Tempo comum XVI Semana
Evangelho:
Mc 6, 30-34
30 Tendo os Apóstolos voltado a Jesus, contaram-Lhe tudo o que tinham
feito e ensinado, 31 e Ele disse-lhes: «Vinde à parte, a um lugar
solitário, e descansai um pouco». Porque eram muitos os que iam e vinham e nem
sequer tinham tempo para comer. 32 Entrando, pois, numa barca,
retiraram-se à parte, a um lugar solitário. 33 Porém, viram-nos partir,
e muitos perceberam para onde iam e acorreram lá, a pé, de todas as cidades, e
chegaram primeiro que eles. 34 Ao desembarcar, viu Jesus uma grande
multidão e teve compaixão deles, porque eram como ovelhas sem pastor, e começou
a ensinar-lhes muitas coisas.
Comentário:
Espanta, ainda hoje,
depois de ter ouvido, lido e meditado tantas
vezes estas cenas do Evangelho, espanta,
dizia, constatar como naquele tempo as pessoas já corriam atrás de Cristo.
Então, mal O conheciam e a
fama das Suas obras extraordinárias e a esperança de serem curadas dos seus
males eram o motivo principal que as arrastava.
E, hoje?
Os motivos são os mesmos
e, também, a ânsia de encontrar refúgio, paz, consolo, caminho, verdade e vida
atrai
as pessoas.
(ama, comentário sobre Mc 6, 30-34, 2012.07.22)
Leitura espiritual
São Josemaria Escrivá
Amigos
de Deus
146
Piedade,
intimidade de filhos
A piedade que nasce da filiação divina é
uma atitude profunda da alma, que acaba por informar toda a existência: está
presente em todos os pensamentos, em todos os desejos, em todos os afectos.
Não
tendes visto como, nas famílias, os filhos, mesmo sem repararem, imitam os
pais: repetem os seus gestos, seguem os seus costumes, se parecem com eles em
tantos modos de comportar-se?
Pois o mesmo acontece na conduta de um bom
filho de Deus.
Chega-se
também, sem se saber como nem por que caminho, a esse endeusamento maravilhoso
que nos ajuda a olhar os acontecimentos com o relevo sobrenatural da fé;
amam-se todos os homens como o nosso Pai do Céu os ama e - isto é o que mais
importa - consegue-se um brio novo no esforço quotidiano para nos aproximarmos
do Senhor.
As
misérias não têm importância, insisto, porque aí estão ao nosso lado os braços
amorosos do nosso Pai Deus para nos levantar.
Se reparardes bem, é muito diferente a
queda de uma criança e a queda de uma pessoa crescida.
Para
as crianças, uma queda, em geral, não tem importância; tropeçam com tanta
frequência!
E
se começam a chorar, o pai lembra-lhes: os homens não choram. Assim se encerra
o incidente com o empenho do miúdo por contentar o seu pai.
Vede, pelo contrário, o que acontece quando
um homem adulto perde o equilíbrio e cai no chão.
Se
não fosse por compaixão, provocaria hilaridade, riso.
Mas,
além disso, a queda talvez tenha consequências graves e, num ancião, pode mesmo
produzir uma fractura irreparável.
Na
vida interior, a todos nos convém ser quasi
modo geniti infantes, como esses miuditos que parecem de borracha, que se
divertem até com os seus trambolhões, porque imediatamente se põem de pé e
continuam com as suas correrias e também porque não lhes falta, quando é
precisa, a consolação dos pais.
Se procurarmos portar-nos como eles, os
tropeções e os fracassos - aliás inevitáveis - na vida interior, nunca se
transformarão em amargura.
Reagiremos
com dor, mas sem desânimo, e com um sorriso que brota, como a água límpida, da
alegria da nossa condição de filhos desse Amor, dessa grandeza, dessa sabedoria
infinita, dessa misericórdia, que é o nosso Pai.
Aprendi
durante os meus anos de serviço ao Senhor a ser filho pequeno de Deus.
