Semana IV da Páscoa
Evangelho:
Jo 10 11-18
11 Eu sou o bom
pastor. O bom pastor dá a sua vida pelas suas ovelhas.12 O mercenário, o que
não é pastor, de quem não são próprias as ovelhas, vê vir o lobo, deixa as
ovelhas e foge - e o lobo arrebata e dispersa as ovelhas -, 13 porque é
mercenário e não se importa com as ovelhas. 14 Eu sou o bom pastor; conheço as
Minhas ovelhas e as Minhas ovelhas conhecem-Me. 15 Como o Pai Me conhece, assim
Eu conheço o Pai; e dou a Minha vida pelas Minhas ovelhas. 16 Tenho outras
ovelhas que não são deste redil; importa que Eu as traga; elas ouvirão a Minha
voz e haverá um só rebanho e um só pastor. 17 Se o Pai Me ama, é porque dou a
Minha vida para outra vez a assumir. 18 Ninguém Ma tira, mas Eu a dou por Mim
mesmo e tenho poder de a dar e tenho poder de a retomar. Este é o mandamento
que recebi de Meu Pai».
Comentário:
Continua o
discurso do Bom Pastor.
Jesus quer que todos entendam bem o Seu papel, a Sua missão.
Assumindo-se claramente como guia e chefe dos homens também deixa claro que É O
único em Quem ser pode e deve confiar.
O alerta
repetido dos que ao longo dos tempos hão-de tentar assumir esse papel tem
absoluta razão de ser porque sabemos e constatamos que assim tem acontecido e
sempre acontecerá.
A exploração
dos crédulos e pouco instruídos muitas vezes desesperados e sem rumo é campo
fértil para esses lobos vestidos de cordeiros.
(ama, comentário sobre Jo 10, 11-18
2014.05.12)
Leitura espiritual
a beleza de
ser cristão
PRIMEIRA PARTE
O QUE É SER CRISTÃO?
I.
Relações que Deus estabelece com o homem.
…/12
Nos Sacramentos – estudá-los-emos mais adiante – dá-se-nos a Graça, que
torna possível levar a cabo a redenção na criação e enxertar na criação
redimida a santificação.
Alguns autores consideram – e acertadamente, na minha opinião – que a Graça
é a realidade fundamental da revelação judaico-cristã, decisiva para que o
homem possa ter uma concepção adequada de Deus e para que possa compreender o
mundo e a si próprio e a todos os seres humanos a partir da perspectiva de
Deus.
E não só nesse sentido, e para esses fins, a Graça é a realidade
fundamental da revelação.
A Graça, ao ser a transmissão da vida divina que o próprio Deus nos faz, é
o caminho que Ele mesmo escolheu não só para que não só vivamos nele, mas
também para que Ele viva em nós.
«O mistério desta união com Cristo, e em Cristo com o Pai, é o grande
mistério do cristianismo (…).
Não se trata de uma simples unidade moral originada pela união de duas
vontades.
E, logicamente, tampouco de uma união física no sentido mais óbvio da
palavra (…).
Jesus deu a conhecer este mistério quando na última Ceia rogou ao Pai: ‘Que
sejam uma só coisa; como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, que também eles
sejam uma só coisa em nós” [i]
.[ii]
Por outro lado, não podemos perder de vista conceber a Graça adequadamente
é tarefa difícil para o entendimento humano, precisamente, pela amplitude do
seu significado e a profundidade do próprio ser da graça.
Como pode o homem «participar” de Deus?
Como é possível que o homem e Deus juntem o seu viver no interior do
espírito do homem?
Como é possível que o Todo-poderoso, o Criador viva numa criatura?
A grandeza do ser cristão está essencialmente vinculada à realidade dessa
«certa participação na natureza divina” na alma, na pessoa de cada baptizado.
E não só a grandeza de cada cristão: a Graça dá-nos também, e sobretudo, a
medida do amor que Deus tem aos homens; a criatura que Ele amou por si mesma e
com a qual quer viver em todas as suas acções, excepto no pecado.
Podemos estender ao actuar humano a consideração de Sãp Paulo a propósito
da união de Cristo com todos os homens, ao ter sido feito igual a eles, «em
tudo, excepto no pecado”.
E, ainda assim, Cristo nunca deixa de todo a alma do pecador: a graça
baptismal, pela qual o homem é constituído «filho de Deus em Cristo”, nunca se
perde.
São Paulo deixou-o escrito com palavras que nenhuma inteligência humana
teria jamais ousado engendrar: «Com efeito, todos os que são guiados pelo
Espírito de Deus são filhos de Deus. Pois não recebestes um espírito de
escravos para recair no temor, antes, recebestes um espírito de filhos
adoptivos que nos faz exclamar: Abbá, Pai! O próprio Espírito se une ao nosso
espírito para dar testemunho de que somos filhos de Deus. E, se filhos, também
herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo, já que sofremos com Ele, para ser
com Ele glorificados”.[iii]
Para tratar de compreender melhor o conteúdo dessa «realidade”, talvez
possamos começar distinguindo as duas ideias mais generalizadas que os cristãos
têm da graça:
- auxílio divino que chega ao homem desde o exterior e o impulsa, anima e
sustém a actuar para fazer o bem;
- dom de Deus que nos converte em verdadeiros filhos de Deus em Jesus
Cristo e nos santifica; ou seja, torna possível que vivamos vida divina.
