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Leitura Espiritual
Cristo que passa |
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Já falámos muito deste
tema noutras ocasiões, mas permiti-me insistir de novo na naturalidade e na
simplicidade da vida de S. José, que não se distinguia da dos seus vizinhos nem
levantava barreiras desnecessárias.
Por isso, ainda que possa
ser conveniente nalguns momentos ou em algumas situações, habitualmente não
gosto de falar de operários católicos, de engenheiros católicos, de médicos
católicos, etc., como se se tratasse de uma espécie dentro dum género, como se
os católicos formassem um grupinho separado dos outros, dando assim a sensação
de que existe um fosso entre os cristãos e o resto da humanidade.
Respeito a opinião oposta,
mas penso que é muito mais correcto falar de operários que são católicos, ou de
católicos que são operários; de engenheiros que são católicos ou de católicos
que são engenheiros. Porque o homem que tem fé e exerce uma profissão
intelectual, técnica ou manual, está e sente-se unido aos outros, igual aos
outros, com os mesmos direitos e obrigações, com o mesmo desejo de melhorar,
com o mesmo empenho de se enfrentar com os problemas comuns e de lhes encontrar
a solução.
O católico, assumindo tudo
isto, saberá fazer da sua vida diária um testemunho de Fé, de Esperança e de
Caridade; testemunho simples, normal, sem necessidade de manifestações
aparatosas, pondo de manifesto - com a coerência da sua vida - a presença
constante da Igreja no mundo, visto que todos os católicos são, eles mesmos,
Igreja, pois são membros, com pleno direito, do único Povo de Deus.
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As relações entre José e
Jesus
Há bastante tempo que
gosto de recitar uma comovedora invocação a S. José, que a própria Igreja nos
oferece entre as orações preparatória da Missa: José, varão bem-aventurado e feliz, ao qual foi concedido ver e ouvir a
Deus, a Quem muitos reis quiseram ver e ouvir e não viram nem ouviram; e não só
vê-Lo e ouvi-Lo mas trazê-Lo nos braços, beijá-Lo, vesti-Lo e guardá-Lo: rogai
por nós.
Esta oração servir-nos-á
para entrar no último tema que hoje vou tocar: a convivência íntima e carinhosa
de José com Jesus.
Para S. José, a vida de
Jesus foi uma contínua descoberta da sua vocação.
Recordámos acima aqueles
primeiros anos cheios de circunstâncias aparentemente contraditórias:
glorificação e fuga, majestade dos magos e pobreza da gruta, canto dos Anjos e
silêncio dos homens. Quando chega o momento de apresentar o Menino no Templo,
José, que leva a modesta oferenda de um par de rolas, vê como Simeão e Ana
proclamam que Jesus é o Messias.
Seu pai e sua mãe ouviram
com admiração, diz S. Lucas.
Mais tarde, quando o
Menino fica no templo sem que Maria e José o saibam, ao encontrá-Lo de novo
depois de O procurarem três dias, o mesmo evangelista narra que se
maravilharam.
José surpreende-se, José
admira-se.
Deus vai-lhe revelando os
seus desígnios e ele esforça-se por compreendê-los.
Como toda a alma que quer
seguir de perto Jesus, descobre logo que não é possível andar com passo
ronceiro, que não pode viver da rotina.
Porque Deus não se
conforma com a estabilidade num nível conseguido, com o descanso no que já se
tem. Deus exige continuamente mais e os seus caminhos não são os nossos
caminhos humanos.
S. José, como nenhum outro
homem antes ou depois dele, aprendeu de Jesus a estar atento para conhecer as
maravilhas de Deus, a ter a alma e o coração abertos.
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Mas, se José aprendeu de
Jesus a viver de um modo divino, atrever-me-ia a dizer que, no aspecto humano,
ensinou muitas coisas ao Filho de Deus.
Há qualquer coisa que não
me agrada no título de pai adoptivo com que às vezes se designa José, porque
tem o perigo de fazer pensar que as relações entre José e Jesus eram frias e
externas.
Certamente que a nossa fé
nos diz que não era pai segundo a carne, mas não é essa a única paternidade.
A José - lemos num sermão de Santo Agostinho - não só se lhe deve o nome de pai, mas este é-lhe devido mais do que a
qualquer outro. E continua: Como era pai? Tanto mais profundamente pai, quanto
mais casta foi a sua paternidade. Alguns pensavam que era pai de Nosso Senhor
Jesus Cristo da mesma forma que são pai os outros, que geram segundo a carne e
não recebem os seus filhos só como fruto do seu afecto espiritual. Por isso, diz S. Lucas: pensava-se que era
pai de Jesus.
Porque diz apenas
pensava-se?
Porque o pensamento e o
juízo humanos referem-se àquilo que costuma acontecer entre os homens.
E o Senhor não nasceu do
germe de José. Mas à piedade e caridade de José nasceu um filho da Virgem
Maria, que era Filho de Deus.
