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Leitura Espiritual
Amigos de Deus |
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Ao comportarmo-nos com normalidade - como os
nossos semelhantes - e com sentido sobrenatural, não fazemos mais que seguir o
exemplo de Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem.
Reparai
que toda a sua vida está cheia de naturalidade.
Passa
trinta anos oculto, sem chamar a atenção, como qualquer outro trabalhador e
conhecem-no na sua aldeia como o filho do carpinteiro.
Ao longo da sua vida pública, também não se
nota nada que destoe, que pareça estranho ou excêntrico.
Rodeava-se
de amigos, como qualquer dos seus concidadãos, e no seu porte não se
diferenciava deles.
De
tal maneira que Judas, para o denunciar, precisa de combinar um sinal: aquele a
quem eu beijar, é esse.
Não
havia em Jesus nenhum indício extravagante.
A
mim, emociona-me esta norma de conduta do nosso Mestre, que passa como mais um
entre os homens.
João Baptista - seguindo um chamamento
especial - vestia pele de camelo e alimentava-se de gafanhotos e mel silvestre.
O
Salvador usava uma túnica de uma só peça, comia e bebia como os outros,
enchia-se de alegria com a felicidade alheia, comovia-se ante a dor do próximo,
não recusava os momentos de descanso que lhe ofereciam os seus amigos e a
ninguém escondia que tinha ganho o seu sustento, durante muitos anos,
trabalhando com as suas próprias mãos junto a José, o artesão.
Assim
temos nós de comportar-nos neste mundo: como Nosso Senhor.
Dir-te-ia,
em poucas palavras, que temos de andar com a roupa limpa, com o corpo limpo e,
principalmente, com a alma limpa.
Inclusivamente - porque não notá-lo? - o
Senhor, que prega um tão maravilhoso desprendimento dos bens terrenos, mostra
ao mesmo tempo um cuidado admirável em não os desperdiçar.
Depois
daquele milagre da multiplicação dos pães, com que tão generosamente saciou
mais de cinco mil homens, ordenou aos seus discípulos: recolhei os pedaços que
sobraram, para que não se percam. Recolheram-nos e encheram doze cestos.
Se
meditardes atentamente toda esta cena, aprendereis a nunca ser preguiçosos, mas
bons administradores dos talentos e meios materiais que Deus vos conceder.
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O desprendimento que prego, depois de olhar o
nosso modelo, é domínio e não miséria clamorosa que chame a atenção, disfarce
da preguiça e do desmazelo.
Deves
andar vestido de acordo com o que é próprio da tua condição, do teu ambiente,
da tua família, do teu trabalho..., como os teus companheiros, mas por Deus,
com o afã de dar uma imagem autêntica e atraente da verdadeira vida cristã.
Com
naturalidade, sem extravagâncias, asseguro-vos que é preferível que pequeis por
excesso do que por defeito.
Como imaginas tu o porte de Nosso Senhor?
Já
pensaste com que dignidade vestiria aquela túnica inconsútil, que provavelmente
terá sido tecida pelas mãos de Santa Maria?
Não
te lembras de como em casa de Simão se lamenta por não lhe haverem oferecido
água para se lavar, antes de se sentar à mesa? Com certeza que o Senhor trouxe
à baila essa falta de urbanidade, para realçar com tal facto o ensinamento de
que é nos pormenores que se mostra o amor.
Mas
procura também deixar claro que se atém aos usos sociais do ambiente.
Portanto,
tu e eu esforçar-nos-emos por estar desapegados dos bens e das comodidades da
terra, mas sem destoar e sem fazer coisas estranhas.
Para mim, uma manifestação de que nos
sentimos senhores do mundo, administradores fiéis de Deus, é cuidar das coisas
que usamos, com interesse em conservá-las, em fazê-las durar, em mantê-las
impecáveis e em fazê-las servir o mais tempo possível para o seu fim, de
maneira a não haver desperdício.
Nos
centros do Opus Dei, encontrais uma decoração simples, acolhedora e, sobretudo,
limpa, porque não tem que se confundir uma casa pobre com o mau gosto ou com a
sujidade.
No
entanto, compreendo que tu, de acordo com as tuas possibilidades e as tuas
obrigações familiares e sociais, possuas objectos de valor e cuides deles com
espírito de mortificação, com desprendimento.
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Há muitos anos - mais de vinte e cinco - eu
costumava passar por um refeitório de caridade, para mendigos que não comiam em
cada dia outro alimento senão o que ali lhes davam.
Tratava-se
de um local grande, entregue aos cuidados de um grupo de senhoras bondosas.
Depois
da primeira distribuição, acudiam outros mendigos, para recolher as sobras.
