Nas Bodas de Caná terão os discípulos percebido que
fora por causa da intervenção da Virgem
que, Jesus decidira, definitivamente, fazer o milagre? Talvez não. Posso supor
que sendo a primeira vez que o poder divino de Jesus se manifestava de forma
tão evidente, eles não estivessem preparados para dar atenção aos pormenores.
Mais tarde, sim. No fragor dos dias que se seguiram à Crucifixão e Morte do
Senhor, hão-de procurar refúgio junto da Mãe e, será junto dela, no Cenáculo,
que receberão o Espírito Santo que lhes abrirá definitivamente a compreensão de
todas as coisas.
Junto dela encontro, sempre, refúgio e protecção, a
luz necessária para distinguir os caminhos que Jesus quer que percorra e,
também, a compreensão das incidências e agruras que inevitavelmente surgem na
vida de cada um.
Pedro, que será a coluna sobre a qual assentará a
Igreja de Cristo, duvidará muito, terá momentos de desânimo, sem compreender o
que Jesus lhe diz acerca do sofrimento, da Cruz… Maria, ajudá-lo-á a
compreender, a confiar e, sobretudo, a aceitar. Repetirá, vezes sem conta, o
que dissera em Caná: «Fazei tudo o que
Ele vos disser…»
Chamá-los-á também para testemunhar a Sua
Transfiguração, para verem com os seus olhos tão humanos a glória do Filho de
Deus. Ainda aqui, não entendiam nada. Com os olhos carregados de sono, a Pedro
só lhe ocorre dizer que se sente bem, que não quer afastar-se daquela visão,
daquele local. Depois, nos momentos derradeiros, convidá-los-á, aos mesmos
três, para O acompanharem no Horto das Oliveiras para testemunharem a Sua
Agonia.
Mais uma vez, o sono vence-os. Este sono é a figura do
desânimo, da preocupação, da incerteza, do medo.
Tristeza e sono… como andam juntas estas “fraquezas”
do homem!
Consentir na tristeza é caminho certo para adormecer.
Ficamo absorto no problema ou na situação que me aflige e me entristece. Tudo
parece cinzento à minha volta, não vejo nem saída nem escapatória e, se me deixo
ir por aí, o mais certo é os meus olhos deixarem de ver o que realmente se
passa à minha volta e cerrarem-se com sono. ‘Eu…? Não!’ Digo, espantado com tal
possibilidade, ‘comigo isso não acontece, nunca estou triste!’ Será verdade?
Todas as vezes que me detenho a pensar no que não possuo e desejaria ter,
porque pensao que me faz falta, no que faria se as circunstâncias fossem as que
considero ideais; quando deixo insinuar-se a suspeita, a pequena inveja, a minha
vontade de sobressair, de ser notado, talvez mais “querido” que os outros;
quando me revejo com prazer e gosto no que fiz, como falei, como fui
“certeiros” na minha avaliação, como me olharam com admiração… aí, não estou
triste, bem pelo contrário, sentimo-me contente, feliz até, talvez, eufórico.
E, a tristeza, que tem a ver com isto, que, afinal, são coisas pequenas que
procuro reprimir de imediato? Tem, e muito, a ver. Porque essa alegria e esse
contentamento depressa se desvanecem quando me dou conta da minha fraqueza, do
pouco que sou, da minha tendência para considerar detidamente tudo aquilo que é
agradável aos meus sentidos e, em contrapartida, a fuga ao sacrifício, à
entrega, à renúncia, à simples contenção de pensamentos, atitudes e palavras.
Os discípulos agora, não sentem sono. Estão bem
despertos, talvez preocupados com a multidão que cerca Jesus num turbilhão de
pessoas de todas as condições sociais, homens, mulheres, jovens e anciãos,
gente humilde e de posses, letrados e ignorantes, sãos e doentes, que quer
aproximar-se, ouvir, tocar o Mestre. A sua preocupação é protegê-Lo, resguardá-Lo
e, talvez, também darem a perceber que são os discípulos, os próximos, os
íntimos. Talvez haja algum orgulho, vaidade até. Afinal, são eles os
confidentes de Jesus… Que são orgulho! Que justificada vaidade! Estar próximo
de Jesus. Ser Seu íntimo!
Mas,
como se pode ser íntimo de alguém se não convivemos com ele com regularidade,
com interesse?
