Tempo de Quaresma III Semana
Evangelho:
Mc 12 28-34
28 Então aproximou-se um dos escribas, que os tinha ouvido discutir.
Vendo que Jesus lhes tinha respondido bem, perguntou-Lhe: «Qual é o primeiro de
todos os mandamentos?». 29 Jesus respondeu-lhe: «O primeiro de todos
os mandamentos é este: “Ouve, Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor. 30
Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo
o teu entendimento e com todas as tuas forças”. 31 O segundo é este:
“Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Não há outro mandamento maior do que
estes». 32 Então o escriba disse-Lhe: «Mestre, disseste bem e com
verdade que Deus é um só, e que não há outro fora d'Ele; 33 e que
amá-l'O com todo o coração, com todo o entendimento, com toda a alma, e com
todas as forças, e amar o próximo como a si mesmo, vale mais que todos os
holocaustos e sacrifícios». 34 Vendo Jesus que tinha respondido
sabiamente, disse-lhe: «Não estás longe do reino de Deus». Desde então ninguém
mais ousava interrogá-l'O.
Comentário:
É muito conveniente que São Marcos tenha feito constar
no seu Evangelho este acontecimento tão importante. Fica exarado de forma
iniludível além do que já sabemos – que Jesus Cristo não faz acepção de pessoas
e todo e qualquer ser humano tem um valor intrínseco porque por todos deu a Sua
própria vida – mas que a Sua palavra, o Seu exemplo atinge todas as classes
sociais e que nunca se deve tomar o individuo pelo todo.
A conclusão é que havia Escribas, Fariseus, Doutores da
Lei, ou seja membros da classe dominante em Israel que procuravam ouvir Cristo
e entender as Suas palavras, a Sua mensagem.
(ama, comentário sobre Mc
12, 28-34, 2014.03.28)
Leitura espiritual
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA EVANGELII GAUDIUM
DO SANTO PADRE FRANCISCO AO EPISCOPADO, AO CLERO ÀS PESSOAS CONSAGRADAS E AOS FIÉIS LEIGOS SOBRE O ANÚNCIO DO EVANGELHO NO MUNDO ACTUAL
III. a preparação da pregação
145. A preparação da
pregação é uma tarefa tão importante que convém dedicar-lhe um tempo longo de
estudo, oração, reflexão e criatividade pastoral.
Com muita amizade, quero
deter-me a propor um itinerário de preparação da homilia.
Trata-se de indicações
que, para alguns, poderão parecer óbvias, mas considero oportuno sugeri-las
para recordar a necessidade de dedicar um tempo privilegiado a este precioso
ministério.
Alguns párocos sustentam
frequentemente que isto não é possível por causa de tantas incumbências que
devem desempenhar; todavia atrevo-me a pedir que todas as semanas se dedique a
esta tarefa um tempo pessoal e comunitário suficientemente longo, mesmo que se
tenha de dar menos tempo a outras tarefas também importantes.
A confiança no Espírito
Santo que actua na pregação não é meramente passiva, mas activa e criativa.
Implica oferecer-se como
instrumento[i],
com todas as próprias capacidades, para que possam ser utilizadas por Deus.
Um pregador que não se
prepara não é «espiritual»: é desonesto e irresponsável quanto aos dons que
recebeu.
O
culto da verdade
146. O primeiro passo,
depois de invocar o Espírito Santo, é prestar toda a atenção ao texto bíblico,
que deve ser o fundamento da pregação.
Quando alguém se detém
procurando compreender qual é a mensagem dum texto, exerce o «culto da
verdade».[ii]
É a humildade do coração
que reconhece que a Palavra sempre nos transcende, que somos, «não os árbitros
nem os proprietários, mas os depositários, os arautos e os servidores».[iii]
Esta atitude de humilde e
deslumbrada veneração da Palavra exprime-se detendo-se a estudá-la com o máximo
cuidado e com um santo temor de a manipular.
Para se poder interpretar
um texto bíblico, faz falta paciência pôr de parte toda a ansiedade e
atribuir-lhe tempo, interesse e dedicação gratuita. Há que pôr de lado qualquer
preocupação que nos inquiete, para entrar noutro âmbito de serena atenção.
Não vale a pena dedicar-se
a ler um texto bíblico, se aquilo que se quer obter são resultados rápidos,
fáceis ou imediatos.
Por isso, a preparação da
pregação requer amor.
Uma pessoa só dedica um
tempo gratuito e sem pressa às coisas ou às pessoas que ama; e aqui trata-se de
amar a Deus, que quis falar. A partir deste amor, uma pessoa pode deter-se todo
o tempo que for necessário, com a atitude dum discípulo: «Fala, Senhor; o teu
servo escuta»[iv].
147. Em primeiro lugar,
convém estarmos seguros de compreender adequadamente o significado das palavras
que lemos.
Quero insistir em algo que
parece evidente, mas que nem sempre é tido em conta: o texto bíblico, que
estudamos, tem dois ou três mil anos, a sua linguagem é muito diferente da que
usamos agora.
