Páscoa
Evangelho:
Jo 14, 7-14
7 Se Me conhecêsseis, também
certamente conheceríeis Meu Pai; mas desde agora O conheceis e já O vistes». 8
Filipe disse-Lhe: «Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos basta». 9 Jesus
disse-lhe: «Há tanto tempo que estou convosco, e ainda não Me conheces, Filipe?
Quem Me viu, viu também o Pai. Como dizes, pois: Mostra-nos o Pai? 10 Não
acreditais que Eu estou no Pai e que o Pai está em Mim? As palavras que vos
digo, não as digo por Mim mesmo. O Pai, que está em Mim, Esse é que faz as
obras. 11 Crede em Mim: Eu estou no Pai e o Pai está em Mim. 12 Crede-o ao
menos por causa das mesmas obras. «Em verdade, em verdade vos digo, que aquele
que crê em Mim fará também as obras que Eu faço. Fará outras ainda maiores,
porque Eu vou para o Pai. 13 Tudo o que pedirdes em Meu nome, Eu o farei, para
que o Pai seja glorificado no Filho. 14 Se Me pedirdes alguma coisa em Meu
nome, Eu a farei.
Comentário:
São João insiste repetidamente na Filiação Divina de Jesus Cristo.
Ou melhor, na identificação de Jesus Cristo como O Filho único de
Deus, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade.
Porquê?
Porque de facto se não acreditarmos nestas verdades da nossa Fé
então nada valerá a pena.
Acreditar em Jesus Cristo é a base de toda a vida cristã e a
justificação da nossa Fé.
(ama, comentário sobre Jo
14, 7-14, 2015.05.02)
Leitura espiritual
SANTO
AGOSTINHO – CONFISSÕES
CAPÍTULO
XXVII
A
medida do passado
Insiste, ó minha alma, e
presta grande atenção: Deus é nosso apoio. Ele é que nos criou, e não nós. Olha
para lá, para o lado onde desponta a aurora da verdade.
Eis, por exemplo, que uma
voz corpórea começa a ressoar, e soa, e continua vibrando e deixar de soar;
faz-se silêncio, a voz calou-se, passou e deixa de existir. Antes de soar, era
futura, e não podia ser medida, pois ainda não existia; e agora também não o
pode, porque já não existe mais. Só poderíamos medi-la quando ressoava, porque
então havia o que medir. Mas mesmo então não era estável, porque vinha e
passava. E não seria isso que a tornava mensurável?
Porque enquanto passava,
estendia-se por um espaço de tempo que a tornava capaz de ser medida, porque o
presente não tem duração alguma.
Admitamos que foi possível
medi-la; eis, suponhamos agora, uma outra voz que começa a fazer-se ouvir;
vibra de modo contínuo, sem nenhuma interrupção. Meçamo-la enquanto vibra, porque
no momento em que deixar de vibrar será passada, e já não poderá ser medida.
Meçamo-la, então, e avaliemos a sua duração. Mas ela vibra ainda, e só pode ser
medida depois do início do fenómeno, quando começa a vibrar, até ao seu fim,
quando deixa de vibrar. Porque é precisamente o intervalo que separa um começo
de um fim que nós medimos. Por isso, uma voz, que ainda não terminou de
ressoar, escapa à medida: é impossível dizer se ela será longa ou breve, se é
igual a outra, simples ou dupla, ou qual a relação que tem com essa outra.
Mas quando terminar de
soar, deixará de existir. Como, então, poderemos medi-la?
De facto, medimos o tempo;
mas não o tempo que ainda não existe, nem o que já não existe, nem o que não
tem duração alguma, nem o que está passando. Não é, portanto, nem o futuro, nem
o passado, nem o presente, nem o que não tem limites que medimos: e, contudo, medimos
o tempo.
Deus
creator omnium (Deus, criador de tudo quanto existe):
este verso é formado de oito sílabas, alternativamente breves e longas. As
quatro breves, a primeira, a terceira, a quinta e a sétima – são simples em
relação às quatro longas: a segunda, a quarta, a sexta e a oitava. Cada sílaba
longa tem uma duração duas vezes maior que a breve. Eu pronuncio e percebo que
é assim pelo testemunho claro dos meus sentidos. E por este testemunho que é
fidedigno, meço uma longa por uma breve, e noto que ela a contém duas vezes.
