Páscoa
Evangelho:
Jo 15. 26 – 16 4
26
Quando, porém, vier o Paráclito, que Eu vos enviarei do Pai, o Espírito da
verdade, que procede do Pai, Ele dará testemunho de Mim.
16,
4 Ora Eu disse-vos estas coisas para que, quando chegar esse tempo, vos lembreis
de que vo-las disse. Não vos disse isto, porém, desde o princípio, porque
estava convosco.
Comentário:
Este trecho do Evangelho, à primeira vista, termina de
forma algo enigmática. Porém, se atentarmos na realidade concreta podemos
entender.
Estando Jesus fisicamente presente junto dos Seus
discípulos não era necessário mais nada para que acreditassem nele, exactamente
porque O viam e viam as Suas obras e ouviam as Suas palavras.
Quando, porém, Cristo Se ausentar fisicamente as coisas
serão muito diferentes e todos irão precisar de uma fé forte e inamovível para
permanecerem fiéis ao Mestre.
Esta Fé terá de ser alimentada e esclarecida pelo
Espírito Santo, o Senhor que dá a Vida em plenitude e confirma a Verdade da
Mensagem de Jesus Cristo, o Amor do Pai e a Esperança na Vida Eterna.
(ama, comentário sobre Jo 15, 26; 16, 4,
2013.05.06)
Leitura espiritual
SANTO
AGOSTINHO – CONFISSÕES
LIVRO
DÉCIMO-TERCEIRO
CAPÍTULO
XIV
Esperança
Também eu pergunto: “Onde
estás, meu Deus? Onde estás?” – Respiro um pouco de ti quando a minha alma se
expande dentro de mim mesmo em gritos de exaltação e de louvor, verdadeiro
canto de festa. – Mas ela ainda está triste, porque torna a cair e a ser
abismo, ou melhor, porque sente que ainda é abismo.
A minha fé, que tu acendeste
à noite para conduzir os meus passos, diz-lhe: “Por que estás triste, ò minha
alma, e por que me perturbas? Espera no Senhor. O Seu Verbo é uma lâmpada para os
teus passos. Espera, persevera, até que a noite passe, a noite, mãe dos iníquos,
até que passe a ira do Senhor, ira da qual outrora fomos filhos quando éramos
trevas”. – Dessas trevas ainda arrastamos os restos neste corpo morto pelo
pecado, até que alvoreça o dia e se dissipem as sombras. Espera no Senhor.
Desde a manhã estarei diante deles, e o contemplarei, e o louvarei eternamente.
Desde a manhã estarei diante dele e verei a salvação da minha face, meu Deus, que
vivificará os nossos corpos mortais pelo seu Espírito que habita em nós, misericordiosamente
levado por sobre as águas tenebrosas das nossas almas.
Por isso, na nossa
peregrinação, recebemos dele o penhor de já sermos luz; ele já nos salvou pela
esperança e, de filhos da noite e das trevas que éramos, ele fez filhos da luz
e do dia.
Na incerteza da ciência
humana, só tu és capaz de distinguir entre uns e outros, porque pões os nossos
corações à prova e chamas à luz dia e às trevas noite. Quem, senão tu, sabe distinguir-nos?
E que temos nós que não o tenhamos recebido de ti? Nós, feitos vasos de honra, fomos
feitos da mesma argila que serviu para fazer os vasos de ignomínia.
CAPÍTULO
XV
Símbolos
E quem, senão tu, nosso
Deus, estendeu sobre nós um firmamento de autoridade, da tua divina Escritura?
O céu se dobrará como um livro, e agora estende-se sobre nós como um pergaminho.
Mais sublime é a autoridade de que goza a tua divina Escritura depois que
morreram aqueles por cujo intermédio no-las comunicaste. E sabes, Senhor, sabes
como cobriste de peles os homens, quando o pecado os tornou mortais. Por isso
estendeste como um pergaminho o firmamento do teu Livro, e as tuas palavras em
tudo concordes, que dispuseste sobre nós pelo ministério de homens mortais. Pela
sua morte, a autoridade das tuas palavras, por eles divulgadas, desdobra a sua
força sobre tudo o que existe em baixo; ela não se erguia tão alto enquanto
eles viviam. É que ainda não tinhas desenrolado o céu como um pergaminho, nem
tinhas ainda difundido a glória da sua morte por toda parte.
