Tempo comum XXXIII Semana
Evangelho:
Lc 18, 35-43
35 Sucedeu que,
aproximando-se eles de Jericó, estava sentado à beira da estrada um cego a
pedir esmola. 36 Ouvindo a multidão que passava, perguntou que era
aquilo. 37 Disseram-lhe que era Jesus Nazareno que passava. 38
Então ele clamou: «Jesus, Filho de David, tem piedade de mim!». 39
Os que iam adiante repreendiam-no para que se calasse. Porém, ele, cada vez
gritava mais: «Filho de David, tem piedade de mim!». 40 Jesus,
parando, mandou que Lho trouxessem. Quando ele chegou, interrogou-o: 41
«Que queres que te faça?». Ele respondeu: «Senhor, que eu veja». 42
Jesus disse-lhe: «Vê; a tua fé te salvou». 43 Imediatamente,
recuperou a vista, e foi-O seguindo, glorificando a Deus. Todo o povo, vendo
isto, deu louvores a Deus.
Comentário:
A perseverança na oração dá sempre
frutos.
O Coração Amantíssimo de Cristo não
pode ignorar quem Lhe pede com insistência movida pela Esperança e pela Fé de
ser atendido.
(ama, comentário
sobre LC 18 35-43 2014.11.17)
Leitura espiritual
A PACIÊNCIA
…/8
Falar assim poderia soar a
masoquismo, porque aquilo não era uma dor convertida em gosto; era uma dor
convertida em amor, e em luta para poder continuar a ser fiel a si mesma, a nós
e a Deus, mas continuava a ser uma dor que a dilacerava, que a desfazia. Sofreu
– eu o vi – tremendamente: mas era uma luta enamorada, no meio da dor, para
encontrar Cristo Crucificado. Em meio a essa dor, junto de Cristo, nunca esteve
só. Se Deus está ao meu lado – pensou – e me pede isto, será porque é possível;
e se Ele o quer, Ele me ajudará... Montse, graças à dor, deu-nos o melhor de si
mesma” [i]
Depois destes comentários,
não perguntemos mais o que é a paciência, vista com olhos cristãos, nem o que é
o amor que sabe sofrer.
Nada há a acrescentar.
NUM CONSULTÓRIO
PSIQUIÁTRICO
Restam-nos duas histórias,
que podem relatar-se em muito poucas palavras. São ambas narradas pelo
professor de psiquiatria e escritor J. A. Vallejo-Nágera, no seu livro Concerto
para instrumentos desafinados. [ii]
Trata-se de algumas das
muitas recordações que o médico regista como “momentos do coração” no seu
trabalho diário.
O primeiro caso é o de um
tradutor diplomado. Foi-lhe diagnosticado um câncer de pulmão, e
simultaneamente deram-lhe a notícia de que lhe restavam poucos meses de vida.
Homem de pouca fé, à diferença dos protagonistas dos dois exemplos anteriores,
procurava no psiquiatra as soluções que não conseguia encontrar em Deus.
Pensava na esposa e tremia ante a possibilidade de fazê-la sofrer:
– Temo que me falte
coragem e serenidade, e que assim amargure os nossos últimos meses de convívio.
Fisicamente, creio que posso aguentar; só temo falhar psicologicamente. Foi por
isso que vim, para ter uma orientação técnica, um ponto de apoio, e poder
dissimular até o final ou fingir que não sofro. Quando a minha mulher ficar
sabendo a verdade, se ela julgar que eu não estou sofrendo, conseguirei
aliviar-lhe este calvário que não lhe posso evitar.
Causa uma certa angústia
esse sofrimento pendurado no vazio de um bom coração que não conhece a Deus.
Mas, sem dúvida alguma, havia uma enorme grandeza no seu desejo de ser
autenticamente paciente. Esse homem bom tinha muito amor à esposa, e estava procurando
forças para conseguir que esse seu amor aprendesse a sofrer.
