Evangelho
São
João 6 35 a 51
Jesus é o Pão da Vida -
35 Jesus respondeu-lhes: Eu sou o pão da vida; aquele
que vem a Mim não terá jamais fome, e aquele que crê em Mim não terá jamais sede. 36 Porém, já vos disse que
vós Me vistes e não credes. 37 Tudo o que O Pai me dá virá a Mim; e aquele que
vema Mim não o lançarei fora. 38 Porque
descido Céu não para fazer a Minha vontade mas avontade daqueLe que Me enviou.
39 Ora a vontade dequele que Me enviou é que Eu não perca nada do que Me deu, mas que o ressuscite no último
dia. 40 A vontade de Meu Pai que Me enviou é que todo o que vê O Filho e crê
nEle tenha a vida eterna, e Eu o ressuscitarei no último dia. 41 Murmuravam então dEle os judeus, porque dissera: Eu sou
o pão que desceu do Céu. 42 Diziam: Porventura não é este, aquele Jesus filho
de José, cujo Pai e Mãe nós conhecemos? Como, pois, diz Ele: Desci do Céu? 43
Jesus, replicando, disse-lhes: Não murmureis entre vós. 44 Ninguém pode vir a
Mim se O Pai que Me enviou não o atrair e Eu o ressuscitarei no último dia. 45
Está escrito no Profetas: E serão todos ensinados por Deus. Portanto,todo
aquele que ouve e aprende do Pai vem a Mim. 46 Não porque alguém tenha visto o
Pai; excepto Aquele que vem de Deus; Esse viu o Pai. 47 Em verdade,em verdade
vos digo: O que crêem Mim tem a vida eterna. 48 Eu sou o pão da vida. 49 Vossos
pais comeram o maná no deserto e morreram. 50 Este é o pão que desceu do Céu
para que aquele que dele comer não morra. 51 Eu sou o pão vivo descido do céu.
Quem comer deste pão viverá eternamente; e o pão que Eu darei é a minha Carne
para salvação do mundo.
Cristo
que passa
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Apostolado, co-redenção
Com a maravilhosa
normalidade do divino, a alma contemplativa derrama-se em afã apostólico:
ardia-me o coração dentro do peito, ateava-se o fogo na minha meditação.
Que fogo é esse senão aquele de que fala
Cristo: «Vim trazer fogo (do amor divino) à Terra: e que quero eu
senão que se acenda?»
Fogo de apostolado que se
robustece na oração: não há meio melhor do que este para desenvolver através de
todo o mundo, essa batalha pacífica em que cada cristão está chamado a
participar: cumprir o que resta padecer a Cristo.
Jesus subiu aos céus,
dizíamos.
Mas o cristão pode, na
oração e na Eucaristia, conviver com Ele nos mesmos moldes dos primeiros doze,
abrasar-se no seu zelo apostólico, para com Ele fazer um serviço de
co-redenção, que é semear a paz e a alegria.
Servir, pois o apostolado
não é outra coisa.
Se contarmos exclusivamente
com as nossas próprias forças, nada conseguiremos no terreno sobrenatural;
sendo instrumentos de Deus, conseguiremos tudo: “tudo posso n'Aquele que me
conforta”.
Deus, pela, Sua infinita
bondade, dispôs-Se a utilizar estes instrumentos ineptos.
Daí que o Apóstolo não tenha
outro fim senão deixar agir o Senhor, mostrar-se inteiramente disponível, para
que Deus realize - através das Suas criaturas, através da alma escolhida - a Sua
obra salvadora.
Apóstolo é o cristão que se
sente inserido em Cristo, identificado com Cristo, pelo Baptismo; habilitado a
lutar por Cristo pela Confirmação; chamado a servir a Deus com a sua acção no
mundo, pelo sacerdócio comum dos fiéis, que confere uma certa participação no
sacerdócio de Cristo, a qual - sendo essencialmente diferente da que constitui
o sacerdócio ministerial - o torna capaz de tomar parte no culto da Igreja e de
ajudar os homens no seu caminho para Deus, com o testemunho da palavra e do
exemplo, com a oração e a expiação.
Cada um de nós há-de ser ipse Christus, o próprio Cristo.
Ele é o único mediador entre
Deus e os homens; e nós unimo-nos a Ele para oferecer, com Ele, todas as coisas
ao Pai.