Senhor, faz com que
contemplemos os céus, obra das tuas mãos! Dissipa dos e nossos olhares as nuvens
com que os tens velado. Neles está o teu testemunho, dando sabedoria aos
humildes. Meu Deus completa o teu louvor pela boca dos meninos que ainda mamam!
Não conhecemos outros livros que assim destruam a soberba, e que abatam tão bem
o inimigo que resiste a toda a reconciliação contigo, e defende os seus
pecados. Não, Senhor, não conheci outras palavras tão puras, que tantos me
persuadissem à confissão, e sujeitassem a minha mente ao teu jugo, convidando-me
a servir-te tão desinteressadamente. Oxalá eu as compreenda, bondoso Pai!
Concede esta graça à minha
submissão, pois firmaste-as para os corações submissos.
Há outras águas, creio eu,
sobre esse firmamento: águas imortais e isentas da corrupção terrena. Que elas
louvem o teu nome! Que os povos celestes dos teus anjos te bendigam, pois não têm
necessidade de olhar esse firmamento, nem de ler para aprenderem a conhecer a
tua palavra!
Eles veem sempre a tua
face, e ali leem, sem as sílabas transitórias, o objecto da tua vontade eterna.
Leem, escolhem, amam. Leem
perpetuamente, e o que eles leem jamais fenece; escolhendo e amando, leem a tua
imutável vontade. O teu códice jamais se fecha, jamais se enrola, porque tu mesmo
és eternamente esse livro; tu os estabeleceste acima deste firmamento,
levantado por ti acima da fraqueza dos povos da terra, para que estes,
olhando-o, reconheçam a tua misericórdia, que te anuncia no tempo, tu criador
do tempo. A tua misericórdia está no céu, e a tua verdade eleva-se até às
nuvens. As nuvens passam, mas o céu permanece. Os que pregam a tua palavra passam
para uma outra vida, mas a tua Escritura estende-se sobre os povos até o fim
dos séculos.
O céu e a terra passarão,
mas as tuas palavras não passarão. O pergaminho será enrolado, e a erva sobre o
qual se estendia passará com o seu esplendor, mas a tua palavra permanecerá eternamente.
Agora ela aparece-nos no enigma das nuvens e através do espelho dos céus, e não
como é na realidade, porque ainda não se manifestou o que havemos de ser, apesar
de amados pelo teu filho. Ele olhou-nos através da teia da sua carne e
acariciou-nos, e inflamou-nos de amor, e corremos atrás da sua fragrância. Mas
quando ele aparecer seremos semelhantes a ele, porque o veremos tal como ele é.
Vê-lo tal qual é será a nossa felicidade, mas nós ainda não o podemos contemplar.
CAPÍTULO
XVI
Deus,
fonte de luz
Assim como só tu existes
plenamente, só tu possuis o conhecimento absoluto: imutável, com efeito, és no
teu ser, imutável no teu saber, imutável na tua vontade. A tua essência sabe e quer
imutavelmente, a tua ciência é e quer imutavelmente, a tua vontade é e sabe
imutavelmente.
Não é justo a teus olhos
que a luz imutável seja conhecida pelo ser mutável, que ela ilumina, como ela
se conhece a si própria. Por isso, a minha alma é para ti como terra sem água,
porque assim como não se pode iluminar a si mesma, não se pode saciar por seus
próprios meios. Porque em ti está a fonte da vida, e graças à tua luz é que
veremos a luz.
CAPÍTULO
XVII
As
águas amargas
Quem reuniu num só mar as
águas amargas? O seu objectivo é o mesmo: uma felicidade temporal, terrena,
alvo de todas as suas acções a despeito da grande diversidade de cuidados que as
agitam. Quem, senão tu, Senhor, poderia dizer a essas águas que se reunissem num
só lugar, e à terra enxuta que aparecesse, sedenta de ti? O mar é teu, pois tu
o fizeste, e as tuas mãos formaram a terra enxuta. Não é à amargura das
vontades mas à reunião das águas que chamamos mar. Também refreias as paixões
más das almas e fixas os limites até onde permites que avancem as águas, para
que as suas ondas se quebrem sobre si mesmas; e assim, crias o mar, submetido ao
teu poder universal.
As almas sedentas de ti,
que aparecem aos teus olhos separadas do mar com outra finalidade, tu as regas
com um orvalho vivo, misterioso e doce, para que a terra produza seu fruto.