E
isto vos peço: que sejais quasi modo
geniti infantes, meninos que desejam a palavra de Deus, o pão de Deus, o
alimento de Deus, a fortaleza de Deus para se comportarem de agora em diante,
como homens cristãos.
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Que sejais, espiritualmente, muito
crianças!
Quanto
mais, melhor.
Di-lo
a experiência deste sacerdote que teve de se levantar muitas vezes, ao longo
destes trinta e seis anos (que longos e ao mesmo tempo, que curtos me parecem!)
em que tem procurado cumprir uma Vontade precisa de Deus.
Houve
uma coisa que sempre me ajudou: ser sempre criança e meter-me continuamente no
regaço de minha Mãe e no Coração de Cristo, meu Senhor.
As grandes quedas, as que causam destroços
sérios na alma, e às vezes com resultados quase irremediáveis, procedem sempre
da soberba de nos crermos adultos, auto-suficientes.
Nesses
casos, torna-se predominante na pessoa uma espécie de incapacidade de pedir
ajuda a quem a pode dar: não só a Deus, mas também ao amigo ou ao sacerdote.
E
aquela pobre alma, isolada na sua desgraça, afunda-se na desorientação e no
descaminho.
Peçamos a Deus, agora mesmo, que nunca
permita que nos sintamos satisfeitos, que aumente sempre em nós a ânsia do seu
auxílio, da sua Palavra, do seu Pão, do seu consolo, da sua fortaleza: rationabile, sine dolo lac concupiscite.
Fomentai
a fome, a aspiração de ser como crianças. Convencei-vos de que é a melhor forma
de vencer a soberba.
Persuadi-vos
de que é o único remédio para que a nossa maneira de actuar seja boa, grande,
divina.
Em verdade vos digo que,
se não vos converterdes e vos tornardes como meninos, não entrareis no reino
dos céus.
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Vêm-me de novo à memória as recordações da
minha juventude.
Que
demonstração de fé!
Ainda
julgo ouvir o cantar litúrgico, respirar o aroma do incenso, ver milhares de
milhares de homens, cada um com um grande círio, como que simbolizando a sua
miséria, mas com coração de meninos: como crianças que talvez não se atrevam a
levantar os olhos para a cara do pai.
Reconhece
e compreende que má e amarga coisa é para ti o teres abandonado o Senhor teu
Deus.
Renovemos
a firme decisão de nunca nos afastarmos do Senhor por causa dos interesses
terrenos. Façamos crescer a sede de Deus, com propósitos concretos para a nossa
vida: como crianças que reconhecem a sua indigência e procuram e chamam
incessantemente o Pai.
Mas volto àquilo que antes estava a
comentar.
Precisamos
de aprender a portar-nos como crianças, precisamos de aprender a ser filhos de
Deus.
E,
simultaneamente, ir transmitindo aos outros essa mentalidade que, no meio das
naturais fraquezas, nos tornará fortes na fé, fecundos nas obras, seguros no
caminho, de tal forma que, seja qual for a espécie de erro que possamos
cometer, mesmo o mais desagradável, nunca hesitaremos em reagir e em voltar ao
caminho da nossa filiação divina, que nos leva aos braços abertos e expectantes
do nosso Pai, Deus.
Qual de vós não se lembra dos braços de seu
pai?
Provavelmente
não seriam tão carinhosos, tão meigos e delicados como os da mãe.
Mas
aqueles braços robustos, fortes, apertavam-nos com calor e com segurança.
Senhor,
obrigado por esses braços duros!
Obrigado
por essas mãos fortes!
Obrigado
por esse coração terno e firme!
E
ia agradecer-Te também os meus erros!
Mas
isso não, porque não os queres!
No
entanto, compreende-los, desculpa-los, perdoa-los.
Esta é a sabedoria que Deus espera que
vivamos nas relações com Ele, verdadeira manifestação de ciência matemática:
reconhecer que somos um zero à esquerda...