Por mais que nos pareça
termos entendido as palavras, que estão traduzidas na nossa língua, isso não
significa que compreendemos correctamente tudo quanto o escritor sagrado queria
exprimir.
São conhecidos os vários
recursos que proporciona a análise literária: prestar atenção às palavras que
se repetem ou evidenciam, reconhecer a estrutura e o dinamismo próprio dum
texto, considerar o lugar que ocupam os personagens, etc.
Mas o objectivo não é o de
compreender todos os pequenos detalhes dum texto; o mais importante é descobrir
qual é a mensagem principal, a mensagem que confere estrutura e unidade ao
texto.
Se o pregador não faz este
esforço, é possível que também a sua pregação não tenha unidade nem ordem; o
seu discurso será apenas uma súmula de várias ideias desarticuladas que não
conseguirão mobilizar os outros.
A mensagem central é
aquela que o autor quis primariamente transmitir, o que implica identificar não
só uma ideia mas também o efeito que esse autor quis produzir.
Se um texto foi escrito
para consolar, não deveria ser utilizado para corrigir erros; se foi escrito
para exortar, não deveria ser utilizado para instruir; se foi escrito para
ensinar algo sobre Deus, não deveria ser utilizado para explicar várias
opiniões teológicas; se foi escrito para levar ao louvor ou ao serviço
missionário, não o utilizemos para informar sobre as últimas notícias.
148. É verdade que, para
se entender adequadamente o sentido da mensagem central dum texto, é preciso
colocá-lo em ligação com o ensinamento da Bíblia inteira, transmitida pela
Igreja.
Este é um princípio
importante da interpretação bíblica, que tem em conta que o Espírito Santo não
inspirou só uma parte, mas a Bíblia inteira, e que, nalgumas questões, o povo
cresceu na sua compreensão da vontade de Deus a partir da experiência vivida.
Assim se evitam
interpretações equivocadas ou parciais, que contradizem outros ensinamentos da
mesma Escritura.
Mas isto não significa
enfraquecer a acentuação própria e específica do texto que se deve pregar.
Um dos defeitos de uma
pregação enfadonha e ineficaz é precisamente não poder transmitir a força
própria do texto que foi proclamado.
A
personalização da Palavra
149. O pregador «deve ser
o primeiro a desenvolver uma grande familiaridade pessoal com a Palavra de
Deus: não lhe basta conhecer o aspecto linguístico ou exegético, sem dúvida
necessário; precisa de se abeirar da Palavra com o coração dócil e orante, a
fim de que ela penetre a fundo nos seus pensamentos e sentimentos e gere nele
uma nova mentalidade».[v]
Faz-nos bem renovar, cada
dia, cada domingo, o nosso ardor na preparação da homilia, e verificar se, em
nós mesmos, cresce o amor pela Palavra que pregamos.
É bom não esquecer que,
«particularmente, a maior ou menor santidade do ministro influi sobre o anúncio
da Palavra».[vi]
Como diz São Paulo,
«falamos, não para agradar aos homens, mas a Deus que põe à prova os nossos
corações»[vii].
Se está vivo este desejo
de, primeiro, ouvirmos nós a Palavra que temos de pregar, esta transmitir-se-á
duma maneira ou doutra ao povo fiel de Deus: «A boca fala da abundância do
coração»[viii].
As leituras do Domingo
ressoarão com todo o seu esplendor no coração do povo, se primeiro ressoarem
assim no coração do Pastor.
150. Jesus irritava-Se com
pretensiosos mestres, muito exigentes com os outros, que ensinavam a Palavra de
Deus mas não se deixavam iluminar por ela: «Atam fardos pesados e insuportáveis
e colocam-nos aos ombros dos outros, mas eles não põem nem um dedo para os
deslocar» (Mt 23, 4)[ix].
E o Apóstolo São Tiago
exortava «Meus irmãos, não haja muitos entre vós que pretendam ser mestres,
sabendo que nós teremos um julgamento mais severo»[x].
Quem quiser pregar, deve
primeiro estar disposto a deixar-se tocar pela Palavra e fazê-la carne na sua vida
concreta.
Assim, a pregação
consistirá na actividade tão intensa e fecunda que é «comunicar aos outros o
que foi contemplado».[xi]
Por tudo isto, antes de
preparar concretamente o que vai dizer na pregação, o pregador tem que aceitar
ser primeiro trespassado por essa Palavra que há-de trespassar os outros,
porque é uma Palavra viva e eficaz, que, como uma espada, «penetra até à
divisão da alma e do corpo, das articulações e das medulas, e discerne os
sentimentos e intenções do coração»[xii].
Isto tem um valor
pastoral.
Mesmo nesta época, a gente
prefere escutar as testemunhas: «Tem sede de autenticidade (...), reclama
evangelizadores que lhe falem de um Deus que eles conheçam e lhes seja familiar
como se eles vissem o invisível».[xiii]
151. Não nos é pedido que
sejamos imaculados, mas que não cessemos de melhorar, vivamos o desejo profundo
de progredir no caminho do Evangelho, e não deixemos cair os braços.
