Advento I Semana
Evangelho: Mt 15 29-37
29 Tendo
Jesus saído dali, dirigiu-Se para o mar da Galileia; e, subindo a um monte,
sentou-Se ali. 30 E veio até Ele uma grande multidão de povo, que
trazia consigo coxos, cegos, mudos, estropiados e muitos outros. Lançaram-se a
Seus pés, e Ele os curou; 31 de modo que as multidões se admiravam,
vendo falar os mudos, andar os coxos, ver os cegos; e davam glória ao Deus de
Israel. 32 Jesus, chamando os Seus discípulos, disse: «Tenho
compaixão deste povo, porque há já três dias que não se afastam de Mim, e não
têm que comer. Não quero despedi-los em jejum, para que não desfaleçam no
caminho». 33 Os discípulos disseram-Lhe: «Onde poderemos encontrar
neste deserto pães bastantes para matar a fome a tão grande multidão?». 34
Jesus disse-lhes: «Quantos pães tendes?». Eles responderam: «Sete, e uns poucos
peixinhos». 35 Ordenou então ao povo que se sentasse sobre a terra. 36
E, tomando os sete pães e os peixes, deu graças, partiu-os, deu-os aos Seus
discípulos, e os discípulos os deram ao povo. 37 Comeram todos, e
saciaram-se. E dos bocados que sobejaram levantaram sete cestos cheios.
Comentário:
Depois de os curar a todos sacia-lhes a fome!
Que extraordinário é este Rei que provê a todas as
necessidades do Seu povo.
Que feliz é o povo que tem tal Rei!
(Ama,
comentário sobre (Mt 15, 29-37, 2010.12.01)
Leitura espiritual
São Josemaria Escrivá
Cristo Que passa 165 a 169
165
Cristo
na Cruz, com o Coração trespassado de Amor pelos homens, é uma resposta
eloquente - as palavras não são necessárias - à pergunta sobre o valor das
coisas e das pessoas. Pois valem tanto os homens, a sua vida, a sua felicidade,
que o próprio Filho de Deus Se entrega para os remir, para os purificar, para
os elevar! Quem não amará o seu coração tão ferido? - perguntava uma alma
contemplativa. E continuava a perguntar: Quem não dará amor por amor? Quem não
abraçará um Coração tão puro? Nós, que somos de carne, pagaremos amor com amor,
abraçaremos o Ferido que encontrámos, Aquele a quem os ímpios atravessaram as
mãos e os pés, o lado e o Coração. Peçamos-lhe que Se digne prender o nosso
coração com o vínculo do seu amor, feri-lo com uma lança, pois é ainda duro e
impenitente.
São
pensamentos, afectos e palavras que as almas enamoradas desde sempre dedicaram
a Jesus. Mas, para entender essa linguagem, para saber na verdade o que é o
coração humano e o Coração de Cristo e o amor de Deus, são precisas a Fé e a
humildade. Foi com Fé e humildade que Santo Agostinho escreveu para nós estas
palavras universalmente famosas: criastes-nos, Senhor, para Vós, e o nosso
coração está inquieto enquanto em Vós não repousa.
Quando
não cultiva a humildade, o homem pretende apropriar-se de Deus, mas não dessa
maneira divina que o próprio Cristo tomou possível ao dizer tomai e comei: isto
é o meu Corpo; antes, tentando reduzir a grandeza divina aos limites humanos. A
razão - razão fria e cega, que não é a inteligência nascida da Fé, nem sequer a
recta inteligência da criatura capaz de saborear e amar as coisas - converte-se
na sem-razão de quem tudo submete à sua pobre experiência vulgar, que
amesquinha a verdade humana e cobre o coração do homem com uma crosta
insensível às inspirações do Espírito Santo. A nossa pobre inteligência estaria
perdida, se não fosse o poder misericordioso de Deus, que rasga as fronteiras
da nossa miséria: hei-de dar-vos um coração novo e revestir-vos de um novo
espírito; hei-de tirar-vos o vosso coração de pedra e dar-vos em seu lugar um
coração de carne. E a alma recuperará a luz e há-de encher-se de alegria, por
força das promessas da Sagrada Escritura.
Eu
tenho pensamentos de paz e não de aflição, declarou Deus pela boca do profeta
Jeremias. A Liturgia aplica estas palavras a Jesus, porque n'Ele se nos
manifesta com toda a clareza que é assim que Deus nos ama. Não vem
condenar-nos; não vem para nos lançar em rosto a nossa indigência ou a nossa
mesquinhez: vem salvar-nos, perdoar-nos, desculpar-nos, trazer-nos a paz e a
alegria. Se reconhecermos esta maravilhosa relação do Senhor com os seus
filhos, os nossos corações mudarão com certeza e veremos abrir-se diante dos
nossos olhos um horizonte absolutamente novo, cheio de relevo, de profundidade
e de luz.