‘Tu! Vem e segue-me!’ Olho em volta para
ter a certeza de que é mesmo a minha pessoa que Ele interpela. Não me restam
dúvidas, é mesmo comigo! Pergunto-me porquê, que tenho eu de “especial” para
querer que O siga? Tenho as minhas pequenas virtudes e enormes defeitos, a minha
inteligência e a minha ignorância, a minha vontade e a minha preguiça, o meu
ânimo e a minha letargia. Sou, assim, como que duas, ou mesmo várias, pessoas
numa só, e, não obstante, Ele repete aquele chamamento doce e imperioso ao
mesmo tempo, simultaneamente expectante e autoritário. Fico-me mais um pouco
examinando o que se passa, o que tenho de fazer agora, as coisas que tenho
“entre as mãos”, aquilo a que meti ombros, os entusiasmos que me excitam a
imaginação, as prioridades que estabeleci – se é que o fiz, de facto – e
pergunto-me: Vou? Não vou? Agora? Mais logo?
Percebo
que não posso deter-me muito mais porque Ele, depois de me chamar, seguiu o Seu
caminho e afasta-Se de mim. Não Se volta para trás a ver se O sigo, se atendi
ou não o apelo que me fez; de certo modo parece confiante que entendi e atendi
o que me disse. Sem grandes pressas, confesso, começo a andar na Sua peugada,
deitando contas à vida, arrumando mentalmente as coisas de enormíssima
importância que vão ficar por fazer, o conforto que vou desdenhar, talvez as
críticas que irei ouvir. Mas, aos poucos, começo a dar-me conta de uma
realidade: o peso insignificante de todo esse amontoado de coisas e, até, o
pouco interesse que têm. Apercebo-me, com alguma surpresa, confesso, que a
minha decisão de O seguir não causou transtornos a ninguém, que a vida não
parou, que tudo continua paulatinamente a “funcionar” como se eu não fosse
imprescindível, absolutamente necessário. Parece-me que, de facto, estava
convencido do contrário. Sim… estive parado muitas vezes na vera do caminho sem
saber para onde ir ou, talvez, na esperança de não de ir a lado nenhum, de
poder ficar quieto sem me preocupar com coisa nenhuma. Não sinto grande
dificuldade em acompanhá-Lo, a Sua passada é firme, mas certa, sem hesitações.
Vejo,
sinto, que conhece muito bem o caminho e, mais, sabe perfeitamente para onde
vai. Sinto-me possuído como que de uma estranha segurança não obstante a
incógnita do destino final. Ele, sinto-o, não Se engana, não pode enganar
ninguém.
O
interessante é que sendo um caminho a subir, cada vez para mais alto, não sinto
o esforço que normalmente se sente quando se sobe.
Talvez
se deva ao facto de a carga que me pôs nos ombros ser leve, muito leve… mesmo
para a imensidão que representa. Também não me sinto preso não obstante o jugo
com que me cingiu o pescoço, sinal que me considera propriedade sua; porque é
tão suave que não prende como um jugo autêntico, antes parece um elo de uma
cadeia de amor e, por conseguinte, muito suave a e agradável. Sinto-me bem.
Agi
correctamente, tenho a certeza, em acolher o Seu chamamento, o Seu convite: Tu!
Vem e segue-me!
Não
sei porque me disse isto, porque me escolheu, há tantos como eu que esperam,
alguns até sem o saberem, por um chamamento igual, por isso sinto-me privilegiado
pela escolha.
Ainda
não Lhe disse muitas coisas, acho que não é preciso, Ele sabe o quero dizer-Lhe,
mas, nas confidências de viajante, contei-Lhe das minhas expectativas,
esperanças, ousadias, desejos por satisfazer. Sem querer, acho, fui abrindo o
coração e em frases breves e curtas, deixei sair o que há tanto tempo estava
como que travado dentro de mim.
Não
tenho vergonha ou receio que me ache tonto, com pouco critério, talvez
inconsequente. Quis sempre tantas coisas e ao mesmo tempo!
Ouve-me
sem me olhar, não pergunta nada, não faz um gesto de admiração ou surpresa.
Parece que tudo quanto Lhe possa dizer já o conhece, mas, estranhamente, parece
gostar que, não obstante, lho diga, Lhe conte as minhas privacidades, patenteie
as ilusões e as quimeras do meu espírito sonhador.
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