Páscoa
Evangelho:
Jo 15, 9-11
9 Como o Pai Me amou,
assim Eu vos amei. Permanecei no Meu amor. 10 Se observardes os Meus preceitos,
permanecereis no Meu amor, como Eu observei os preceitos de Meu Pai e permaneço
no Seu amor. 11 Disse-vos estas coisas, para que a Minha alegria esteja em vós
e para que a vossa alegria seja completa.
Comentário:
Jesus Cristo fala da alegria com a mesma
veemência com que fala da paz, do amor, da união com Ele.
De facto desta união só podem nascer a paz, o amor e a alegria dos filhos de
Deus.
(ama,
comentário sobre Jo 15 9-11 2015.05.07)
Leitura espiritual
SANTO
AGOSTINHO – CONFISSÕES
CAPÍTULO
XXIII
A
opinião de Agostinho
Ouço e medito essas
opiniões na medida do meu fraco entendimento, que confesso a Deus, embora ele
bem o conheça. Vejo que se podem originar duas espécies de opiniões sobre um
testemunho de intérprete fidedigno. Uma é relativa à veracidade das coisas, e
outra à intenção daquele que as enuncia. Procurar conhecer a verdade sobre a
criação é uma coisa; procurar saber o que Moisés, grande servo da tua lei, quis
o que o leitor ou ouvinte entendessem das suas palavras, é outra.
Quanto à primeira opinião,
longe de mim todos os que têm como verdades os seus erros!
Quanto à segunda, longe de
mim todos os que julgam falsidade o que Moisés disse. Possa eu unir-me em ti,
alegrar-me em ti, Senhor, com aqueles que se alimentam da tua verdade na imensidão
da caridade. Aproximemo-nos juntos das palavras do teu Livro, procurando a tua
vontade nas intenções do teu servo, a cuja pena as revelaste.
CAPÍTULO
XXIV
Qual
a verdade?
Quem de nós, entre tantos
significados possíveis que ocorrem aos estudiosos quanto às várias
interpretações das tuas palavras, poderá atinar com tais intenções e declarar
com segurança: “Eis o pensamento de Moisés, este é o sentido que quis dar á sua
narração”. – Quem poderá declará-lo, com a mesma segurança que ele, que essa
narração é verdadeira, qualquer que tenha sido o pensamento de Moisés?
Eis que eu, meu Deus, teu
servo, te consagrei nesta obra o sacrifício das minhas confissões; peço à tua
misericórdia que me permita a realização desse desejo, e declaro com toda a segurança
que criaste todas as coisas, as invisíveis e as visíveis, pelo teu verbo
imutável.
Mas poderei dizer com a
mesma certeza que Moisés teve essa intenção, e não outra, quando escreveu: “No
princípio, criou Deus o céu e a terra”? – Embora esteja persuadido que isto
está claro na tua verdade, não vejo com igual certeza o que Moisés pretendia ao
escrever tais palavras. Por essa expressão: “no princípio” pode ter
significado: “no começo da criação”. Por céu e terra, pode ter querido dar-nos
a entender, a natureza espiritual e corporal, não já formada e perfeita, mas
uma e outra, só esboçada e sem forma. Vejo que ambos os sentidos são igualmente
plausíveis. Mas não posso atinar em qual dos dois pensava Moisés quando
escrevia essas palavras. Fosse porém qual fosse a sua intenção ao exprimir
essas palavras, eu não poderia duvidar de que tão grande homem tenha entrevisto
a verdade e a tenha formulado adequadamente.
CAPÍTULO
XXV
Os
diversos partidos
Que ninguém me moleste
portanto, dizendo: “O pensamento de Moisés não é o que tu dizes, mas o que eu
digo”. – Se apenas me dissessem: “Como sabes que Moisés de facto entendia essas
palavras no sentido que lhe atribuis?” – Eu não me agastaria, e responderia talvez
o que respondi acima, ou até mais explicitamente, se o meu contraditor fosse
insistente.
Quando porém, me dizem: “O
pensamento de Moisés não é o que dizes, é o que eu afirmo” – sem contudo provar
a veracidade de uma ou outra interpretação, então, ó vida dos pobres, ó meu
Deus, em cujo seio não há contradição, inunda de paz o meu coração, para que eu
tenha paciência para suportar essas pessoas. Pois não emitem tais opiniões
inspirados por Deus, ou porque tenham lido o pensamento do teu servo, mas
porque são orgulhosos. Ignoram o pensamento de Moisés, mas só apreciam o deles,
e não por que seja verdadeiro, mas por ser o deles. Se assim não fosse,
apreciariam igualmente a opinião alheia, quando verdadeira, assim como eu
aprecio o que eles dizem verdadeiro, não porque vem deles, mas porque é
verdade, e que, por isso mesmo, é tanto deles como minha, pois pertence em
comum a todos os amantes da verdade.
Quanto à pretensão de que
o pensamento de Moisés não está no que digo, mas no que eles dizem, isso eu não
aceito. Ainda que assim fosse, a sua temeridade não é da ciência, mas a da audácia;
seria produzida não por uma intuição correcta, mas pelo orgulho.
Senhor, o teu julgamento é
terrível. Porque a tua verdade nem é um bem meu, nem o bem deste ou daquele: a
verdade é o bem de todos nós; e tu nos conclamas abertamente a que participemos
dela, com a advertência severa de não a possuirmos como bem privativo, para não
sermos privados dela. De facto, quem reivindica apenas para si o que ofereces
para gozo de todos, e quer para si o que é de todos, é rejeitado desse bem
comum para o que é seu, isto é, da verdade para a mentira: o que fala mentira
fala do que é seu.