166
Levar aos outros o amor de
Cristo
Mas
reparai: Deus não nos declara: em vez do coração, dar-vos-ei uma vontade
própria de puro espírito. Não, dá-nos um coração, e um coração de carne, como o
de Cristo. Não tenho um coração para amar a Deus e outro para amar as pessoas
da Terra. Com o mesmo coração com que amo os meus pais e estimo os meus amigos,
com esse mesmo coração amo Cristo, e o Pai, e o Espírito Santo, e Santa Maria.
Não me cansarei de vos repetir: temos de ser muito humanos, porque, se não,
também não podemos ser divinos.
O
amor humano, o amor cá deste mundo, quando é verdadeiro, ajuda-nos a saborear o
amor divino. E assim entrevemos o amor com que havemos de gozar de Deus e
aquele que lá no Céu nos há-de unir uns aos outros, quando o Senhor for tudo em
todas as coisas. E, começando a entender o que é o amor divino, havemos de nos
mostrar habitualmente mais compassivos, mais generosos, mais entregados.
Havemos
de dar o que recebemos, ensinar o que aprendemos; levar os outros a participar
- sem soberba, com simplicidade - desse conhecimento do amor de Cristo. Quando
cada um de vós realiza o seu trabalho, exerce a sua profissão na sociedade,
pode e deve converter essa tarefa num serviço. O trabalho bem acabado, que
progride e faz progredir e tem em conta o avanço da cultura e da técnica,
realiza uma grande função, que será sempre útil à humanidade inteira, se nos
mover a generosidade, não o egoísmo; o amor por todos, não o proveito próprio;
se estiver cheio de sentido cristão da vida.
É
a partir desse trabalho e na própria rede das relações humanas, que haveis de
mostrar a caridade de Cristo e os seus resultados concretos de amizade, de
compreensão, de ternura humana, de paz. Assim como Cristo passou fazendo o bem
, por todos os caminhos da Palestina, assim vós ireis por todos os caminhos
humanos - da família, da sociedade civil, das relações profissionais de cada
dia - semeando paz. E será esta a melhor prova de que o Reino de Deus chegou
aos vossos corações. Nós sabemos que fomos trasladados da morte para a vida, -
escreve o apóstolo S. João - porque amamos os nossos Irmãos.
Mas
ninguém pode viver esse amor se não se formar na escola do Coração de Jesus. Só
se olharmos e contemplarmos o Coração de Cristo, conseguiremos que o nosso se
liberte do ódio e da indiferença. Só assim saberemos reagir cristãmente diante
dos sofrimentos alheios, diante da dor.
Recordai
a cena que nos conta S. Lucas, quando Cristo andava nos arredores da cidade de
Naim. Jesus vê a angústia daquelas pessoas, com quem Se cruzou ocasionalmente.
Podia ter passado de lado, ou ter esperado que O chamassem e Lhe fizessem um
pedido. Mas não Se afasta, nem fica na expectativa. Toma ele próprio a
iniciativa, movido pela aflição de uma viúva que perdera a única coisa que lhe
restava - o filho.
Explica
o evangelista que Jesus Se compadeceu; talvez a sua comoção tivesse também
sinais externos, como pela morte de Lázaro. Jesus não era, nem é, insensível ao
padecimento que nasce do amor, nem sente prazer em separar os filhos dos pais.
Supera a morte, para dar a vida, para que aqueles que se amam convivam,
exigindo antes e ao mesmo tempo a preeminência do Amor divino que deve informar
a autêntica existência cristã.
Cristo
sabe que O rodeia uma grande multidão, a quem o milagre encherá de pasmo e que
há-de ir apregoando o sucedido por toda aquela região. Mas o Senhor não actua
com artificialismo, só para praticar um "feito": sente-Se
singelamente afectado pelo sofrimento daquela mulher; não pode deixar de a
consolar. Então, aproximou-Se e disse-lhe: não chores. Que é como se lhe
dissesse: não te quero ver desfeita em lágrimas, pois Eu vim trazer à Terra a
alegria e a paz. E imediatamente se dá o milagre, manifestação do poder de
Cristo, Deus. Mas antes já se dera a comoção da sua alma, manifestação evidente
da ternura do coração de Cristo, Homem.
167
Se
não aprendermos com Jesus, nunca amaremos. Se pensássemos, como alguns pensam,
que conservar um coração limpo, digno de Deus, significa não o misturar, não o
contaminar com afectos humanos, o resultado lógico seria tomarmo-nos
insensíveis à dor dos outros. Só seríamos capazes de uma caridade oficial, seca
e sem alma; não da verdadeira caridade de Jesus Cristo, que é ternura, amor
humano. Mas com isto não estou a justificar certas teorias com que se pretende
desculpar o desvio dos corações, afastando-os de Deus e levando-os a más
ocasiões e à perdição.