Mas como uma sílaba só se
faz ouvir depois da outra, se a breve vem primeiro, e a longa a seguir, como
poderei reter a breve, como aplicá-la à longa, para compará-las e ver que esta contém
aquela duas vezes, uma vez que a longa só começa a soar quando a breve deixou
de se ouvir? E a própria sílaba longa, não me é possível medi-la enquanto está
soando, porque eu só poderia medi-la quando se calasse. Mas ela, ao terminar,
passou. Que é pois que eu meço? Onde está a breve, que seria minha medida? Onde
está a longa, que meço? Apenas vibraram, foram-se, passaram, e não existem
mais. Não obstante, eu meço-as e respondo com a segurança que me pode dar um
sentido bem educado, que evidentemente uma é de duração simples e a outra dupla.
Mas só poderei fazê-lo depois que ambas passaram e terminaram.
Logo, eu não meço as
sílabas, que não existem mais, mas algo que permanece gravado na minha memória.
É em ti, meu espírito, que
meço o tempo. Não me objectes nada, pois é assim. Não te perturbes com as ondas
desordenadas das tuas emoções. É em ti, digo, que meço o tempo. A impressão que
as coisas na sua passagem gravam em ti, perduram ainda depois que os factos passam.
O que eu meço é esta impressão presente, e não as vibrações que a produziram e
se foram. É ela que meço quando meço o tempo. Portanto, ou essa impressão é o
tempo, ou eu não meço o tempo.
Mas quando medimos
silêncios, e dizemos que o silêncio teve a mesma duração que certa palavra, não
estamos dirigindo a nossa atenção para a medida dessa palavra, como se ainda pudéssemos
ouvi-la, para podermos avaliar no espaço de tempo, o intervalo do silêncio? Com
efeito, por vezes, sem abrir a boca ou dizer palavra, fazemos mentalmente
poemas, versos, discursos; avaliamos a extensão do seu movimento, a sua
duração, uns em relação aos outros, exactamente como se usássemos a voz.
Se alguém quisesse
pronunciar um som prolongado, e regular antecipadamente, em pensamento, a sua
duração, estima em silêncio a medida dessa duração e, confiando à memória, começa
a emitir o som, que vibra até atingir o limite fixado. Ou melhor: esse som
vibrou e vibrará, porque a parte que passou soou; a que ainda resta, soará e
chegará ao seu fim. A atenção presente vai lançando o futuro para o passado, e
o passado cresce com a diminuição do futuro, até que, esgotado o futuro, não
haja mais que passado.
CAPÍTULO
XXVIII
A
medida do futuro
Mas o futuro, que ainda
não existe, como pode diminuir ou consumir-se? E o passado, que já não existe,
como pode aumentar, a não ser por existirem no espírito, autor dessas três transformações:
a espera, a atenção e a lembrança? O objecto da sua espera passa pela atenção e
se transforma em lembrança.
De facto, quem ousará
negar que o futuro ainda não existe? Todavia, a espera do futuro já está no
espírito. E quem poderá negar que o passado não mais existe? Contudo, a
lembrança do passado ainda está no espírito. Enfim, haverá alguém que negue que
o presente carece de duração, porque é um instante que passa? No entanto,
perdura a atenção, diante da qual o seu objecto presente se retira
continuamente. O futuro, portanto, não é longo, porque não existe.
Um futuro longo seria apenas uma longa espera
do futuro. Nem pode o passado ser longo, que também não existe. Um passado
longo é uma longa lembrança do passado.
Digamos que eu queira
cantar uma canção que conheço: antes de iniciar, a minha expectativa estende-se
pela melodia como um todo. Quando começo, tudo o que se torna passado é armazenado
na memória. A actividade do meu espírito divide-se em memória, onde guardo o
que já disse, e em expectativa em relação ao que vou dizer. Contudo, a atenção
está presente, e por seu intermédio o futuro torna-se passado. Quanto mais se
aproxima o fim da canção, tanto menos se torna a expectativa e tanto maior a
memória, até que aquela se esgota e a acção cumprida passa inteiramente para a
memória.
