avista ao longe «corre ao nosso encontro a lançar-se ao nosso
pescoço e a beijar-nos».[ix]
Eu, na hora de perdoar, guardo, quase sempre, uma pequena “reserva” que, mais
tarde, a propósito e a despropósito, talvez lembre. Claro, Jesus, é Deus e, eu sou humano, mas, não obstante, Ele quer que O
imitem em tudo, mas, sobretudo, no perdão. Por isso fez constar na oração que
ensinou, de uma forma muito clara, essa necessidade de perdoar para ser
perdoado. Se Deus fizesse exactamente o que Lhe pedço e me perdoasse só na
medida em que perdoo os outros – tal como
rezo no Pai-nosso – que desgraçado seria. Felizmente, que o Senhor sabe muito
bem de que “massa sou feito” e, na Sua Infinita Misericórdia concede-me um
“desconto” precioso no meu compromisso. Tão difícil perdoar! Tão difícil não
julgar!
Senhor,
ajuda-me a conter-me no meu tão frequente julgamento dos outros. Intimamente e
de viva voz. Põe na minha frente o espelho dos meus próprios defeitos e faltas
de carácter, tudo aquilo que julgo ver nos outros. Não valho nada, não sei
nada, não tenho nada, não sou nada»
Ao ver a Seus pés aquele pai angustiado, com
certeza que Jesus Se debruçou a levantá-lo do solo. Jairo é tão claro e
determinado, mostra tanta confiança e fé que Jesus foi «com ele». Cristo não precisa de grandes discursos, de interpelações
grandiloquentes para que a Sua misericórdia se manifeste. Deseja tão só que Lhe
peça o que quero. Ele já decidirá se o nosso pedido é justo e nos convém que
seja atendido. Orar, no fim e ao cabo, é a forma que tenho de me relacionar com
o Senhor e, orar é… é falar com Deus.
Ele
sabe muito bem quem eu sou e o que sou, conhece-me intimamente e, por isso
mesmo, não se importa que me considere indigno, como de facto sou, e de, não
obstante, me dirigir a Ele com familiaridade. Quer, deseja, que seja Seu amigo
e, os amigos, não têm “cerimónias” uns com os outros.
Links sugeridos:
Evangelho/Biblia
Santa Sé