Na
festa de hoje, havemos de pedir ao Senhor que nos dê um coração bom, capaz de
se compadecer das penas das criaturas, capaz de compreender que, para remediar
os tormentos que acompanham e tanto angustiam as almas neste mundo, o
verdadeiro bálsamo é o amor, a caridade; todas as outras consolações só servem
para nos distrair por um momento e deixar depois amargura e desespero.
Se
queremos ajudar os outros, temos de os amar - deixai-me insistir - com um amor
que seja compreensão e entrega, afecto e humildade voluntária. Assim
compreenderemos por que quis o Senhor resumir toda a Lei nesse duplo
mandamento, que é afinal um mandamento só: o amor de Deus e o amor do próximo,
com todo o coração.
Talvez
estejais a pensar que, por vezes, nós, cristãos - não os outros: tu e eu - nos
esquecemos das aplicações mais elementares deste dever. Talvez penseis em
tantas injustiças a que se não dá remédio, em abusos que não se corrigem, em
situações de discriminação que se transmitem de geração em geração, sem se
procurar uma solução de raiz.
Não
posso, nem isso me compete, propor-vos a forma concreta de resolver esses
problemas. Mas, como sacerdote de Cristo, é meu dever recordar-vos o que a
Sagrada Escritura diz. Meditai na cena do Juízo, que o próprio Jesus descreveu:
afastai-vos de Mim, malditos, e ide para o fogo eterno, que foi preparado para
o Diabo e os seus anjos. Porque tive fome e não Me destes de comer; tive sede e
não Me destes de beber; fui peregrino e não Me recebestes; nu, e não Me
cobristes; enfermo e encarcerado, e não Me visitastes.
Um
homem ou uma sociedade que não reaja diante das tribulações ou das injustiças e
se não esforce por as aliviar, não é um homem ou uma sociedade à medida do amor
do Coração de Cristo. Os cristãos - conservando sempre a mais ampla liberdade
quando se trata de estudar e de pôr em prática as diversas soluções, segundo um
pluralismo bem natural - terão de convergir no mesmo anseio de servir a
humanidade. Se não, o seu cristianismo não será a Palavra e a Vida de Jesus:
será um disfarce, um embuste feito a Deus e aos homens.
168
A paz de Cristo
Tenho
ainda a propor-vos uma outra consideração: devemos lutar sem descanso por fazer
o bem, precisamente por sabermos que nos é difícil, a nós, homens,
decidirmo-nos a sério a exercer a justiça, e é muito o que falta para que a
convivência terrena esteja inspirada pelo amor e não pelo ódio ou pela
indiferença. Não esqueçamos também que, mesmo que consigamos atingir um estado
razoável de distribuição dos bens e uma harmoniosa organização da sociedade,
não há-de desaparecer a dor da doença, da incompreensão ou da solidão, a dor da
experiência dos nossas próprias limitações.
Em
face dessas penas, o cristão só tem uma resposta autêntica, uma resposta definitiva:
Cristo na Cruz, Deus que sofre e que morre, Deus que nos entrega o seu Coração,
aberto por uma lança, por amor a todos. Nosso Senhor abomina as injustiças e
condena quem as comete. Mas, como respeita a liberdade das pessoas, permite que
existam. Deus Nosso Senhor não causa a dor das criaturas, mas tolera-a como
parte que é - depois do pecado original - da condição humana. E, no entanto, o
seu Coração, cheio de amor pelos homens, levou-O a tomar sobre os seus ombros,
juntamente com a Cruz, todas essas torturas: o nosso sofrimento, a nossa
tristeza, a nossa angústia, a nossa fome e sede de justiça.
A
doutrina cristã sobre a dor não é um programa de fáceis consolações. Começa
logo por ser uma doutrina de aceitação do sofrimento, inseparável de toda a vida
humana. Não vos posso esconder - e com alegria pois sempre preguei e procurei
viver a verdade de que, onde está a Cruz está Cristo, o Amor - que a dor
apareceu muitas vezes na minha vida; e mais de uma vez tive vontade de chorar.
Noutras ocasiões, senti crescer em mim o desgosto pela injustiça e pelo mal. E
soube o que era a mágoa de ver que nada podia fazer, que, apesar dos meus
desejos e dos meus esforços, não conseguia melhorar aquelas situações iníquas.
Quando
vos falo de dor, não vos falo apenas de teorias. Nem me limito a recolher uma
experiência de outros, quando vos confirmo que, se sentis, diante da realidade
do sofrimento, que a vossa alma vacila algumas vezes, o remédio que tendes é
olhar para Cristo. A cena do Calvário proclama a todos que as aflições hão-de
ser santificadas, se vivermos unidos à Cruz.