O primeira ideia sobre a graça leva a considerar graça qualquer que nos vem
do céu para resolver alguma situação difícil, para compreender alguma verdade
mais intrincada, para apoiar o nosso ânimo em momentos de fraqueza e de
debilidade.
Definitivamente, a graça seria qualquer ajuda divina que ilumine e
fortaleça o entendimento, a vontade do homem.
Este modo de ver a graça está profundamente arraigado no sentir de muitos
crentes, e corresponde, certamente, a um aspecto da realidade.
São Paulo dá-nos um bom exemplo na segunda carta aos Coríntios, quando,
depois de falar das revelações com que Deus o fortaleceu, acrescenta: «E por
isso, para que não me envaideça com a sublimidade dessas revelações, foi dado á
minha carne um aguilhão, um anjo de Satanás que me esbofeteia para que não me
envaideça. Mas ele disse-me: ‘Basta-te a minha graça, que a minha força se mostra
perfeita na fraqueza’”.[iv]
A esta acepção da graça corresponde uma definição recolhida no Catecismo: A
graça é o favor, o auxílio gratuito que Deus nos dá para
responder à sua chamada: chegar a ser filhos de Deus,[v]
filhos adoptivos,[vi] partícipes da natureza
divina,[vii]
da vida eterna”[viii].[ix]
E não só o auxílio para responder à chamada, mas também e previamente a
preparação que todo o ser humano para acolher e ansiar a chamada: «A preparação
do homem para acolher a graça é já uma obra da graça… Deus completa em nós o
que Ele próprio começou, ‘porque Ele, pela sua acção, começa fazendo com que
nós queiramos; e termina cooperando com a nossa vontade já convertida’ [x]“.[xi]
Se toda a realidade da graça se ficasse pelo «auxílio exterior”, o segundo
motivo da Encarnação de Jesus Cristo perderia todo o seu sentido.
Deus ajudar-nos-ia com a sua misericórdia omnipotente, mas não nos faria
seus filhos, e o Espírito santo não viveria em nós.
A segunda acepção da graça que assinalamos é determinante para o nosso
estudo e a que nos abre a visão para os verdadeiros planos de Deus na sua obra
redentora.
«A graça é uma participação na vida
de Deus. Introduz-nos na intimidade da vida trinitária: pelo Baptismo, o
cristão participa da graça de Cristo, Cabeça do seu corpo. Como ‘filho
adoptivo’ pode agora chamar ‘Pai’ a Deus, em união com o Filho único. Recebe a
vida da do Espírito que infunde a caridade e forma a Igreja”.[xii]
Mais para além do auxílio que recebemos de Deus, para as nossas acções,
pensamentos, etc., com a Graça a nossa natureza vai-se regenerando dentro de si
mesma pela «natureza divina”.
Deus quer não só ajudar-nos a viver, acompanhar-nos no viver, como fez com
Adão e, depois do paraíso, com os grandes profetas e com o povo eleito; mas também
viver «em nós” e «connosco”.
Nem os teólogos, nem os santos nemos filósofos cristãos jamais encontrarão
as palavras adequadas para expressar, de forma definitiva e conclusiva, o
mistério inaudito do viver do homem em Deus e do viver de Deus no homem, que a
Graça supõe.
«Esta vocação para a vida eterna é sobrenatural.
Depende inteiramente da iniciativa gratuita de Deus, porque só Ele pode
revelar-se e dar-se a si mesmo.
Ultrapassa as capacidades da inteligência e as forças da vontade humana,
como as de toda a criatura”[xiii]
[xiv]
Se esta vida nova que recebemos com a graça ultrapassa deste modo a nossa
própria natureza, é natural que nos façamos uma pergunta, prévia a qualquer
outra consideração.
Ao acolher em nós o dom que Deus nos faz de Si próprio perdemos a nossa
personalidade?
A resposta é negativa.
Aceite isto, voltamos a perguntar-nos: fica limitada em algum sentido a
nossa liberdade, ante a influência deste «participar” em nós de uma vida de
ordem superior à nossa natureza, ante a influência deste «participar” de uma
vida superior à nossa?
São Paulo responde-nos com palavras precisas e concisas à primeira questão:
«Vivei, pois, segundo Cristo Jesus, o Senhor, tal como o recebestes; enraizados
e edificados nele; apoiados na fé, e transbordando em acção de graças”.[xv]
«Vivei, cada um com a sua própria «personalidade”, que em nada se perde ou
diminui.
A Graça está em concordância com a natureza criada do homem, e a partir dela
deve entender-se, conscientes de que a «natureza”, neste contexto, significa
«princípio de operações”.
Com a Graça, insisto, Deus dá-nos não só o seu alento, que insuflou sobre
Adão, mas a origem desse alento; faz-nos participar da sua própria natureza, do
seu próprio viver.
De certo modo, abre os tesouros mais recônditos da sua riqueza e dá-nos a
joia mais preciosa que possui: Ele próprio.
Não quer que «a participação na natureza divina” deixe sem eficácia a
própria natureza humana, e assim respondemos à segunda questão.
É claro que a Graça é uma realidade específica, uma qualidade que o homem
adquire que não de pode entender nem desenvolver a partir da própria natureza
humana.
O homem não pode elevar-se a si mesmo, pelas suas próprias forças, pelas
suas próprias capacidades.
(cont)
ernesto juliá, La belleza de ser cristiano, trad. ama)
[ii] louis bouyer, Introduzione alla vita spirituale, Borla Editore, Torino 1965 cap.
IV.
[x] Stº Agostinho, grat. 17