Tempo de Páscoa
VII Semana
Evangelho: 17, 11-19
11 Já não estou no
mundo, mas eles estão no mundo, e Eu vou para Ti. Pai Santo, guarda em Teu nome
aqueles que Me deste para que sejam um, assim como Nós. 12 Quando Eu estava com
eles, os guardava em Teu nome. Conservei os que Me deste; nenhum deles se
perdeu, excepto o filho da perdição, cumprindo-se a Escritura. 13 Mas agora vou
para Ti e digo estas coisas, estando ainda no mundo, para que eles tenham em si
mesmos a plenitude da Minha alegria. 14 Dei-lhes a Tua palavra, e o mundo
odiou-os, porque não são do mundo, como também Eu não sou do mundo. 15 Não peço
que os tires do mundo, mas que os guardes do mal. 16 Eles não são do mundo,
como Eu também não sou do mundo. 17 Santifica-os na verdade. A Tua palavra é a
verdade. 18 Assim como Tu Me enviaste ao mundo, também Eu os enviei ao mundo. 19
Por eles Eu santifico-Me a Mim mesmo, para que também sejam santificados na
verdade.
Comentário:
A verdade
santifica, é clara esta afirmação de Cristo.
Sendo Ele a Verdade
é Ele quem nos santifica.
Para ser
santo, o que todos devemos desejar ser, não há outro caminho, seguir Cristo,
imitar Cristo, viver em Cristo.
(AMA, comentário sobre Jo 17,
11-19, 2013.05.15)
Leitura espiritual
Documentos do Concílio Vaticano II
CONSTITUIÇÃO
PASTORAL
GAUDIUM ET SPES
SOBRE
A IGREJA NO MUNDO ACTUAL
CAPÍTULO
I
A
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Constituição do homem: sua
natureza
14. O homem, ser uno,
composto de corpo e alma, sintetiza em si mesmo, pela sua natureza corporal, os
elementos do mundo material, os quais, por meio dele, atingem a sua máxima
elevação e louvam livremente o Criador 5. Não pode, portanto,
desprezar a vida corporal; deve, pelo contrário, considerar o seu corpo como
bom e digno de respeito, pois foi criado por Deus e há-de ressuscitar no último
dia. Todavia, ferido pelo pecado, o homem experimenta as revoltas do corpo. É,
pois, a própria dignidade humana que exige que o homem glorifique a Deus no seu
corpo 6, não deixando que este se escravize às más inclinações do
próprio coração. Não se engana o homem, quando se reconhece por superior às
coisas materiais e se considera como algo mais do que simples parcela da
natureza ou anónimo elemento da cidade dos homens. Pela sua interioridade,
transcende o universo das coisas: tal é o conhecimento profundo que ele alcança
quando reentra no seu interior, onde Deus, que perscruta os corações 7,
o espera, e onde ele, sob o olhar do Senhor, decide da própria sorte. Ao
reconhecer, pois, em si uma alma espiritual e imortal, não se ilude com uma
enganosa criação imaginativa, mero resultado de condições físicas e sociais;
atinge, pelo contrário, a verdade profunda das coisas.
Dignidade do entendimento
15. Participando da luz da
inteligência divina, com razão pensa o homem que supera, pela inteligência, o
universo. Exercitando incansavelmente, no decurso dos séculos, o próprio
engenho, conseguiu ele grandes progressos nas ciências empíricas, nas técnicas
e nas artes liberais. Nos nossos dias, alcançou notáveis sucessos, sobretudo na
investigação e conquista do mundo material. Mas buscou sempre, e encontrou, uma
verdade mais profunda. Porque a inteligência não se limita ao domínio dos fenómenos;
embora, em consequência do pecado, esteja parcialmente obscurecida e
debilitada, ela é capaz de atingir com certeza a realidade inteligível.
Finalmente, a natureza
espiritual da pessoa humana encontra e deve encontrar a sua perfeição na
sabedoria, que suavemente atrai o espírito do homem à busca e amor da verdade e
do bem, e graças à qual ele é levado por meio das coisas visíveis até às
invisíveis.
Mais do que os séculos
passados, o nosso tempo precisa de uma tal sabedoria, para que se humanizem as
novas descobertas dos homens. Está ameaçado, com efeito, o destino do mundo, se
não surgirem homens cheios de sabedoria. E é de notar que muitas nações, pobres
em bens económicos, mas ricas em sabedoria, podem trazer às outras inapreciável
contribuição.
Pelo dom do Espírito
Santo, o homem chega a contemplar e saborear, na fé, o mistério do plano divino
8.