A nossa vocação de filhos de
Deus, no meio do mundo, exige-nos que não procuremos apenas a nossa santidade
pessoal, mas que vamos pelos caminhos da terra, para convertê-los em atalhos
que, através dos obstáculos, levem as almas ao Senhor; que participemos, como
cidadãos normais e correntes, em todas as actividades temporais, para sermos
levedura que há-de informar toda a massa.
Cristo subiu aos céus, mas
transmitiu a tudo o que é honestamente humano a possibilidade concreta de ser
redimido.
São Gregório Magno trata
este grande tema cristão com palavras incisivas: “Partia assim Jesus para o
lugar de onde era e voltava do lugar em que continuava a morar. Efectivamente,
no momento em que subia ao Céu, unia com a sua divindade o Céu e a Terra. Na
festa de hoje convém destacar solenemente o facto de que tenha sido suprimido o
decreto que nos condenava, o juízo que nos tornava sujeitos à corrupção.
A natureza a que se dirigiam
as palavras "tu és pó e em pó te hás-de tornar" (Gen. 3, 19), essa mesma natureza
subiu hoje ao Céu com Cristo”.
Não me cansarei de repetir,
portanto, que o mundo é santificável e que a nós, cristãos, nos toca
especialmente essa tarefa, purificando-o das ocasiões de pecado com que os
homens o tornam feio e oferecendo-o ao Senhor como Hóstia espiritual,
apresentada e dignificada com a graça de Deus e o nosso esforço.
Em rigor, não se pode dizer
que haja nobres realidades exclusivamente profanas, uma vez que o Verbo se
dignou assumir uma natureza humana íntegra e consagrar a Terra com a sua
presença e com o trabalho das suas mãos.
A grande missão que
recebemos, no Baptismo, é a co-redenção. Urge-nos a caridade de Cristo para
tomarmos sobre os nossos ombros uma parte dessa tarefa divina de resgatar as almas.
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Olhai: “a Redenção, que
ficou consumada quando Jesus morreu na vergonha e na glória da Cruz, escândalo
para os judeus, loucura para os gentios, por vontade de Deus continuará a
fazer-se até que chegue a hora do Senhor”.
Não é compatível viver de
acordo com o Coração de Jesus Cristo e não nos sentirmos enviados como Ele, peccatores
salvos facere, a salvar todos os pecadores, convencidos de que nós mesmos
precisamos de confiar cada dia mais na misericórdia de Deus.
Daí, o desejo veemente de
nos considerarmos corredentores com Cristo, de salvar com Ele todas as almas,
porque somos, queremos ser, ipse Christus, o próprio Jesus Cristo e Ele
deu-Se a Si mesmo em resgate de todos.
Temos uma grande tarefa à
nossa frente.
Não é possível a atitude de
ficarmos passivos porque o Senhor declarou expressamente: «negociai até eu
vir».
Enquanto esperamos o
regresso do Senhor que voltará a tomar posse plena do Seu Reino, não podemos
estar de braços cruzados.
A extensão do Reino de Deus não
é só tarefa oficial dos membros da Igreja que representam Cristo, por d'Ele
terem recebido os poderes sagrados.
“Vos autem estis corpus
Christi, vós também sois Corpo de Cristo”, ensina-nos o Apóstolo, com o mandato
concreto de negociar até ao fim.
Ainda está tanta coisa por
fazer!
Será que em vinte séculos
não se fez nada?
Em vinte séculos
trabalhou-se muito.
Não me parece, nem objectivo
nem honrado o afã de alguns em menosprezar a tarefa daqueles que nos
precederam.
Em vinte séculos realizou-se
um grande trabalho e, com frequência, foi muito bem realizado.
Outras vezes houve
desacertos, regressões, como também há agora retrocessos, medo, timidez, ao
mesmo tempo que não falta valentia, generosidade.
Mas a família humana
renova-se constantemente; em cada geração é preciso continuar com o empenho de
ajudar o homem a descobrir a grandeza da sua vocação de filho de Deus e é
necessário inculcar o mandamento do amor ao Criador e ao nosso próximo.
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Cristo ensinou-nos,
definitivamente, o caminho desse amor a Deus: o apostolado é o amor de Deus,
que transborda, dando-se aos outros. A vida interior supõe crescimento na união
com Cristo, pelo Pão, e pela Palavra.
E o afã de apostolado é a
manifestação exacta, adequada, necessária à vida interior.
Quando se saboreia o amor de
Deus sente-se o peso das almas.
Não se pode dissociar a vida
interior do apostolado, como não é possível separar em Cristo o seu ser de
Deus-Homem e a sua função de Redentor.