O segundo caso,
paradoxalmente, é o de um sacerdote cheio de fé, que também procurava no
psiquiatra um conselho para sofrer melhor. O médico narrador conta-nos que era
um padre humilde, “tão insignificante que nem sequer era ridículo”. Tinha
dedicado a vida, até aos sessenta e tantos anos, à sua tarefa de bom pastor das
almas, especialmente cuidando das doenças espirituais no confessionário. Desde
fazia algum tempo, tinha-se-lhe manifestado uma depressão endógena grave –
assim a qualifica o especialista –, com as suas sequelas mórbidas e
características de tristeza, desconsolo, remorso, pessimismo esmagador e perda
do desejo de viver.
O sofrimento era grande.
Mas, nesse caso, o médico comoveu-se porque o paciente não parecia querer
consolo nem compaixão. “Também não parecia muito interessado no alívio do
tormento... Que queria, então? Queria continuar a amar”.
– Até agora – dizia o
padre ao doutor –, tenho levado uma vida sem pena nem glória. A Glória, eu a
espero para depois, no Céu, e sei que é preciso adquiri-la por meio da pena.
Recebi com gratidão o fato de Deus me ter enviado no final da vida a minha
cruz; estava até desejando ter uma para poder carregá-la. Bendigo a Deus todos
os dias por ter-se lembrado de mim no final, quando já me resta muito pouco
tempo de vida e parecia ter perdido qualquer oportunidade de ganhar alguns
méritos. Mas estou notando que agora, no confessionário, na direção espiritual,
não sinto as coisas como antes, como ao longo de toda a minha vida, com
entusiasmo por ajudar, com esse carinho espontâneo cheio de ansiedade, de
necessidade de aliviar os que recorrem a mim.
Consigo dar conselhos
porque o cérebro funciona, mas não os sinto com o coração, e isso soa-me a nota
falsa, artificial, e não posso consolar os meus fiéis como antes. Nunca me
tinha acontecido isto; tem que ser uma doença. É o que lhe peço que me cure. O
resto irá passando com o tempo, e, se não, louvado seja Deus!
Esta história que parecia
começar tão mal, termina tão bem! É mais um clarão sobre a virtude da
paciência. Aquele padre zeloso, desprendido e humilde, sentia-se muito doído e
confuso, não por estar doente, mas porque a doença lhe tornava difícil manter a
vibração do amor e transmitir conforto e alegria.
Não é preciso aduzir mais
exemplos para sentir, como um desafio, uma pergunta que se dirige a cada um de
nós: Quando nos decidiremos a amar? Quando resolveremos, enfim, esquecer-nos de
nós mesmos, ser generosos e viver para dar, para edificar? No dia em que formos
capazes de começar a viver assim, estaremos começando a levantar o véu que nos
encobre a pedra preciosa da paciência.
DEMORAS, CANSAÇOS E
ARDORES
RAÍZES ILUMINADAS
Há cerca de dois anos,
chegou-me às mãos um recorte de jornal que me sensibilizou profundamente.
A autora do artigo, uma
professora de uns trinta e poucos anos, evocava a memória de seus pais, já
falecidos, que tinham sido em tempos idos meus conhecidos.
O artigo foi escrito por
ocasião da Beatificação do Fundador do Opus Dei e continha uma dupla homenagem:
ao Bem-aventurado Josemaría Escrivá e aos pais da autora, que tinham sabido
encarnar na vida do lar a espiritualidade aprendida do Beato Josemaría.
O leitor há-de permitir-me
que introduza nestas páginas algumas citações desse artigo.
Maria Antónia – assim se
chama a professora – conta a redescoberta que fez da “alma” de seus pais
quando, depois de ambos terem falecido, remexia com carinho filial nos seus
escritos, cartas e apontamentos, e especialmente na correspondência que o pai
tinha mantido com Mons. Escrivá.
‘Até que ambos tornaram a
reunir-se na vida eterna, havia muitos aspectos da vida interior deles que eu
só podia intuir – escreve a filha –.
Captava-se a força do
exemplo, a força da vocação dos dois, mas, como é lógico, perdiam-se muitos
matizes, que ficavam só na intimidade deles.
Através de alguns excertos
da correspondência encontrada, aprendi algumas coisas que agora tento
transmitir’.