E a terra o produz; ao teu
comando, ó Senhor que és seu Deus, nossa alma germina obras de misericórdia, de
acordo com a sua condição: ela ama o próximo e vai em auxílio das suas necessidades
materiais. Carrega em si a semente da compaixão, por uma semelhança de natureza,
porque é o sentimento da nossa fraqueza que nos leva a compadecer das misérias
dos que são necessitados, a socorrê-los, como desejaríamos que nos socorressem
se tivéssemos as mesmas necessidades. E não se trata só de dar apoio fácil,
como ervas nascidas de sementes, mas de protecção enérgica, vigorosa como a
árvore que carrega frutos, símbolos das obras que arrebatam à mão do poderoso a
vítima da injustiça, dando-lhe um abrigo à sombra protetora de um julgamento
justo.
CAPÍTULO
XVIII
Meditação
Senhor, assim como crias e
concedes alegria e força, assim te peço que nasça da terra a vontade, e que a
justiça lance os olhos sobre nós do alto dos céus, e que no firmamento brilhem os
astros! Dividamos o nosso pão com quem tem fome, acolhamos em nossa casa o
pobre sem teto, vistamos quem está nu, e não desprezemos os nossos semelhantes!
Quando tais frutos nascem da nossa terra, olha, Senhor, e diz: Isso é bom; faz
com que a tua luz brilho no momento oportuno. Por esta humilde messe de boas
obras, faz que nos possamos elevar a uma contemplação deliciosa do Verbo da
Vida, e que brilhemos no mundo como astros, fixados no firmamento da tua
Escritura.
E aí, de facto, que nos
ensinas a distinguir entre as realidades inteligíveis e as sensíveis, entre as
almas espirituais e as almas que se entregam aos sentidos, como entre o dia e a
noite.
Deste modo já não és mais
o único, no segredo do teu discernimento, como eras antes da criação do
firmamento, a distinguir entre a luz e as trevas. Também as tuas criaturas
espirituais, dispostas e ordenadas nesse mesmo firmamento, depois que a tua
graça se manifestou através do mundo, brilham sobre a terra, separam o dia da
noite e marcam as diferenças dos tempos. De facto, as coisas antigas passaram,
e eis que se fizeram novas, a nossa salvação está mais próxima do que quando
começamos a crer, a noite avançou e aproximou-se o dia, coroas o ano com tua
bênção, envias os teus operários à tua messe, semeada pelo trabalho de outros
operários, enviando-os também para outra sementeira, cuja messe será colhida no
fim dos séculos.
Assim ouves as preces do
justo e abençoas os seus anos. Mas continuas eternamente o mesmo, e nos teus
anos, que não terão fim, preparas um celeiro para os anos que passam.
Por desígnio eterno,
lanças sobre a terra os bens do céu no tempo oportuno; a um, teu Espírito dá a
palavra de sabedoria, luminar maior para os que encontram o seu deleite na luz
de uma verdade clara como o raiar do dia; a outro dás, pelo mesmo Espírito, a
palavra de ciência, luminar menor; a outro a fé; a outro o poder de curar; a
outro o dom dos milagres; a outro a graça da profecia; a este o discernimento
dos espíritos, àquele o dom de línguas. E todos esses dons são como estrelas,
são obra de um só e mesmo Espírito, que reparte a cada um os seus dons como lhe
agrada, e que faz aparecer tais astros para o bem comum.
Mas a palavra de ciência
em que estão encerrados todos os mistérios, que variam com o tempo, como varia
a lua, e os outros dons que mencionei ao compará-los com as estrelas, diferem a
tal ponto desse brilho de sabedoria de que goza o raiar do dia, que não passam
de crepúsculo.
Contudo, os teus dons são
necessários àqueles homens, a quem o teu prudente servidor não pôde dirigir
como a espirituais, mas como a carnais, ele que pregou a Sabedoria entre os
perfeitos.
Quanto ao homem carnal,
semelhante a um menino em Cristo, que só se alimenta de leite, que não se
julgue abandonado na sua noite, que saiba contentar-se com a luz da lua e das estrelas,
até que possa tomar alimento sólido e olhar para o sol. Eis o que nos ensinas na
tua sabedoria, nosso Deus, no teu livro, que é o teu firmamento, para que
distingamos todas as coisas em contemplação admirável, embora ainda estejamos
sob a lei dos sinais, dos tempos, dos dias e dos anos.
(Revisão
de versão portuguesa por ama)