Dignidade da consciência
moral
16. No fundo da própria
consciência, o homem descobre uma lei que não se impôs a si mesmo, mas à qual
deve obedecer; essa voz, que sempre o está a chamar ao amor do bem e fuga do
mal, soa no momento oportuno, na intimidade do seu coração: faze isto, evita
aquilo. O homem tem no coração uma lei escrita pelo próprio Deus; a sua
dignidade está em obedecer-lhe, e por ela é que será julgado 9. A
consciência é o centro mais secreto e o santuário do homem, no qual se encontra
a sós com Deus, cuja voz se faz ouvir na intimidade do seu ser 10.
Graças à consciência, revela-se de modo admirável aquela lei que se realiza no
amor de Deus e do próximo 11. Pela fidelidade à voz da consciência,
os cristãos estão unidos aos demais homens, no dever de buscar a verdade e de
nela resolver tantos problemas morais que surgem na vida individual e social.
Quanto mais, portanto, prevalecer a recta consciência, tanto mais as pessoas e
os grupos estarão longe da arbitrariedade cega e procurarão conformar-se com as
normas objectivas da moralidade. Não raro, porém, acontece que a consciência
erra, por ignorância invencível, sem por isso perder a própria dignidade. Outro
tanto não se pode dizer quando o homem se descuida de procurar a verdade e o
bem e quando a consciência se vai progressivamente cegando, com o hábito do
pecado.
Grandeza da liberdade
17. Mas é só na liberdade
que o homem se pode converter ao bem. Os homens de hoje apreciam grandemente e
procuram com ardor esta liberdade; e com toda a razão. Muitas vezes, porém,
fomentam-na dum modo condenável, como se ela consistisse na licença de fazer
seja o que for, mesmo o mal, contanto que agrade. A liberdade verdadeira é um
sinal privilegiado da imagem divina no homem. Pois Deus quis «deixar o homem entregue
à sua própria decisão» 12, para que busque por si mesmo o seu
Criador e livremente chegue à total e beatífica perfeição, aderindo a Ele.
Exige, portanto, a dignidade do homem que ele proceda segundo a própria
consciência e por livre adesão, ou seja movido e induzido pessoalmente desde
dentro e não levado por cegos impulsos interiores ou por mera coacção externa.
O homem atinge esta dignidade quando, libertando-se da escravidão das paixões,
tende para o fim pela livre escolha do bem e procura a sério e com diligente
iniciativa os meios convenientes. A liberdade do homem, ferida pelo pecado, só
com a ajuda da graça divina pode tornar plenamente efectiva esta orientação
para Deus. E cada um deve dar conta da própria vida perante o tribunal de Deus,
segundo o bem ou o mal que tiver praticado 13.
A imortalidade e o enigma
da morte
18. É em face da morte que
o enigma da condição humana mais se adensa. Não é só a dor e a progressiva
dissolução do corpo que atormentam o homem, mas também, e ainda mais, o temor
de que tudo acabe para sempre. Mas a intuição do próprio coração fá-lo acertar,
quando o leva a aborrecer e a recusar a ruína total e o desaparecimento
definitivo da sua pessoa. O germe de eternidade que nele existe, irredutível à
pura matéria, insurge-se contra a morte. Todas as tentativas da técnica, por
muito úteis que sejam, não conseguem acalmar a ansiedade do homem: o
prolongamento da longevidade biológica não pode satisfazer aquele desejo duma
vida ulterior, invencivelmente radicado no seu coração.
Enquanto, diante da morte,
qualquer imaginação se revela impotente, a Igreja, ensinada pela revelação
divina, afirma que o homem foi criado por Deus para um fim feliz, para além dos
limites da miséria terrena. A fé cristã ensina que a própria morte corporal, de
que o homem seria isento se não tivesse pecado 14 - acabará por ser
vencida, quando o homem for pelo omnipotente e misericordioso Salvador restituído
à salvação que por sua culpa perdera. Com efeito, Deus chamou e chama o homem a
unir-se a Ele com todo o seu ser na perpétua comunhão da incorruptível vida
divina. Esta vitória, alcançou-a Cristo ressuscitado, libertando o homem da
morte com a própria morte 15. Portanto, a fé, que se apresenta à
reflexão do homem apoiada em sólidos argumentos, dá uma resposta à sua
ansiedade acerca do seu destino futuro; e ao mesmo tempo oferece a possibilidade
de comunicar em Cristo com os irmãos queridos que a morte já levou, fazendo
esperar que eles alcançaram a verdadeira vida junto de Deus.