Mas
o nosso Pai Deus ama-nos a cada um de nós, tal como somos! Eu, que não passo de
um pobre homem, gosto de cada um de vós tal como sois; imaginai como será o
Amor de Deus, se lutarmos, se nos empenharmos em viver de acordo com a nossa
consciência bem formada.
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Plano
de vida
Ao examinarmos como é e como devia ser a
nossa piedade, em que pontos determinados devia melhorar a nossa relação
pessoal com Deus, se me entendestes, afastareis a tentação de imaginar façanhas
insuperáveis, porque tereis descoberto que o Senhor se contenta com que lhe
ofereçamos pequenas provas de amor em cada momento.
Procura cingir-te a um plano de vida com
constância: alguns minutos de oração mental; a assistência à Santa Missa,
diária, se te é possível, e a Comunhão frequente; o recurso regular ao Santo
Sacramento do Perdão, ainda que a tua consciência não te acuse de qualquer
pecado mortal; a visita a Jesus no Sacrário; a recitação e a contemplação dos
mistérios do terço e tantas outras práticas excelentes que conheces ou podes
aprender.
Mas estas práticas não se deverão
transformar em normas rígidas ou em compartimentos estanques.
Indicam
um itinerário flexível, acomodado à tua condição de homem que vive no meio da
rua, com um trabalho profissional intenso e com deveres e relações sociais que
não podes descuidar, porque é nessas ocupações que prossegue o teu encontro com
Deus.
O
teu plano de vida há-de ser como uma luva de borracha que se adapta
perfeitamente à mão de quem a usa.
Não te esqueças também de que o que é
importante não é fazer muitas coisas; limita-te com generosidade àquelas que
possas cumprir no dia-a-dia, quer te apeteça quer não.
Essas
práticas conduzir-te-ão, quase sem reparares, à oração contemplativa.
Brotarão
da tua alma mais actos de amor, jaculatórias, acções de graças, actos de
desagravo, comunhões espirituais.
E
tudo isto, enquanto te ocupas das tuas obrigações: ao pegar no telefone, ao
subir para um meio de transporte, ao fechar ou abrir uma porta, ao passar
diante de uma igreja, ao começar um novo trabalho, ao executá-lo e ao
concluí-lo.
Referirás
tudo ao teu Pai Deus.
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Descansai na filiação divina.
Deus
é um Pai cheio de ternura, de amor infinito.
Chama-lhe
Pai muitas vezes durante o dia e diz-lhe - a sós, na intimidade do teu coração
- que o amas, que o adoras, que sentes o orgulho e a força de seres seu filho.
Tudo
isto pressupõe um autêntico programa de vida interior, que é preciso canalizar
através das tuas relações de piedade com Deus - poucas, mas constantes, insisto
- que te permitirão adquirir os sentimentos e as maneiras de um bom filho.
Devo prevenir-te, no entanto, contra o perigo
da rotina - verdadeiro sepulcro da piedade - a qual se apresenta frequentemente
disfarçada com ambições de realizar ou empreender gestas importantes, enquanto
se descuida comodamente a devida ocupação quotidiana.
Quando
notares essas insinuações, põe-te diante do Senhor com sinceridade.
Pensa
se não te terás aborrecido de lutar sempre nas mesmas coisas, porque na
realidade não estavas à procura de Deus.
Vê
se não terá decaído a tua perseverança fiel no trabalho, por falta de
generosidade, de espírito de sacrifício.
Nesse
caso, as tuas normas de piedade, as pequenas mortificações, a actividade
apostólica que não produz fruto imediato parecem-te tremendamente estéreis.
Estamos
vazios e talvez comecemos a sonhar com novos planos, para calar a voz do nosso
Pai do Céu, que exige de nós uma lealdade total. E, com um pesadelo de
grandezas na alma, lançamos no esquecimento a realidade mais certa, o caminho
que sem dúvida nos conduz direitos à santidade.
Aí
temos um sinal evidente de que perdemos o ponto de vista sobrenatural, a
convicção de que somos meninos pequenos, a persuasão de que o nosso Pai fará em
nós maravilhas, se recomeçarmos com humildade.
(cont)