DE MAGISTRO
(DO MESTRE)
CAPÍTULO
IV
SE
OS SINAIS SE MOSTRAM COM SINAIS
…/2
AGOSTINHO
– E não é assim também para
“nome”? Este, pois, significa os nomes de todos os géneros, e “nome” mesmo é de
género neutro. Ou, se te perguntasse que parte da oração é nome, não poderias
responder-me acertadamente dizendo “nome”?
ADEODATO
– Poderia.
AGOSTINHO
– Portanto, há sinais que,
entre as outras coisas que significam, significam também a si mesmos.
ADEODATO
– Há.
AGOSTINHO
– Quando dizemos “coniunctio” (conjunção), julgas que este
sinal quadrissílabo possa ser um daqueles?
ADEODATO
– Certamente que não; porque
as coisas que significa não são nomes, enquanto ele é um nome.
CAPÍTULO
V
SINAIS
RECÍPROCOS
AGOSTINHO
– Raciocínio correcto;
vejamos agora se é possível encontrar sinais que se signifiquem reciprocamente,
tais que, assim como este significa aquele, também aquele signifique este; e
não me parece ser o caso entre aquele quadrissílabo “conjunctio” e as coisas que este significa, tais como: “si” (se), “vel” (ou), “nam” (pois),
“namque” (e pois), “nisi” (se não), “ergo” (logo), “quoniam” (porque)
e outras semelhantes, porque aquela palavra sozinha significa todas estas, mas
não há nenhuma entre estas que signifique aquele quadrissílabo.
ADEODATO
– Compreendo, e gostaria de
saber quais os sinais que se significam reciprocamente.
AGOSTINHO
– Sabes, então, que, quando
dizemos “nome” e “palavra”, dizemos duas palavras?
ADEODATO
– Sei, sim.
AGOSTINHO
– E não sabes que, quando
dizemos “nome” e “palavra”, dizemos dois nomes?
ADEODATO
– Também sei.
AGOSTINHO
– Portanto, sabes que tanto
o nome pode ser significado com a palavra, quanto a palavra com o nome.
ADEODATO
– Concordo.
AGOSTINHO
– E podes dizer-me, salvo a
diversidade de escrita e de pronúncia, em que diferem entre si?
ADEODATO
– Talvez possa, pois
parece-me tratar-se do mesmo caso de que falei há pouco. De facto, quando
dizemos “palavra”, entendemos tudo o que proferimos com algum significado;
assim, todo nome, e ainda o próprio termo “nome”, é uma palavra, mas nem toda
palavra é nome, embora
quando dizemos “palavra”
entendemos “nome”.
AGOSTINHO
– E se alguém afirmasse e
demonstrasse que, assim como cada nome é palavra, também cada palavra é nome,
poderias ainda determinar sua diferença, afora o diverso som da sua pronúncia?
ADEODATO
– Creio que não poderia, e
julgaria não haver diferença alguma.
AGOSTINHO
– Como? Se tudo o que
proferimos, com algum significado, tanto são palavras como nomes e, contudo,
por certas razoes, são palavras e, por outras razões são nomes, não haverá entre
nome e palavra distinção alguma?
ADEODATO
– Não compreendo como isto se
possa dar.
AGOSTINHO – Isto certamente
entendes: tudo o que é “colorido” é visível e tudo o que é visível é “colorido”,
apesar de estas duas palavras significarem coisas distintas e separadas.
ADEODATO
– Entendo.
AGOSTINHO
– E porventura será difícil
admitir que do mesmo modo toda palavra é nome e todo nome é palavra, embora
estes dois termos “nome” e “palavra” tenham significado diferente?
ADEODATO
– Percebo que isto pode
acontecer, mas espero que me mostres como isto acontece.
AGOSTINHO
– Creio que reparaste que
tudo o que nossa voz profere com algum significado fere o ouvido onde é
percebido, e daí é enviado à memória para ficar conhecido.
ADEODATO
– Sim, reparo.
