Tempo Comum
Evangelho:
Mt 5, 1-12
1 Vendo Jesus aquelas multidões, subiu a um monte e, tendo-Se sentado,
aproximaram-se d'Ele os discípulos. 2 E pôs-Se a falar e
ensinava-os, dizendo: 3 «Bem-aventurados os pobres em espírito,
porque deles é o Reino dos Céus. 4 «Bem-aventurados os que choram,
porque serão consolados. 5 «Bem-aventurados os mansos, porque
herdarão a terra. 6 «Bem-aventurados os que têm fome e sede de
justiça, porque serão saciados. 7 «Bem-aventurados os
misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. 8 «Bem-aventurados
os puros de coração, porque verão a Deus. 9 «Bem-aventurados os que
promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus. 10
«Bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor da justiça, porque deles é
o Reino dos Céus. 11 «Bem-aventurados sereis, quando vos insultarem,
vos perseguirem, e disserem falsamente toda a espécie de mal contra vós por
causa de Mim. 12 Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa
recompensa nos céus, pois também assim perseguiram os profetas que viveram
antes de vós.
Comentário:
No monte Sinai, Moisés ouviu e recebeu
os Mandamentos da Lei que Deus Pai quis dar ao Seu povo escolhido para que
observando-os, fizessem a Sua Vontade mantendo-se assim na intimidade do
Criador.
Na montanha da Judeia Jesus Cristo vem
dar a todos os homens a segurança da salvação eterna seja quais forem as
circunstâncias particulares de cada um.
De certo modo, as Bem-aventuranças "completam" o Decálogo.
A observância deste é obrigatória e imprescindível para a salvação, a obtenção
daquelas é o prémio que Deus concede com enorme generosidade ao que, para o
cumprimento da Lei, encontram obstáculos e adversidades sem conta e, praticando
as virtudes, conseguem vencê-las.
(ama, comentário sobre Mt 5, 1-12,
2015.06.08)
Leitura espiritual
INTRODUÇÃO AO CRISTIANISMO
"Creio
em Deus" – Hoje
SEGUNDA
PARTE
JESUS
CRISTO
CAPÍTULO
PRIMEIRO
"Creio
em Jesus Cristo seu Filho Unigénito, Nosso Senhor".
IV. Caminhos da Cristologia
3. Cristo, "o último Homem”.
Impõe-se reconhecer como importante mérito de
Teilhard de Chardin o ter repensado essas interligações do ponto de vista da
cosmovisão hodierna e, não obstante certa perigosa tendência para o biológico,
tê-las compreendido correctamente, no seu conjunto e, em todo caso, tê-las
tornado de novo acessíveis. Ouçamo-la! A mónada humana "somente pode
tornar-se ela própria, se cessar de estar sozinha". A ressoar nos
bastidores deve, escutar-se a ideia de que no cosmos, ao lado das duas ordens
do infinitamente pequeno e do infinitamente grande, existe uma terceira ordem
que determina a torrente da evolução: a ordem do infinitamente complexo. Nela
está a meta propriamente dita do processo ascendente do devir; ela alcança o
seu primeiro ponto culminante no aparecimento da vida, para, a seguir, avançar
continuamente até aquelas formas altamente complexas que conferem ao cosmos um
novo centro: "Por mínimo e ocasional que seja o lugar ocupado pelos planetas
na história dos corpos celestes, eles formam, em última análise, os pontos
vitais do universo. Através deles, passa agora o eixo, neles se concentra,
daqui por diante, a tendência de uma evolução dirigida sobretudo para a formação
de grandes moléculas". Considerar o mundo sob o ponto de vista da escola
dinâmica da complexidade denota "uma total inversão dos valores, uma
inversão de perspectiva".
Mas tornemos ao homem. Até aqui ele representa o
máximo em complexidade. Mas, como pura mónada-homem, ele é incapaz de
representar um fim; o seu próprio devir postula um ulterior movimento de
complexidade: "Não representa o homem, simultaneamente, um indivíduo (=
uma "pessoa") centrado relativamente a si e um elemento relacionado
com alguma nova e mais alta síntese?". É o mesmo que dizer: por um lado, o
homem já é um fim que não pode mais sofrer recuo, não pode mais ser desfeito,
e, contudo, no lado-a-lado com os indivíduos, ele ainda não chegou à meta, mas revela-se
como que um elemento a ansiar pela plenitude que o envolva sem destruí-lo.