Entre
os deste segundo grupo houve um que me chamou a atenção: era proprietário de
uma colher de lata!
Tirava-a
cuidadosamente do bolso, com avareza, olhava-a com satisfação e, quando acabava
de saborear a sua ração, voltava a olhar para a colher com uns olhos que
gritavam: é minha!
Dava-lhe
duas lambedelas para a limpar e guardava-a de novo, satisfeito, nas pregas dos
seus andrajos.
Efectivamente
era sua!
Um
pobre miserável que, entre aquela gente, companheira de desventura, se
considerava rico.
Por essa altura, conhecia também uma senhora
com título nobiliárquico, Grande de Espanha.
Isto
não conta nada diante de Deus: somos todos iguais, todos filhos de Adão e Eva,
criaturas débeis, com virtudes e com defeitos, capazes dos piores crimes, se o
senhor nos abandona.
Desde
que Cristo nos redimiu, não há diferença de raça, nem de língua, nem de cor,
nem de estirpe, nem de riquezas...
Somos
todos filhos de Deus.
Essa
pessoa de que vos falo agora residia numa casa solarenga, mas não gastava
consigo mesma nem duas pesetas por dia.
Por
outro lado, pagava muito bem aos seus empregados e o resto destinava-o a ajudar
os necessitados, passando ela própria privações de todo o género.
A
esta mulher não lhe faltavam muitos desses bens que tantos ambicionam, mas ela
era pessoalmente pobre, muito mortificada, completamente desprendida de tudo.
Compreendestes bem?
Aliás, basta escutar as palavras do Senhor:
bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o reino dos céus.
Se desejas alcançar esse espírito,
aconselho-te a que sejas sóbrio contigo e muito generoso com os outros.
Evita
os gastos supérfluos por luxo, por capricho, por vaidade, por comodidade...;
não cries necessidades.
Numa
palavra, aprende com S. Paulo a viver na pobreza e a viver na abundância, a ter
fartura e a passar fome, a ter de sobra e a padecer necessidade.
Tudo posso naquele que me
conforta.
E,
como o Apóstolo, também sairemos vencedores da luta espiritual, se mantivermos
o coração desapegado, livre de ataduras.
Todos os que viemos a esta
luta da fé, diz S. Gregório Magno, tomamos a nosso cargo lutar contra os espíritos malignos.
Os
demónios nada possuem neste mundo e, portanto, assim como eles se apresentam
nus à peleja, também nós devemos lutar nus. Porque, se alguém vestido lutar com
outro sem roupa, depressa será derrubado, pois o seu inimigo tem por onde o
agarrar.
E que são as coisas da terra senão uma
espécie de indumentária?
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Deus
ama o que dá com alegria
Dentro deste quadro de desprendimento total
que o Senhor nos pede, assinalar-vos-ei outro ponto de particular importância:
a saúde.
Agora,
a maioria de vós sois jovens; atravessais essa etapa formidável de plenitude de
vida, que transborda de energias.
Mas
o tempo passa e começa a notar-se inexoravelmente o desgaste físico; vêm depois
as limitações da idade madura e, por último, os achaques da velhice. Aliás,
qualquer de nós, em qualquer momento pode adoecer ou sofrer algum transtorno
corporal.
Só se aproveitarmos com rectidão -
cristãmente - as épocas de bem-estar físico, os bons tempos, aceitaremos também
com alegria sobrenatural os acontecimentos que habitualmente são considerados
maus.
Sem
descer a demasiados pormenores, quero transmitir-vos a minha experiência
pessoal.
Quando
estamos doentes, podemos ser impertinentes: não me atendem bem, ninguém se
preocupa comigo, não me tratam como mereço, ninguém me compreende...
O
demónio, que anda sempre à espreita, ataca por qualquer flanco. E, na doença, a
sua táctica consiste em fomentar uma espécie de psicose que nos afaste de Deus,
que azede o ambiente ou que destrua esse tesouro de méritos, que, para bem de
todas as almas, se alcança quando aceitamos a dor com optimismo sobrenatural -
com amor. Portanto, se é da vontade de Deus que nos atinja o aguilhão do
sofrimento, aceitemo-lo como sinal de que nos considera maduros para nos
associar mais estreitamente à sua cruz redentora.
Torna-se, pois, necessária, uma preparação
remota, feita todos os dias com santo desapego de nós próprios, para nos
dispormos a aceitar com garbo a doença ou a desventura - se o Senhor tal
permitir.
Servi-vos
das ocasiões normais, de alguma privação, da dor nas suas pequenas
manifestações habituais, da mortificação, para exercitardes as virtudes
cristãs.
(cont)