Olhando para trás, Maria
Antónia evoca a progressiva descoberta que foi fazendo de muitas coisas
maravilhosas que teciam, por assim dizer, o ambiente de seu lar, e que hoje
percebia que não estavam lá por acaso nem por geração espontânea, mas como
fruto do espírito cristão, generosamente vivido e cultivado pelos pais, num
dia-a-dia amoroso, abnegado, paciente.
‘Meus pais já eram do Opus
Dei naqueles duros anos 50 de Barcelona, quando eu ainda não tinha nascido.
À medida que fui tendo uso
de razão e tornando-me mais consciente do que me rodeava, julguei sempre que o
ambiente reinante na minha família, a educação que estávamos recebendo, e que
tantas vezes tenho agradecido a Deus, fosse a normal em todas as famílias. Com
o decorrer dos anos, fui percebendo que nem de longe era tão normal.
Os princípios dessa
educação eram bem claros: uma grande liberdade, baseada no senso de
responsabilidade inculcado desde crianças; otimismo e alegria fundamentados
claramente na fé, pois não faltaram dificuldades e obstáculos em todo o caminho
terreno de meus pais; uma sólida formação na doutrina cristã, unida a um modo
positivo de nos sugerir, sem impor, detalhes de vida de oração, e uma profunda
e arraigada devoção a Nossa Senhora, a quem todos considerávamos e continuamos
a considerar a especial intercessora para os assuntos familiares.
Ficou-me muito claro que
um dos pilares básicos para que esse ambiente familiar se mantivesse era o
facto de que, em todos os momentos, o exemplo de meus pais, os seus actos, iam
na frente das palavras. Passados os anos, percebi, sem que eles nada me dissessem,
que aquilo era o espírito do Opus Dei’...
A filha relembra comovida
as dificuldades financeiras por que a família numerosa passou, e os equilíbrios
que o pai era obrigado a fazer para conjugar aulas na Faculdade, onde era professor,
práticas de laboratório, trabalho em uma fábrica, preparação de um concurso e
ainda aulas particulares. E relata a emoção que sentiu quando, folheando a
correspondência paterna, descobriu que Mons. Escrivá tinha transcrito, no ponto
986 do livro Sulco, palavras de uma carta de seu pai:
“Não irá rir, Padre, se
lhe disser que – faz uns dias – me surpreendi oferecendo ao Senhor, de uma
maneira espontânea, o sacrifício de tempo que supunha para mim ter de consertar
um brinquedo estragado de um dos meus filhos? – Não sorrio, fico feliz! Porque,
com esse mesmo amor, Deus se ocupa de recompor os nossos estragos”. “Tenho –
comenta a filha – recordações muito vivas dessas cenas: as bonecas descabeçadas
ou sem pernas, a peça que precisava ser colada..., tudo isso nós sabíamos que,
deixando-o na mesa do escritório de papai, tornaria a adquirir rapidamente a
sua forma original. Que pouco valorizávamos, naquela altura, o ato heróico que
podia significar para ele o fato de gastar dez ou quinze minutos! Mas como o
valorizava aquela alma a quem Deus, através do espírito do Opus Dei, lhe saía
ao encontro nesses pormenores minúsculos, mas grandiosos, por estarem cheios de
amor”.
(cont.)
FRANCISCO FAUS, [iii]
A PACIÊNCIA, 2ª edição, QUADRANTE,
São Paulo 1998
(Revisão da versão
portuguesa por ama)
[i]
Todos os factos e depoimentos citados estão extraídos do livro de j. m. cejas, Montse Grases. La alegría de
la entrega, Rialp, Madrid, 1993.
[ii] Concierto para instrumentos desafinados,
Argos- Vergara, Barcelona, 1981, págs. 162 e segs.
[iii]
Francisco Faus é licenciado em Direito pela
Universidade de Barcelona e Doutor em Direito Canónico pela Universidade de São
Tomás de Aquino de Roma. Ordenado sacerdote em 1955, reside em São Paulo, onde
exerce uma intensa atividade de atenção espiritual entre estudantes
universitários e profissionais. Autor de diversas obras literárias, algumas
delas premiadas, já publicou na colecção Temas Cristãos, entre outros, os
títulos O valor das dificuldades, O homem bom, Lágrimas de Cristo, lágrimas dos
homens, Maria, a mãe de Jesus, A voz da consciência e A paz na família.