Formas e raízes do ateísmo
19. A razão mais sublime
da dignidade do homem consiste na sua vocação à união com Deus. É desde o
começo da sua existência que o homem é convidado a dialogar com Deus: pois, se
existe, é só porque, criado por Deus por amor, é por Ele por amor
constantemente conservado; nem pode viver plenamente segundo a verdade, se não
reconhecer livremente esse amor e se entregar ao seu Criador. Porém, muitos dos
nossos contemporâneos não atendem a esta íntima e vital ligação a Deus, ou até
a rejeitam explicitamente; de tal maneira que o ateísmo deve ser considerado
entre os factos mais graves do tempo actual e submetido a atento exame.
Com a palavra «ateísmo»,
designam-se fenómenos muito diversos entre si. Com efeito, enquanto alguns
negam expressamente Deus, outros pensam que o homem não pode afirmar seja o que
for a seu respeito; outros ainda, tratam o problema de Deus de tal maneira que
ele parece não ter significado. Muitos, ultrapassando indevidamente os limites
das ciências positivas, ou pretendem explicar todas as coisas só com os
recursos da ciência, ou, pelo contrário, já não admitem nenhuma verdade
absoluta. Alguns, exaltam de tal modo o homem, que a fé em Deus perde toda a
força, e parecem mais inclinados a afirmar o homem do que a negar Deus. Outros,
concebem Deus de uma tal maneira, que aquilo que rejeitam não é de modo algum o
Deus do Evangelho. Outros há que nem sequer abordam o problema de Deus: parecem
alheios a qualquer inquietação religiosa e não percebem por que se devem ainda
preocupar com a religião. Além disso, o ateísmo nasce muitas vezes dum protesto
violento contra o mal que existe no mundo, ou de se ter atribuído indevidamente
o carácter de absoluto a certos valores humanos que passam a ocupar o lugar de
Deus. A própria civilização actual, não por si mesma mas pelo facto de estar
muito ligada com as realidades terrestres, torna muitas vezes mais difícil o
acesso a Deus.
Sem dúvida que não estão
imunes de culpa todos aqueles que procuram voluntariamente expulsar Deus do seu
coração e evitar os problemas religiosos, não seguindo o ditame da própria
consciência; mas os próprios crentes, muitas vezes, têm responsabilidade neste
ponto. Com efeito, o ateísmo, considerado no seu conjunto, não é um fenómeno
originário, antes resulta de várias causas, entre as quais se conta também a
reacção crítica contra as religiões e, nalguns países, principalmente contra a
religião cristã. Pelo que os crentes podem ter tido parte não pequena na génese
do ateísmo, na medida em que, pela negligência na educação da sua fé, ou por
exposições falaciosas da doutrina, ou ainda pelas deficiências da sua vida
religiosa, moral e social, se pode dizer que antes esconderam do que revelaram
o autêntico rosto de Deus e da religião.
O ateísmo sistemático
20. O ateísmo moderno
apresenta muitas vezes uma forma sistemática, a qual, prescindindo de outros
motivos, leva o desejo de autonomia do homem a um tal grau que constitui um obstáculo
a qualquer dependência com relação a Deus. Os que professam tal ateísmo,
pretendem que a liberdade consiste em ser o homem o seu próprio fim, autor
único e demiurgo da sua história; e pensam que isso é incompatível com o
reconhecimento de um Senhor, autor e fim de todas as coisas; ou que, pelo
menos, torna tal afirmação plenamente supérflua. O sentimento de poder que os
progressos técnicos hodiernos deram ao homem pode favorecer esta doutrina.
Não se deve passar em
silêncio, entre as formas actuais de ateísmo, aquela que espera a libertação do
homem sobretudo da sua libertação económica. A esta, dizem, opõe-se por sua
natureza a religião, na medida em que, dando ao homem a esperança duma enganosa
vida futura, o afasta da construção da cidade terrena. Por isso, os que
professam esta doutrina, quando alcançam o poder, atacam violentamente a
religião, difundindo o ateísmo também por aqueles meios de pressão de que
dispõe o poder público, sobretudo na educação da juventude.
Atitude da Igreja perante
o ateísmo
21. A Igreja, fiel a Deus
e aos homens, não pode deixar de reprovar com dor e com toda a firmeza, como já
o fez no passado 16, essas doutrinas e actividades perniciosas,
contrárias à razão e à experiência comum dos homens, e que destronam o homem da
sua inata dignidade.
Procura, no entanto,
descobrir no espírito dos ateus as causas da sua negação de Deus, e, consciente
da gravidade dos problemas levantados pelo ateísmo, e, levada pelo amor dos
homens, entende que elas devem ser objecto de um exame sério e profundo.
A Igreja defende que o
reconhecimento de Deus de modo algum se opõe à dignidade do homem, uma vez que
esta dignidade se funda e se realiza no próprio Deus. Com efeito, o homem
inteligente e livre, foi constituído em sociedade por Deus Criador; mas é
sobretudo chamado a unir-se, como filho, a Deus e a participar na sua felicidade.