AGOSTINHO
– Acontecem, portanto, duas
coisas quando falamos algo.
ADEODATO
– Assim é.
AGOSTINHO
– Aceitarias que por uma
destas qualidades fosse chamadas palavras (“verba”) de “verberare”: percutir, bater) e pela outra nomes (“nomina”, de “nosco”: conhecer)? E o primeiro termo assim se chamasse por causa
do ouvido, e o segundo, por causa do espírito?
ADEODATO
– Concordarei assim que me
tiveres demonstrado que podemos, com acerto, chamar nomes a todas as palavras.
AGOSTINHO
– Será fácil, pois creio que
aprendeste e recordas que se chama “pronome” aquilo que está em lugar do nome,
ainda que denote a coisa com menor intensidade que o nome. parece-me que foi
assim que o definiu o gramático que mencionaste: “Pronome é uma parte da oração que, usada no lugar do nome, significa a
mesma coisa que este, porém menos plenamente”.
ADEODATO
– Lembro-me e concordo.
AGOSTINHO
– Vemos, portanto, que, de
acordo com esta definição, os pronomes se referem só aos nomes, e só podem ser
empregues no lugar destes, como quando se diz: este homem, o mesmo rei, a mesma
mulher, esse ouro, aquela prata; os termos “este”, “mesmo”, “mesma”, “esse”, “aquela”
são pronomes, “homem”, “rei”, “mulher”, “ouro”, “prata” são nomes que, mais
plenamente que os mesmos pronomes, significam as coisas.
ADEODATO
– Percebo e estou de acordo.
AGOSTINHO
– Enuncia-me agora algumas
conjunções, as que quiseres.
ADEODATO
– “E” (et), “também” (que), “mas” (at),
“senão” (atque).
AGOSTINHO
– Tudo o que disseste parece
ser nome?
ADEODATO
– De maneira alguma.
AGOSTINHO
– Mas ao menos julgaste que
eu falei bem dizendo: “tudo isso”, “tudo o que” disseste?
ADEODATO
– Completamente correcto; e
compreendo, quão admiravelmente me demonstraste que enunciei nomes, pois se
assim não fosse não se poderia dizer: “tudo isto” (haec omnia), como se poderia dizer com acerto “todas estas
palavras” (haec omnia verba).
Todavia, se me perguntares a que parte da oração pertence “palavra”,
responderei que é um nome. Eis a razão de, a este nome, acrescentares o pronome,
para que a tua frase estivesse correcta.
AGOSTINHO
– Sem dúvida estás enganado,
embora demonstres certa agudeza. Para desfazer o engano, presta mais atenção ao
que vou dizer, posto que eu consiga dizê-lo como quero, pois falar sobre
palavras com palavras é tão complicado como entrelaçar os dedos e assim tentar coçá-los,
quando apenas quem os mexe pode distinguir os dedos que têm comichão dos que ajudariam
a acalmar-lhe o prurido.
ADEODATO
– Eis-me aqui todo ouvidos e
atenção, pois a comparação despertou-me profundo interesse.
AGOSTINHO
– As palavras resultam
certamente de som e de letras.
ADEODATO
– Assim é, de facto.
AGOSTINHO
– Ora, lançando mão de uma
autoridade que nos é caríssima, quando o Apóstolo Paulo diz: “Não havia em Cristo o sim e o não, mas
somente havia nele o sim”, não creio que seja o caso de pensar que as três
letras que pronunciamos dizendo “sim” (est)
existissem em Cristo mas, antes, o que estas três letras significam.
ADEODATO
– Entendo e acompanho-te.
AGOSTINHO
– E compreendes com certeza
que não há diferença entre dizer: “se chama virtude” ou “senomeia virtude”.
ADEODATO
– É claro.
AGOSTINHO
– Assim é, pois, igualmente
claro não haver diferença se alguém disser: “o que havia nele (em Cristo) se
chama “sim” ou se nomeia “sim”.
ADEODATO
– Percebo que aqui também
não há diferença.
(Revisão
de versão portuguesa por ama)