O Verbo quis encarnar para
salvar os homens, para fazê-los com Ele uma só coisa.
Esta é a razão da sua vinda
ao mundo: por nós e pela nossa salvação, desceu do Céu, rezamos no Credo.
Para o cristão, o apostolado
resulta conatural; não é algo que se acrescente, que se justaponha, alheio à
sua actividade diária, à sua ocupação profissional.
Tenho-o dito sem cessar,
desde que o Senhor dispôs que surgisse o Opus Dei!
Trata-se de santificar o
trabalho vulgar, de santificar-se nessas ocupações e de santificar os outros
com o exercício da profissão, cada um no seu próprio estado.
O apostolado é como a
respiração do cristão: um filho de Deus não pode viver sem esse pulsar
espiritual.
A festa de hoje recorda-nos
que o zelo pelas almas é um mandato amoroso do Senhor, que, ao subir para a sua
glória, nos envia como testemunhas suas pelo mundo inteiro.
Grande é a nossa
responsabilidade, porque ser testemunha de Cristo significa, antes de mais
nada, procurarmos comportar-nos segundo a Sua doutrina, lutar para que a nossa
conduta faça recordar Jesus e evoque a sua figura amabilíssima. Precisamos de
conduzir-nos de tal maneira, que os outros ao ver-nos possam dizer: este é
cristão, porque não odeia, porque sabe compreender, porque não é fanático,
porque está acima dos instintos, porque é sacrificado, porque manifesta sentimentos
de paz, porque ama.
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O trigo e o joio
Tracei-vos, com a doutrina
de Cristo, não com as minhas ideias, um caminho ideal para o cristão.
Concordais que é elevado,
sublime, atractivo. Mas talvez nos interroguemos: será possível viver assim na
sociedade de hoje?
É certo que o Senhor nos
chamou em momentos em que muito se fala de paz e não há paz: nem nas almas, nem
nas instituições, nem na vida social, nem entre os povos.
Fala-se continuamente de
igualdade e de democracia e abundam as castas: fechadas, impenetráveis.
Chamou-nos num tempo em que
se clama pela compreensão e a compreensão brilha pela sua ausência,
inclusivamente entre pessoas que agem de boa-fé e querem praticar a caridade,
porque - não esqueçais - a caridade, mais do que em dar, está em compreender.
Atravessamos uma época em
que os fanáticos e os intransigentes - incapazes de admitir as razões dos
outros - se põem a salvo, tachando de violentos e agressivos os que são as suas
vítimas.
Chamou-nos, enfim, quando se
ouve tagarelar muito sobre unidade e talvez seja difícil conceber que possa
tolerar-se maior desunião entre os próprios católicos, para não falar já dos
homens em geral.
Eu nunca faço considerações
políticas, porque esse não é o meu ofício. Para descrever sacerdotalmente a
situação do mundo actual, é suficiente que pensemos de novo numa parábola do
Senhor: a do trigo e do joio.
O reino dos céus é
semelhante a um homem que semeou boa semente no seu campo.
Porém, enquanto os
trabalhadores dormiam, veio o seu inimigo, e semeou joio no meio do trigo, e
foi-se embora.
Está claro: o campo é fértil
e a semente é boa; o Senhor do campo lançou às mãos cheias a semente no momento
propicio e com arte consumada; além disso, preparou toda uma vigilância para
proteger a recente sementeira.
Se depois apareceu o joio, é
porque não houve correspondência, já que os homens - os cristãos especialmente
- adormeceram e permitiram que o inimigo se aproximasse.
Quando os servidores
irresponsáveis perguntam ao Senhor porque cresceu o joio no seu campo, a
explicação salta aos olhos: inimicus homo hoc fecit, foi o inimigo!
Nós, os cristãos, que
devíamos estar vigilantes para que as coisas boas, postas pelo Criador no
mundo, se desenvolvessem ao serviço da verdade e do bem, adormecemos - triste
preguiça, esse sono! -, enquanto o inimigo e todos os que o servem se moviam
sem descanso.
Bem vedes como cresceu o
joio: que sementeira tão abundante espalhada por todos os sítios!
Não tenho vocação de profeta
de desgraças.
Não desejo com as minhas palavras
apresentar-vos um panorama desolador, sem esperança.
Não pretendo queixar-me
destes tempos em que vivemos pela providência do Senhor.
Amamos esta nossa época,
porque é o âmbito em que temos de alcançar a nossa santificação pessoal.
Não admitimos nostalgias
ingénuas e estéreis; o mundo nunca esteve melhor.