Ensina, além disso, a Igreja que a importância das tarefas terrenas não é
diminuída pela esperança escatológica, mas que esta antes reforça com novos
motivos a sua execução. Pelo contrário, se faltam o fundamento divino e a
esperança da vida eterna, a dignidade humana é gravemente lesada, como tantas
vezes se verifica nos nossos dias, e os enigmas da vida e da morte, do pecado e
da dor, ficam sem solução, o que frequentemente leva os homens ao desespero.
Entretanto, cada homem
permanece para si mesmo um problema insolúvel, apenas confusamente pressentido.
Ninguém pode, na verdade, evitar inteiramente esta questão em certos momentos,
e sobretudo nos acontecimentos mais importantes da vida. Só Deus pode responder
plenamente e com toda a certeza, Ele que chama o homem a uma reflexão mais
profunda e a uma busca mais humilde.
Quanto ao remédio para o
ateísmo, ele há-de vir da conveniente exposição da doutrina e da vida íntegra
da Igreja e dos seus membros. Pois a Igreja deve tornar presente e como que
visível a Deus Pai e a seu Filho encarnado, renovando-se e purificando-se continuamente
sob a direcção do Espírito Santo 17. Isto há-de alcançar-se, antes
de mais, com o testemunho duma fé viva e adulta, educada de modo a poder
perceber claramente e superar as dificuldades. Magnífico testemunho desta fé,
deram e continuam a dar inúmeros mártires. Ela deve manifestar a sua
fecundidade, penetrando toda a vida dos fiéis, mesmo a profana, levando-os à
justiça e ao amor, sobretudo para com os necessitados. Finalmente, o que
contribui mais que tudo para manifestar a presença de Deus é a caridade
fraterna dos fiéis que unânimemente colaboram com a fé do Evangelho 18
e se apresentam como sinal de unidade.
Ainda que rejeite
inteiramente o ateísmo, todavia a Igreja proclama sinceramente que todos os
homens, crentes e não-crentes, devem contribuir para a recta construção do
mundo no qual vivem em comum. O que não é possível sem um prudente e sincero
diálogo. Deplora, por isso, a discriminação que certos governantes introduzem
entre crentes e não-crentes, com desconhecimento dos direitos fundamentais da
pessoa humana. Para os crentes, reclama a liberdade efectiva, que lhes permita
edificar neste mundo também o templo de Deus. Quanto aos ateus, convida-os
cortêsmente a considerar com espírito aberto o Evangelho de Cristo.
Pois a Igreja sabe
perfeitamente que, ao defender a dignidade da vocação do homem, restituindo a
esperança àqueles que já desesperam do seu destino sublime, a sua mensagem está
de acordo com os desejos mais profundos do coração humano. Longe de diminuir o
homem, a sua mensagem contribui para o seu bem, difundindo luz, vida e
liberdade; e, fora dela, nada pode satisfazer o coração humano: «fizeste-nos
para Ti», Senhor, e o nosso coração está inquieto, enquanto não repousa em Ti» 19.
_________________________________________
Notas:
5.
Cfr. Dan. 3, 57-90.
6.
Cfr. 1 Cor. 6, 13-20.
7.
Cfr. 1 Reis 16,7; Jer. 17.10.
8.
Cfr. Ecli. 17, 7-8.
9.
Cfr. Rom. 2, 14-16.
10.
Cfr. Pio XII, radiomensagem acerca da formação da consciência cristã nos
jovens, 23 março 1952: AAS 44 (1952), p. 271.
11.
Cfr. Mt. 22, 37-40; Gál. 5,14.
12
Cfr. Ecli. 15,14.
13.
Cfr. 2 Cor. 5,10.
14.
Cfr. Sab. 1,13; 2, 23-24; Rom. 5,21; 6,23; Tg. 1,15.
15.
Cfr. 1 Cor. 15, 56-57.
16.
Cfr. Pio XI, Enc. Divini Redemptoris, 19 março 1937: AAS 29 (1937), p. 65-106;
Pio XII, Enc. Ad Apostolorum Principis, 29 junho 1958: AAS 50 (1958), p.
601-614; João XXIII, Enc. Mater et Magistra, 15 maio 1961: AAS 53 (1961) p.
451-453; Paulo VI, Enc. Ecclesiam Suam, 6 agosto 1964: AAS 56 (1964), p.
651-653.
17.
Cfr. Conc. Vat. II, Const. dogm. De Ecclesia, Lumen gentium, cap. I, n. 8: AAS
57 (1965), p. 12.
18.
Cfr. Fil. 1,27.
19.
S. Agostinho, Confissões, I, 1: PL 32, 661.