E o que acontece com a
canção tomada no seu conjunto, também ocorre com cada uma das suas partes, com
cada sílaba; e também acontece com uma acção mais longa, da qual essa melodia
talvez faça parte. O mesmo acontece com toda a vida do homem, da qual seus actos
são partes. Sucede, enfim, com toda a história dos filhos do homem, da qual
cada existência é apenas uma parte.
CAPÍTULO
XXIX
A
eternidade de Deus
Mas porque a tua
misericórdia é superior a todas as vidas, e eis que a minha vida não é mais que
distensão, e a tua destra me acolheu no meu Senhor, o Filho do homem, mediador
entre ti, que és uno, e nós, que somos muitos e vivemos divididos por diversas
paixões.
Por ele me unirei àquele,
que por ele se uniu a nós, e liberto dos antigos dias, recolherei o meu ser
seguindo a tua Unidade. Esquecido do passado, sem me preocupar com as coisas
futuras e transitórias, atento apenas àquilo que é eterno, não com dispersão
mas com todas as minhas forças buscarei a palma da vocação celeste, onde
ouvirei a voz do teu louvor, e onde contemplarei a tua alegria, que não conhece
futuro nem passado.
Agora, porém, os meus anos
transcorrem em lamentos, e tu, meu consolo, ó Senhor, meu Pai, tu és eterno.
Mas eu me dispersei no tempo, cuja ordem ignoro; tumultuosas vicissitudes despedaçam
os meus pensamentos, entranhas da minha alma, até o dia em que, purificado pelo
fogo do teu amor, me una a ti.
CAPÍTULO
XXX
Deus
e o tempo
E repousarei imutável em
ti, na tua verdade, na minha forma. Não mais tolerarei as perguntas das pessoas
que, pela enfermidade que é a pena do seu pecado, tem mais sede de saber do que
lhes permite a sua capacidade, que dizem: “Que fazia Deus antes de criar o céu
e a terra?” – ou ainda: “Como lhe veio a ideia de criar algo, se antes nunca
fizera nada” – Concede-lhes, Senhor, que reflictam no que dizem, que
compreendam que não se pode falar nunca onde não há tempo. Quando se diz que
alguém nunca fez nada, que se quer dizer senão que esse tal nada fez em tempo
algum? Que eles compreendam que não pode existir tempo na ausência da criação,
e se deixem de semelhantes falácias.
Que também atentem para o
que têm diante de si, para compreender que tu, antes de todos os tempos, és o
Criador eterno de todos os tempos, e que nenhum tempo te é co-eterno, nem
criatura alguma, embora algumas estejam acima dos tempos.
CAPÍTULO
XXXI
Conclusão
Senhor, meu Deus, que
abismos profundos os dos teus segredos, e quão longe deles me levaram as
consequências dos meus pecados! Cura os meus olhos, para que eu me alegre com a
tua luz!
Se houvesse de facto um
espírito de ciência e de presciência tão grandes para conhecer o passado e o
futuro, como conheço qualquer canto popular, esse espírito nos encheria de extraordinária
admiração e espanto. Nada, com efeito, lhe seria oculto no passado e nos séculos
vindouros, exactamente como, ao entoar essa melodia, sei tudo o que cantei
desde o começo, e tudo o que falta cantar até o fim. Mas longe de mim a ideia
de identificar um tal conhecimento àquele que tens de todas as coisas futuras e
passadas, ó Criador do Universo, Criador dos espíritos e dos corpos. A tua
ciência é incomparavelmente mais admirável e mais misteriosa.
Porque aquele que canta ou
escuta uma melodia conhecida, dividido entre a expectativa das notas por vir e
a lembrança das notas passadas, passa por impressões diferentes. Mas contigo não
se dá nada semelhante, tu que és imutável e eterno, Criador verdadeiramente
eterno dos espíritos. Como no princípio, conheceste o céu e a terra, sem que o
teu espírito mudasse o seu saber, assim criaste o céu e a terra, sem que a tua
acção passasse por etapas distintas. Que aquele que compreende isto te louve,
assim como o que não compreende. Oh! Como és sublime! E os de coração humildes
são a tua morada! Levantas os que caíram, e os que graças a ti continuam erectos,
não caem nunca.
(Revisão
de versão portuguesa por ama)