Tomemos mais um texto para ver em que direcção levam tais ideias: "Em
antítese com as hipóteses ainda válidas na Física, o estável encontra-se não em
baixo – no infra-elementar – mas em cima – no ultra-sintético". Portanto, deve
constatar-se "que nada mais confere às coisas firmeza e conexão do que seu
entrelaçamento a partir de cima". Creio estar-se aqui frente a um
pensamento muito central: a imagem dinâmica do mundo destrói neste ponto o
conceito positivista, tão familiar a todos nós, que vê o estável exclusivamente
na "massa", na matéria dura. O mundo afinal é construído e conectado
"de cima"; isto torna-se visível de uma maneira que se parece tão
impressionante, pelo facto de estarmos tão pouco familiarizados com ela.
Daqui, se abre o caminho para outro texto, visando,
ao menos, indicar a visão total de Teilhard de Chardin mediante a justaposição
de alguns fragmentos. "A energia universal deve ser energia pensante, se
na evolução ela não dever ser menor do que as metas que serão animadas pela sua
actividade. Portanto... os atributos cósmicos de valor, com que a energia
aparece envolvida aos nossos olhos, não suprimem absolutamente a necessidade de
reconhecer-lhe uma forma transcendente de personalidade". A partir daí
pode compreender-se a meta do movimento total, assim como Teilhard o vê: a
torrente cósmica movimenta-se "na direcção de um estado incrível, quase
'monomolecular'... onde cada ego... está destinado a alcançar o seu ponto
culminante em algum misterioso super-ego". Enquanto um "eu", o
homem, sem dúvida, representa um fim, mas o rumo do movimento do ser e da sua
própria existência revela-o, ao mesmo tempo, como um ente que pertence a um
"super-ego", que o não apaga, mas o envolve; somente em tal fusão
pode revelar-se a forma do homem futuro, quando o "ser-homem"
encontrar-se totalmente no ponto final de si mesmo.
Deve reconhecer-se que, sob o enfoque da cosmovisão
moderna e envolvido em vocabulário por vezes de forte sabor biológico, Teilhard
conseguiu apreender o rumo da cristologia paulina, tornando-a novamente
compreensível: a fé vê em Jesus o homem no qual – falando-se do ponto de vista
biológico – foi dado como que o próximo salto da evolução; o homem, no qual se
realizou a saída da limitada maneira do nosso ser, de uma limitação monádica; o
homem no qual personalização e socialização não se excluem mais, mas se
confirmam; aquele homem em quem a mais elevada unidade – "Corpo de
Cristo", diz Paulo, e mais radicalmente: "todos vós sois um só em
Cristo Jesus" (Gál 3,28) – e a mais sublime individualidade são um;
aquele homem, no qual a humanidade toca o seu futuro e torna-se, em grau
supremo, ela mesma, porque, por ele, toca o próprio Deus, participa dele,
alcançando deste modo a sua mais peculiar possibilidade. Partindo daí, da fé em
Cristo, verá o raiar de um movimento no qual a humanidade dividida será
integrada, mais e mais, no ser de um único Adão, de um único "corpo"
– do homem que há-de vir. A fé verá aí o movimento rumo àquele futuro do homem
em que, completamente "socializado" e incorporado num único, o
indivíduo não será apagado, mas chegará ao seu próprio ápice.