Ouvem, pois, juiz
excelente, ó Deus, que és a própria Verdade: ouve o que respondo a esse
contraditor.
É diante de ti que falo, e
na presença dos meus irmãos que usam legitimamente da lei, cujo fim é a
caridade. Escuta e vê o que lhes digo, se é do teu agrado. Eis as palavras
fraternas e de paz que lhe dirijo: “Quando ambos vemos que as tuas palavras são
verdadeiras, ou as minhas palavras são verdadeiras, pergunto: onde o vemos?
Certamente não é em ti que eu a vejo, nem tampouco é em mim que tu a vês. Ambos
a vemos na verdade imutável, que está acima das nossas inteligências”.
Uma vez que não
discordamos sobre essa luz do Senhor, nosso Deus, por quê discutir sobre o
pensamento do nosso próximo? Nós não o podemos ver como vemos a verdade
imutável.
Se o próprio Moisés nos
aparecesse e nos explicasse o seu pensamento – nem assim veríamos esse
pensamento, mas apenas acreditaríamos nele. Cuidemos pois, de não nos
levantarmos orgulhosamente um contra o outro a respeito das Escrituras. Amemos o
Senhor, nosso Deus, de todo o nosso coração, de toda a nossa alma, de todo o
nosso espírito, e ao próximo como a nós mesmos. É segundo esses dois preceitos
da caridade que Moisés pensou aquilo que escreveu nos seus livros. Não
acreditarmos nisso seria considerar o Senhor mentiroso, atribuindo ao seu servo
sentimentos distintos daqueles que ele próprio lhe ensinou. Diante de tantos
pensamentos igualmente verdadeiros que podem ser deduzidos dessas palavras, vê
que estultice é afirmar temerariamente que Moisés teve este pensamento e não
aquele, ofendendo com as nossas disputas perniciosas a caridade, por amor da
qual ele escreveu as palavras que procuramos interpretar!
CAPÍTULO
XXVI
Agostinho
no lugar de Moisés
Todavia, meu Deus, que me
elevas na minha pequenez, que descansas a minha fadiga, que ouves as minhas
confissões e perdoas os meus pecados, tu ordenas-me que eu ame o meu próximo como
a mim mesmo; não posso crer que Moisés, teu servo tão fiel, tenha sido
aquinhoado com menos dons do que eu teria desejado e apetecido se tivesse
nascido no seu tempo, e me tivesses confiado a tarefa de te servir com o meu
coração e a minha língua, e disseminar essas Escrituras. Estas, tanto tempo
depois, deviam ser úteis a todos os homens e, pelo mundo afora, triunfar com o
prestígio da sua autoridade sobre as afirmações das doutrinas falsas e
orgulhosas.
Quereria, se estivesse no
lugar de Moisés – pois todos procedemos da mesma massa, e que é o homem se não
te lembras dele? – e me tivesses confiado a missão de escrever o Génesis,
quereria receber de ti tal eloquência, tal qualidade de estilo, que mesmo os
espíritos incapazes de compreender como foi que Deus criou, não pudessem rejeitar
as minhas palavras como superiores às suas forças; que os que já o pudessem,
descobrissem, nas poucas palavras do teu servo, todas as verdades que a sua
reflexão já lhes tivesse proporcionado; e que se alguém, à luz da tua verdade,
nelas percebesse outro significado, também ele o pudesse encontrar nessas mesmas
palavras.
CAPÍTULO
XXVII
Os
diversos sentidos da Escritura
Assim como uma fonte, no
seu pequeno leito, se torna depois mais abundante e, pelos diversos regatos que
alimenta, banha espaços muito mais amplos que qualquer um deles, que deslizam
através de muitas regiões, assim também a narração do ministro da tua palavra,
que deveria alimentar tantos intérpretes, faz brotar do seu estilo sóbrio e
conciso torrentes de límpida verdade, de onde cada um tira para si a verdade
que pode, para depois desenvolvê-la em longas sinuosidades de palavras.
Alguns, lendo ou escutando
aquelas palavras, imaginam a Deus como homem ou como massa material dotada de
imenso poder que, por decisão nova e repentina, criara fora de si mesma e como
que à distância, o céu e a terra, esses dois grandes corpos, um superior, outro
inferior, onde estão contidas todas as coisas. E ao ouvirem dizer: ”Deus disse:
faça-se isto! E isto foi feito! – imaginam que se trata de palavras comuns, que
começam e terminam, que soam no tempo e passam. Julgam que, logo após
pronunciadas, começa existir o que ordenaram que existisse. Todas as suas
demais concepções se ressentem do mesmo hábito de pensar de modo carnal.
Nisto são como crianças,
pois enquanto essa linguagem humilde sustentar a sua fraqueza como o seio de
uma mãe, o que se fortifica salutarmente é a fé, que lhes faz ter como certo
que Deus criou todas as realidades, cuja admirável variedade impressiona a seus
sentidos.
Mas, se alguém,
desprezando a aparente simplicidade das tuas palavras, na sua orgulhosa fraqueza,
se lançar para fora do ninho que o nutriu, então cairá miseravelmente, Senhor
Deus, tem piedade dele! Que os transeuntes não pisem este passarinho implume;
manda o teu anjo para que o reponha no ninho, para que viva até que aprenda a
voar!
(Revisão
de versão portuguesa por ama)