Desde sempre, desde os
princípios da Igreja, quando mal se acabava de ouvir a pregação dos primeiros
doze, já surgiram violentas perseguições, começaram as heresias, propalou-se a
mentira e desencadeou-se o ódio.
Mas não é lógico negar que o
mal parece ter prosperado.
Dentro de todo este campo de
Deus, que é a Terra, herança de Cristo, irrompeu o joio: Não apenas joio, mas
abundância de joio!
Não podemos deixar
enganar-nos pelo mito do progresso perene e irreversível.
O progresso rectamente
ordenado é bom e Deus quere-o.
Contudo, tem-se mais em
conta o outro falso progresso que cega os olhos a tanta gente, porque com
frequência não percebe que a Humanidade, nalguns dos seus passos, volta atrás e
perde o que tinha conquistado antes.
O Senhor - repito - deu-nos
o mundo por herança.
Temos de ter a alma e a
inteligência despertas; temos de ser realistas, sem derrotismos.
Só uma consciência
cauterizada, só a insensibilidade produzida pela rotina, só o estouvamento
frívolo podem permitir que se contemple o mundo sem ver o mal, a ofensa a Deus,
o dano por vezes irreparável para as almas.
É preciso sermos optimistas,
mas com um optimismo que nasça da fé no poder de Deus - Deus não perde batalhas
- com um optimismo que não proceda da satisfação humana, duma complacência
néscia e presunçosa.
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Sementeira de paz e de
alegria
Que fazer?
Dizia-vos que não procurei
descrever crises sociais ou políticas, derrocadas ou doenças culturais.
Centrado sobre a fé cristã,
tenho-me referindo ao mal no sentido preciso da ofensa a Deus.
O apostolado cristão não é
um programa político, nem uma alternativa cultural: significa a difusão do bem,
o contágio do desejo de amar, uma sementeira concreta de paz e de alegria.
Desse apostolado, sem
dúvida, derivarão benefícios espirituais para todos: mais justiça, mais
compreensão, mais respeito do homem pelo homem.
Há muitas almas à nossa
volta, e não temos o direito de sermos obstáculo para o seu bem eterno.
Estamos obrigados a ser
plenamente cristãos, a ser santos, a não defraudar Deus nem todas as pessoas
que esperam do cristão o exemplo, a doutrina.
O nosso apostolado tem de
basear-se na compreensão.
Insisto novamente: a
caridade, mais do que em dar, está em compreender.
Não vos escondo como
aprendi, na minha própria carne, o que custa não ser compreendido.
Esforcei-me sempre por
fazer-me compreender, mas há quem se empenhe em não me entender: eis outra
razão, prática e viva, para que eu deseje compreender a todos.
Mas não é um impulso
circunstancial que há-de obrigar-nos a ter esse coração amplo, universal,
católico.
O espírito de compreensão é
expressão da caridade cristã do bom filho de Deus: porque o Senhor quer que
estejamos presentes em todos os caminhos rectos da terra, para estender a
semente da fraternidade - não do joio -, da desculpa, do perdão, da caridade,
da paz.
Nunca vos sintais inimigos
de ninguém.
O cristão há-de mostrar-se
sempre disposto a conviver com todos, a dar a todos - pela maneira de lidar com
os outros - a possibilidade de se aproximarem de Cristo Jesus.
Há-de sacrificar-se
gostosamente por todos, sem distinções, sem dividir as almas em departamentos
estanques, sem lhes pôr etiquetas como se fossem mercadorias ou insectos dissecados.
O cristão não pode
separar-se dos outros, porque a sua vida seria miserável e egoísta: deve
fazer-se tudo para todos, para salvar a todos.
Se vivêssemos assim, se
soubéssemos impregnar a nossa conduta com esta sementeira de generosidade, com
este desejo de convivência, de paz, fomentar-se-ia a legítima independência
pessoal dos homens, cada um assumiria a sua responsabilidade e responderia
pelos afazeres que lhe competem nos trabalhos temporais.
Além disso, o cristão
saberia defender, em primeiro lugar, a liberdade alheia, para poder depois
defender a sua própria; teria a caridade de aceitar os outros como são - porque
cada um, sem excepção, traz consigo misérias e comete erros -, ajudando-os com
a graça de Deus e com delicadeza humana a superar o mal, a arrancar o joio, a
fim de que todos possamos ajudar-nos mutuamente e conduzir com dignidade a
nossa condição de homens e de cristãos.