Porque
as nossas tribulações, cristãmente vividas, se convertem em reparação, em
desagravo, em participação no destino e na vida de Jesus, que voluntariamente
experimentou, por amor aos homens, toda a espécie de dores, todo o género de
tormentos. Nasceu, viveu e morreu pobre; foi atacado, insultado, difamado,
caluniado e condenado injustamente; conheceu a traição e o abandono dos
discípulos; experimentou a solidão e as amarguras do suplício e da morte. Ainda
agora, Cristo continua a sofrer nos seus membros, na Humanidade inteira que
povoa a Terra e da qual Ele é Cabeça e Primogénito e Redentor.
A
dor entra nos planos de Deus. Ainda que nos entendê-la, é esta a realidade.
Também Jesus, como homem, teve dificuldade em admiti-la: Pai, se é possível,
afasta de Mim este cálice! Não se faça, porém, a minha vontade, mas a tua! .
Nesta tensão entre o sofrimento e a aceitação da vontade do Pai, Jesus vai
serenamente para a morte, perdoando aos que O crucificaram.
Ora,
esta aceitação sobrenatural da dor pressupõe, por outro lado, a maior
conquista. Jesus, morrendo na Cruz, venceu a morte. Deus tira da morte a vida.
A atitude de um filho de Deus não é a de quem se resigna à sua trágica
desventura; é, sim, a satisfação de quem já antegoza a vitória. Em nome desse
amor vitorioso de Cristo, nós, os cristãos, devemos lançar-nos por todos os
caminhos da Terra, para sermos semeadores de paz e de alegria, com a nossa
palavra e nossas obras. Temos de lutar - é uma luta de paz - contra o mal,
contra a injustiça, contra o pecado, para proclamarmos assim que a actual
condição humana não é a definitiva; o amor de Deus, manifestado no Coração de
Cristo, conseguirá o glorioso triunfo espiritual dos homens.
169
Evocámos
há pouco o episódio de Naim. Poderíamos citar ainda outros, porque os
Evangelhos estão cheios de cenas semelhantes. Esses relatos sempre comoveram e
hão-de continuar a comover os corações dos homens. Efectivamente, não incluem
apenas o gesto sincero de um homem que se compadece dos seus semelhantes: são,
essencialmente, a revelação da imensa caridade do Senhor. O Coração de Jesus é
o Coração de Deus Encarnado, do Emanuel - Deus connosco.
A
Igreja, unida a Crista, nasce de um Coração ferido. É desse Coração, aberto de
par em par, que a vida nos é transmitida. Como não recordar aqui, embora de
passagem, os sacramentos através dos quais Deus opera em nós e nos faz
participantes da força redentora de Cristo? Como não recordar com particular
gratidão o Santíssimo Sacramento da Eucaristia, o Santo Sacrifício do Calvário
e a sua constante renovação incruenta na nossa Missa? É Jesus, que Se nos
entrega como alimento; porque Jesus vem até nós, tudo muda e no nosso ser
manifestam-se forças - a ajuda do Espírito Santo - que enchem a alma, que
formam as nossas acções, o nosso modo de pensar e de sentir. O coração de
Cristo é paz para o cristão.
O
fundamento da entrega que o Senhor nos pede não está só nos nossos desejos e
nas nossas forças, tantas vezes limitados e impotentes: apoia-se, antes de
tudo, nas graças que conquistou para nós o amor do Coração de Deus feito Homem.
Por isso, podemos e devemos perseverar na nossa vida interior de filhos do Pai
que está nos Céus, sem darmos acolhimento ao desânimo e à desesperança. Gosto
de mostrar como o cristão, na sua existência habitual e corrente, nos mais
simples pormenores, nas circunstâncias normais do seu dia-a-dia, exercita a Fé,
a Esperança e a Caridade, porque aí é que reside a essência da conduta de uma
alma que conta com o auxílio divino e que, na prática dessas virtudes
teologais, encontra a alegria, a força e a serenidade.
São
estes os frutos da paz de Cristo, da paz que nos veio trazer o seu Coração
Sagrado. Porque - digamo-lo mais uma vez - o amor de Jesus pelos homens é uma
das profundidades insondáveis do mistério divino, do amor do Filho ao Pai e ao
Espírito Santo. O Espírito Santo, laço de amor entre o Pai e o Filho, encontra
no Verbo um coração humano.
Não
é possível falar destas realidades centrais da nossa fé sem darmos pela
limitação da nossa inteligência diante das grandezas da Revelação. No entanto,
embora a nossa razão se encha de pasmo, cremos nelas com humildade e firmeza.
Sabemos, apoiados no testemunho de Cristo, que essas realidades são assim mesmo.
Que o Amor, no seio da Trindade, se derrama sobre todos os homens por
intermédio do amor do Coração de Jesus.
(cont)