Novo Testamento
Evangelho
Lc IX, 23-43
Abnegação
23 Depois, dirigindo-se a todos, disse:
«Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, dia após
dia, e siga-me. 24 Pois, quem quiser salvar a sua vida há-de perdê-la; mas,
quem perder a sua vida por minha causa há-de salvá-la. 25 Que aproveita ao
homem ganhar o mundo inteiro, perdendo-se ou condenando-se a si mesmo? 26 Porque,
se alguém se envergonhar de mim e das minhas palavras, dele se envergonhará o Filho
do Homem, quando vier na sua glória e na glória do Pai e dos santos anjos. 27 E
Eu vos asseguro: Alguns dos que estão aqui presentes não experimentarão a
morte, enquanto não virem o Reino de Deus.»
Transfiguração
28 Uns oito dias depois destas palavras,
levando consigo Pedro, João e Tiago, Jesus subiu ao monte para orar. 29 Enquanto
orava, o aspecto do seu rosto modificou-se, e as suas vestes tornaram-se de uma
brancura fulgurante. 30 E dois homens conversavam com Ele: Moisés e Elias, 31 os
quais, aparecendo rodeados de glória, falavam da sua morte, que ia acontecer em
Jerusalém. 32 Pedro e os companheiros estavam a cair de sono; mas, despertando,
viram a glória de Jesus e os dois homens que estavam com Ele. 33 Quando eles
iam separar-se de Jesus, Pedro disse-lhe: «Mestre, é bom estarmos aqui. Façamos
três tendas: uma para ti, uma para Moisés e outra para Elias.» Não sabia o que
estava a dizer. 34 Enquanto dizia isto, surgiu uma nuvem que os cobriu e,
quando entraram na nuvem, ficaram atemorizados. 35 E da nuvem veio uma voz que
disse: «Este é o meu Filho predilecto. Escutai-o.» 36 Quando a voz se fez
ouvir, Jesus ficou só. Os discípulos guardaram silêncio e, naqueles dias, nada
contaram a ninguém do que tinham visto.
Cura do menino possesso
37 No dia seguinte, ao descerem do
monte, veio ao encontro de Jesus uma grande multidão. 38 E, de entre a
multidão, um homem gritou: «Mestre, peço-te que olhes para o meu filho, porque
é o meu filho único. 39 Um espírito apodera-se dele e, subitamente, começa a gritar
e a sacudi-lo com violência, fazendo-o espumar. Só a custo se retira dele,
deixando-o num estado miserável. 40 Pedi aos teus discípulos que o expulsassem,
mas eles não puderam.» 41 Jesus respondeu: «Ó geração incrédula e pervertida!
Até quando estarei convosco e terei de vos suportar? Traz cá o teu filho.» 42 E,
quando ele se aproximava, o demónio atirou-o ao chão e sacudiu-o violentamente.
Jesus, porém, ameaçou o espírito maligno, curou o menino e entregou-o ao pai.
43 E todos estavam maravilhados com a grandeza de Deus.
Texto
MENSAGEM
DO PAPA JOÃO PAULO II
PARA
A QUARESMA DE 1982
Queridos irmãos e irmãs:
«Quem é o meu próximo?» (Lc
10, 29).
Vós recordais, certamente:
foi com a parábola do Bom Samaritano que Jesus respondeu a esta pergunta de um
doutor da Lei, que acabava de referir o que tinha lido na mesma Lei: «Amarás o
Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as
tuas forças e com toda a tua mente, e ao teu próximo, como a ti mesmo».
O Bom Samaritano é, antes de
mais nada, Cristo: foi ele que, primeiro, se aproximou de nós, fez de nós o Seu
próximo, para nos ajudar, nos curar e nos salvar: «despojou-Se a Si mesmo,
tomando a condição de servo, tornando-Se semelhante aos homens e, reconhecido
como homem por todo o Seu exterior, humilhou-Se, fazendo-Se obediente até à
morte, e à morte de cruz» (Flp 2, 7-8).
Se alguma distância existe
ainda entre Deus e nós, esta não pode provir senão de nós, dos obstáculos que
nós mesmos pomos à aproximação: o pecado que está no nosso coração, as
injustiças que cometemos, o ódio e as desuniões que mantemos, enfim, tudo
aquilo que faz com que nós não amemos ainda a Deus com toda a nossa alma e com
todas as nossas forças. O tempo da Quaresma é o tempo favorável para a purificação
e para a Penitência, a fim de nos abrirmos, para o Salvador fazer de nós o Seu
próximo e nos salvar pelo Seu Amor.
O segundo mandamento e
semelhante ao primeiro (cf. Mt 22, 39) e é inseparável dele. Nós amamos os
outros com o mesmo Amor que Deus derrama nos nossos corações e com o qual Ele
próprio os ama. E, também aqui, quantos e quantos obstáculos para fazermos de
outrem o nosso próximo: nós não amamos bastante a Deus e aos nossos irmãos.
Porque havemos de ter ainda tantas dificuldades em sair do estádio – importante
sim, mas insuficiente – da reflexão, das declarações e dos protestos, para nos
tornarmos verdadeiramente imigrados com os imigrados, refugiados com os
refugiados e pobres com aqueles que estão desprovidos de tudo?
O tempo litúrgico da
Quaresma é-nos proporcionado, em Igreja e pela Igreja, para nos purificarmos
dos resíduos de egoísmo, de apego excessivo a certos bens, materiais ou de
outra espécie, que nos retêm à distância daqueles que têm direitos que nos
dizem respeito: principalmente aqueles que, fisicamente próximos ou afastados
de nós, não dispõem da possibilidade de viver com dignidade a sua vida de
homens e de mulheres, criados por Deus à Sua imagem e semelhança.
Deixai-vos, pois, impregnar
do espírito de penitência e de conversão, que é aliás o espírito de amor e de
partilha; à imitação de Cristo, tornai-vos próximos dos despojados e dos
feridos, daqueles que o mundo ignora ou rejeita. Tomai parte em tudo aquilo
que, na vossa Igreja local, se faz com o intuito de os cristãos e todos os
demais homens de boa vontade proporcionarem a cada um dos seus irmãos os meios,
incluindo os meios materiais, para eles poderem viver dignamente e assumir,
eles próprios, a tarefa da sua promoção humana e espiritual, bem como a da sua
família.
Que as colectas da Quaresma,
mesmo nos países pobres, vos possam permitir, mediante a partilha de bens,
ajudar as Igrejas locais de outros países ainda mais desfavorecidos a
desempenhar a sua missão de Bons Samaritanos, junto daqueles por quem elas são
directamente responsáveis: os pobres das suas comunidades, aqueles que não têm
com que alimentar-se, os que são vítimas de denegação da justiça e os que ainda
não podem ser responsáveis pelo próprio desenvolvimento e pelo dos demais
membros das suas comunidades humanas.
Penitência e conversão: é
este o caminho, não triste, de maneira nenhuma, mas sim libertador, a percorrer
no nosso tempo da Quaresma.
E se vos fizerdes novamente
a pergunta - «quem é o meu próximo?» - vós podereis ler a resposta no rosto do Ressuscitado
e ouvi-la dos seus próprios lábios: «Em verdade vos digo que tudo o que
fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes» (Mt 25,40).
IOANNES PAULUS PP. II
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