Indispensável é que o
pregador esteja seguro de que Deus o ama, de que Jesus Cristo o salvou, de que
o seu amor tem sempre a última palavra.
À vista de tanta beleza,
sentirá muitas vezes que a sua vida não lhe dá plenamente glória e desejará
sinceramente corresponder melhor a um amor tão grande.
Todavia, se não se detém
com sincera abertura a escutar esta Palavra, se não deixa que a mesma toque a
sua vida, que o interpele, exorte, mobilize, se não dedica tempo para rezar com
esta Palavra, então na realidade será um falso profeta, um embusteiro ou um charlatão
vazio.
Em todo o caso, desde que
reconheça a sua pobreza e deseje comprometer-se mais, sempre poderá dar Jesus
Cristo, dizendo como Pedro: «Não tenho ouro nem prata, mas o que tenho, isto te
dou» (Act
3, 6)[xiv].
O Senhor quer servir-Se de
nós como seres vivos, livres e criativos, que se deixam penetrar pela sua
Palavra antes de a transmitir; a sua mensagem deve passar realmente através do
pregador, e não só pela sua razão, mas tomando posse de todo o seu ser.
O Espírito Santo, que
inspirou a Palavra, é quem «hoje ainda, como nos inícios da Igreja, age em cada
um dos evangelizadores que se deixa possuir e conduzir por Ele, e põe na sua
boca as palavras que ele sozinho não poderia encontrar».[xv]
A
leitura espiritual
152. Há uma modalidade
concreta para escutarmos aquilo que o Senhor nos quer dizer na sua Palavra e
nos deixarmos transformar pelo Espírito: designamo-la por «lectio divina».
Consiste na leitura da
Palavra de Deus num tempo de oração, para lhe permitir que nos ilumine e
renove.
Esta leitura orante da
Bíblia não está separada do estudo que o pregador realiza para individuar a
mensagem central do texto; antes pelo contrário, é dela que deve partir para
procurar descobrir aquilo que essa mesma mensagem tem a dizer à sua própria
vida.
A leitura espiritual dum
texto deve partir do seu sentido literal.
Caso contrário, uma pessoa
facilmente fará o texto dizer o que lhe convém, o que serve para confirmar as
suas próprias decisões, o que se adapta aos seus próprios esquemas mentais.
E isto seria, em última
análise, usar o sagrado para proveito próprio e passar esta confusão para o
povo de Deus.
Nunca devemos esquecer-nos
de que, por vezes, «também Satanás se disfarça em anjo de luz»[xvi].
153. Na presença de Deus,
numa leitura tranquila do texto, é bom perguntar-se, por exemplo: «Senhor, a mim
que me diz este texto?
Com esta mensagem, que quereis mudar na minha
vida?
Que é que me dá fastídio
neste texto?
Porque é que isto não me
interessa?»;
ou então:
«De que gosto?
Em que me estimula esta
Palavra?
Que me atrai?
E porque me atrai?».
Quando se procura ouvir o
Senhor, é normal ter tentações.
Uma delas é simplesmente
sentir-se chateado e acabrunhado e dar tudo por encerrado; outra tentação muito
comum é começar a pensar naquilo que o texto diz aos outros, para evitar de o
aplicar à própria vida.
Acontece também começar a
procurar desculpas, que nos permitam diluir a mensagem específica do texto.
Outras vezes pensamos que
Deus nos exige uma decisão demasiado grande, que ainda não estamos em condições
de tomar.
Isto leva muitas pessoas a
perderem a alegria do encontro com a Palavra, mas isso significaria esquecer
que ninguém é mais paciente do que Deus Pai, ninguém compreende e sabe esperar
como Ele. Deus convida sempre a dar um passo mais, mas não exige uma resposta
completa, se ainda não percorremos o caminho que a torna possível.
Apenas quer que olhemos
com sinceridade a nossa vida e a apresentemos sem fingimento diante dos seus
olhos, que estejamos dispostos a continuar a crescer, e peçamos a Ele o que
ainda não podemos conseguir.
(cont)
(Revisão da versão portuguesa por ama)
[ii] Paulo VI, Exort.
ap. Evangelii nuntiandi (8 de Dezembro de 1975), 78: AAS 68 (1976), 71.
[iii] Ibid., 78: o. c.,
71.
[v] : 115 João Paulo
II, Exort. ap. pós-sinodal Pastores dabo vobis (25 de Março de 1992), 26: AAS
84 (1992), 698.
[vi] Ibid., 25: o. c.,
696.
[xi] São Tomás de
Aquino, Summa theologiae II-II, q. 188, a. 6.
[xiii] Paulo VI, Exort.
ap. Evangelii nuntiandi (8 de Dezembro de 1975), 76: AAS 68 (1976), 68.
[xv] Ibid., 75: o. c.,
65.