José amou Jesus como um
pai ama o seu filho, tratou-o dando-lhe tudo que de melhor tinha. José,
cuidando daquele Menino como lhe tinha sido ordenado, fez de Jesus um artesão:
transmitiu-lhe o seu ofício.
Por isso, os vizinhos de
Nazaré falavam de Jesus chamando-lhe indistintamente faber e fabri filius”: artesão e filho do artesão. Jesus trabalhou
na oficina de José e junto de José.
Como seria José, como
teria actuado nele a graça, para ser capaz de levar a cabo a tarefa de
desenvolver no aspecto humano o Filho de Deus?
Por isso, Jesus devia
parecer-se com José no modo de trabalhar, nos traços do seu carácter, na
maneira de falar.
No realismo de Jesus, no
seu espírito de observação, no seu modo de se sentar à mesa e de partir o pão,
no seu gosto por falar dum modo concreto tomando como exemplo as coisas da vida
corrente, reflecte-se o que foi a infância e a juventude de Jesus e, portanto,
a sua convivência com José.
Não é possível desconhecer
a sublimidade do mistério.
Esse Jesus que é homem,
que fala com o sotaque de uma determinada região de Israel, que se parece com
um artesão chamado José, esse é o Filho de Deus.
E quem pode ensinar alguma
coisa a Deus?
Mas é realmente homem e
vive normalmente: primeiro como menino; depois, como rapaz que ajuda na oficina
de José; finalmente como homem maduro, na plenitude da idade.
Jesus crescia em
sabedoria, em idade e em graça diante de Deus e dos homens.
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José foi, no aspecto
humano, mestre de Jesus; conviveu com Ele diariamente, com carinho delicado, e
cuidou dele com abnegação alegre. Não será esta uma boa razão para
considerarmos este varão justo, este Santo Patriarca, no qual culmina a Fé da
Antiga Aliança, Mestre de vida interior?
A vida interior não é
outra coisa senão o convívio assíduo e intimo com Cristo, para nos
identificarmos com Ele.
E José saberá dizer-nos
muitas coisas sobre Jesus.
Por isso, não deixeis
nunca de conviver com ele; ite ad Joseph,
como diz a tradição cristã com uma frase tomada do Antigo Testamento.
Mestre da vida interior,
trabalhador empenhado no seu trabalho, servidor fiel de Deus em relação
contínua com Jesus: este é José.
Ite ad Joseph.
Com S. José o cristão
aprende o que é ser Deus e estar plenamente entre os homens, santificando o
mundo.
Ide a José e encontrareis
Jesus. Ide a José e encontrareis Maria, que encheu sempre de paz a amável
oficina de Nazaré.
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Entramos no tempo da
Quaresma: tempo de penitência, de purificação, de conversão.
Não é fácil tarefa.
O cristianismo não é um
caminho cómodo; não basta estar na Igreja e deixar que os anos passem.
Na nossa vida, na vida dos
cristãos, a primeira conversão - esse momento único, que cada um de nós
recorda, em que advertimos claramente tudo o que o Senhor nos pede - é
importante; mas ainda mais importantes e mais difíceis são as conversões
sucessivas.
É preciso manter a alma
jovem, invocar o Senhor, saber ouvir, descobrir o que corre mal, pedir perdão,
para facilitarmos o trabalho da graça divina nessas sucessivas conversões.
Invocabit me et ego exaudiam eum, lemos na liturgia deste Domingo: Se me chamardes,
Eu vos escutarei, diz o Senhor.
Reparai nesta maravilha
que é o cuidado que Deus tem por nós, sempre disposto a ouvir-nos, atento em
cada momento à palavra do homem.
Em qualquer altura - mas
agora de modo especial, porque o nosso coração está bem disposto, decidido a
purificar-se - Ele nos ouve e não deixará de atender ao que Lhe pede um coração
contrito e humilhado.
O Senhor ouve-nos para
intervir, para Se meter na nossa vida, para nos livrar do mal e encher-nos de
bem: eripiam eum et glorificabo eum,
Eu o livrarei e o glorificarei, diz do homem.
Portanto: esperança do
Céu.
E aqui temos, como doutras
vezes, o começo desse movimento interior que é a vida espiritual.
A esperança da
glorificação acentua a nossa fé e estimula a nossa caridade. E, deste modo, as
três virtudes teologais - virtudes divinas que nos assemelham ao nosso Pai,
Deus - põem-se em movimento.
Haverá melhor maneira de
começar a Quaresma?
Renovamos a Fé, a
Esperança, a Caridade. Esta é a fonte do espírito de penitência, do desejo de
purificação.
A Quaresma não é apenas
uma ocasião de intensificar as nossas práticas externas de mortificação; se
pensássemos que era isso apenas, escapar-nos-ia o seu sentido profundo na vida
cristã, porque esses actos externos são, repito, fruto da Fé, da Esperança e do
Amor.
(cont)