Não seria difícil mostrar que a teologia de João
indica o mesmo rumo. Lembremo-nos apenas da palavra: "Quando eu for
levantado da terra, atrairei todos a mim" (Jo 12,32). A frase
procura explicar o sentido da morte na cruz. Ora, a cruz constitui o centro da
teologia de João, de modo que a frase indica a direcção para a qual todo o seu
Evangelho quer apontar. O acontecimento da crucificação surge aí como um facto
de abertura no qual as dispersas mónadas humanas são atraídas ao abraço de
Jesus Cristo, para o vasto espaço dos seus braços abertos, para, mediante tal
união, alcançar a sua meta, a meta da humanidade. Ora, sendo assim, Cristo,
como o homem que há-de vir, não é o homem para si, mas essencialmente homem
para os outros, ele é o homem do futuro, exactamente por ser o homem
completamente aberto. Então, o homem para si, que só deseja ficar em si, é o
homem do passado que devemos deixar para trás a fim de avançar. Por outras
palavras: o futuro do homem está em "ser-para". No fundo, confirma-se
novamente o que se constatou como sentido das palavras sobre a filiação e, já
antes, como sentido da doutrina das três pessoas num Deus – a indicacção para a
existência dinâmica, actuante que é essencialmente abertura no movimento entre
"de" e "para". E revela-se, de novo, ser Cristo o homem
completamente aberto, no qual as paredes da existência ruíram, o homem que é
totalmente "passagem" (pascha).
Com isto voltamos a estar repentinamente no
mistério da cruz e da páscoa que a Bíblia concebe como mistério de passagem.
João, que acima de tudo reflectiu sobre estas ideias, encerra a sua descrição
do Jesus terreno, com a imagem da existência cujas paredes foram despedaçadas,
que não conhece mais nenhum limite firme, sendo essencialmente abertura.
"Um dos soldados perfurou-lhe o lado com uma lança e logo saiu sangue e
água" (Jo 19,34). Na imagem do peito atravessado culmina, para
João, não só a cena da cruz, mas a história inteira de Jesus. Após o golpe da
lança, que terminou a vida terrena de Jesus, a sua existência está toda aberta;
agora ele é todo "para", agora verdadeiramente não é mais um
indivíduo, mas "Adão", de cujo lado foi formada Eva, ou seja, uma
nova humanidade. Aquela concepção profunda do Antigo Testamento segundo a qual
a mulher foi tirada do lado do varão (Gên 2,21ss), exprimindo-se assim,
de modo inimitavelmente grandioso, a sua mútua e perene interdependência e a
sua unidade – aquela história, portanto, parece ressoar aqui, ao se retomar a
palavra "lado" (pleura, em geral traduzida incorrectamente
pelo termo "costela"). O lado aberto do novo Adão repete o mistério
criativo do "lado aberto" do varão: é o início de uma nova comunidade
definitiva dos homens entre si; como símbolos seus estão aí: água e sangue, com
o que João indica os sacramentos básicos, baptismo e eucaristia e, através
deles, a Igreja como sinal da nova comunidade dos homens. Com isto o totalmente
aberto, que sacrificou o ser como completamente recebido e passado adiante,
torna-se visível como o que ele, no mais profundo de si mesmo, sempre foi: como
"Filho". Assim Jesus, na cruz, realmente entrou na sua hora, como
afirma João. A expressão enigmática deveria encontrar alguma luz sob este
enfoque.
Mas tudo isso também mostra que responsabilidade
recai sobre as palavras a respeito do homem que há-de vir – quão pouco tem tudo
isso de comum com um alegre romantismo progressista. Porquanto ser o homem para
os outros, o homem aberto e, com isto, o homem a inaugurar um começo novo
denota: ser o homem em oblacção, o homem sacrificado. O futuro do homem está
pendente da cruz – a salvação do homem é a cruz. E não há outro caminho para
chegar a si, senão deixando forçar as grades da existência, olhando para o
homem de coração atravessado (Jo 19,37), seguindo aquele que, como o
perfurado, aberto, abriu o caminho para o futuro. Isso significa, finalmente,
que o Cristianismo o qual, como fé na criação, acredita no primado do Logos, ou
seja, da razão criadora como começo e origem, acredita nele, de modo
específico, enquanto fim, o futuro, o que há-de vir. Neste olhar para o futuro
está a dinâmica propriamente dita do crístico que, no Antigo e Novo Testamento,
realiza a fé como esperança na promessa.
(cont)
joseph ratzinger, Tübingen, verão de 1967.
(Revisão da versão portuguesa por ama)