Jesus Cristo o Santo de Deus
CAPÍTULO II
JESUS CRISTO, O HOMEM NOVO
1.
«Se o Filho vos
libertar…»
Tudo isto
resume a proclamação de Cristo homem novo.
Mas, mais ainda que proclamar ao mundo o homem novo, nós somos chamados a
revestir-nos dele e a vive-lo:
Deveis
despojar-vos do homem velho segundo o qual foi a vossa antiga conduta, homem
que se corrompe seguindo as paixões enganadoras, e deveis renovar-vos no
espírito da vossa mente e revestir-vos do homem novo, que foi criado segundo
Deus na justiça e na verdadeira santidade [i].
Nós não
podemos imitar Cristo enquanto Deus, fazendo milagres ou ressuscitando. Além
disso, não devemos imitá-lo enquanto homem verdadeiro, já que, pelo contrário,
como homem, foi ele quem nos imitou a nós.
(Fala-se
sempre - diz Deus - da imitação de Jesus Cristo.
Que é a
imitação, a fiel imitação do Meu Filho por parte dos homens... mas, afinal, é
preciso não esquecer que o Meu Filho tinha começado com aquela extraordinária
imitação do homem. Uma imitação extraordinariamente fiel, porque foi levada até
à identidade perfeita. Quando tão fielmente e tão perfeitamente Ele se revestiu
do género humano, quando tão fielmente e tão perfeitamente o imitou no
nascimento, no sofrimento, na vida e na morte [ii].
Nós,
portanto, não podemos imitar Jesus enquanto Deus e não devemos imitá-lo
enquanto verdadeiro homem.
Mas podemos
e devemos imitar Jesus Cristo enquanto homem novo, homem sem pecado.
Todos nós
podemos proclamar ao mundo o Cristo homem com a palavra e a escrita. Fê-lo em
várias ocasiões o Concílio Vaticano II, e fá-lo frequentemente, nos seus
discursos e sobretudo na Encíclica O
Redentor do Homem, o Papa João Paulo II.
Mas todos
podem vivê-lo e testemunhá-lo em si mesmos.
São
Francisco de Assis pouco falou do homem novo, porém todos os Seus biógrafos,
depois da sua morte, exprimem a mesma convicção: com ele tinha aparecido no
mundo o homem novo: Gentes de todas as idades acorriam para ver e ouvir aquele
homem que tinha sido dado pelo Céu ao mundo, [iii]
Também aquele que é chamado a proclamar com a palavra, ao mundo de hoje, o
homem novo que é Cristo, sabe que, afinal, as suas palavras somente serão
credíveis com o testemunho da sua vida e, ainda mais ainda, da sua morte.
Nós os
crentes entristecemo-nos por vezes face à cegueira e à dureza de coração dos
nossos contemporâneos que exaltam a independência e a autonomia absoluta do
homem, tanto em relação à moral como a Deus.
Ficamos
verdadeiramente estupefactos perante a enormidade e a hybris de certas declarações como as que atrás foram recordadas.
Apercebemos que nada podemos fazer, que as palavras não são suficientes e que
os apelos mais autorizados, como os lançados pelo Concílio Vaticano II, caem em
saco roto.
Pois bem, há
uma coisa que podemos fazer e é precisamente a de não procederemos como eles, e
de não os limitarmos!
Não façamos
nós também da nossa liberdade e independência um tesouro ciumento que ninguém
pode tocar, como se fosse um ídolo.
Vejo de
facto em mim mesmo, sem necessidade de ir mais longe, como é fácil reconhecer a
gravidade daquelas declarações de autonomia absoluta, escritas nos livros dos
filósofos e posta em prática pelos homens meus contemporâneos, sem me dar
contra, pelo contrário, de quantas vezes elas estão presentes na minha própria
vida e têm tanta influência nas minhas opções.
O homem
velho possui um exército aguerrido em defesa da sua liberdade.
Está
disposto a sacrificar quase tudo, até a saúde, mas não a sua liberdade.
Tudo - diz
ele - menos a liberdade!
E, no
entanto, é essa mesma liberdade que devemos restituir a Deus, pois foi daí
também que começou o caminho do afastamento de Deus.
Teremos, então, que levar muito a sério o convite para
nos despojarmos do homem velho com as suas concupiscências. Despojar-vos do
homem velho significa renunciar à nossa vontade, e revestirmo-nos do homem novo
significa abraçarmos a vontade de Deus. Todas as vezes que decidirmos, mesmo
nas coisas mais pequenas, contrariar a nossa vontade carnal e renegar-nos a nós
próprios, danos mais um passo em direção a Cristo homem novo.
Está escrito dele que não procurou agradar a si
próprio: Christian non sibi placuit [iv].
Está é uma espécie de regra geral para o discernimento
dos espíritos.
Não procurar e não fazer de imediato aquilo que, humanamente falando, nos
agradaria fazer ou dizer.
Nós não podemos saber, em todas as circunstâncias,
qual é a vontade de Deus que devemos fazer, e o que Deus quer e não quer de
nós; em compensação sabemos qual é a nossa vontade de não a fazer.
Reconhecemo-la através de certos sinais infalíveis, conhecidos por todos os que
estão habituados a examinar-se a si próprios. Aprendamos a repetir também nós,
como uma espécie de jaculatória, perante todas as dificuldades e dúvidas,
aquilo que Jesus dizia:
«Não busco a
Minha vontade, mas a vontade daquele que Me enviou [v]; desço do
Céu, não para fazer a Minha vontade, mas a vontade daquele que Me enviou» [vi].
Não estou aqui neste emprego, nesta situação, para
fazer a Minha vontade, mas a vontade de Deus!
A novidade do homem novo mede-se como já vimos, pela
Sua obediência e conformidade à vontade de Deus.
(cont)
rainiero cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia.
[ii] Ch. Péguy, «O
mistério dos Santos inocentes», in Oeuvres
poétiques, Paris, 1975, p. 692
[iii] S. Boaventura, Legendas
Maior, IV, 5 (FF, n. 1072).