A
PAZ NA FAMÍLIA
AS
CORDAS DO CORAÇÃO
CASOS DA VIDA REAL
Contemplemos, para começar,
uma mãe enervada mal começa a manhã.
Uma hora depois, vemo-la
ainda mais enervada. No fim do dia, já a contemplamos com os nervos em
frangalhos. Que houve com ela?
Podem ter-se acumulado
várias contrariedades inesperadas, que a deixaram reduzida a um feixe de
nervos. Mas pode muito bem dar-se o caso de não ter havido nenhuma surpresa
desagradável.
Simplesmente, houve, pela
centésima vez, a constatação amarga de que – apesar das súplicas e reclamações
dela – os filhos continuam a praticar um descarado desleixo nas coisas de uso
pessoal e nas coisas do lar, desmazelo que se traduz em desconforto para todos
e em trabalho multiplicado para a mãe. E, como se isso fosse pouco, ainda por
cima sentem-se agredidos pelas recriminações, mais do que justas, da mãe: “Ela
anda tão nervosa! Está insuportável!”
Esses meninos e meninas, não
só não têm razão, como deveriam compreender que o problema são eles, que – com
a sua desordem – infernizam a vida do lar. Precisariam é de ter ordem e acabar
com essa história egoísta de largar nas mãos da mãe a arrumação de tudo quanto
eles, por mole comodismo, vão desarrumando por onde quer que passem.
Volta e meia, um orientador
espiritual que cuide da formação cristã de estudantes, escuta o seguinte
comentário de alguma mocinha, num linguajar hoje já consagrado: “Ai, padre, o
meu quarto, o meu guarda-roupa, o meu armário estão uma zona!”
Se lhe pergunta: “Você
arruma todos os dias a sua cama?”, responderá, com o ar mais natural do mundo:
“Não, nunca arrumo”. “Então, quem é que o faz?” “Ah! Minha mãe, ou a empregada,
lógico”.
Nem sempre é inútil lembrar
a essas meninas (podem ter entre 12 e 25 anos) que o que elas fazem, de lógico
não tem nada, e, pelo contrário, tem tudo de moleza egoísta.
Passemos ao quarto do menino
(colegial ou universitário). Para avançar meio metro, é preciso abrir uma
picada entre objectos diversíssimos espalhados pelo chão: desde revistas de
futebol e outras bem menos esportivas, passando por ténis sujos, até camisetas
suadas, um bermudão largado com ar de
defunto, três livros desencadernados e várias folhas de bloco rasgadas, pedaços
de aparelhos eletrónicos, dois chicletes mascados, um regulador de tensão com
um fio solto e descascado, o travesseiro amolgado num canto e mais outros
espécimes da mais selvagem desordem.
Isso é tudo? Não. Está o
som. Um enorme aparelho, ligado à máxima potência, ensurdece os moradores dos
dez apartamentos mais próximos e enlouquece os do próprio lar.
Mas, se o pai ou a mãe
reclamam de tamanha desordem e tão desaforado estrondo, o moço roqueiro,
agitando o brinco e o rabo de cavalo, reclamará da falta “absoluta” de
compreensão dos velhos, que já não dá mais para aturar.
Depois, o menino e a menina
não hesitarão em passar horas e horas grudados à televisão, na posição
definitória do tipo de carácter que possuem: deitados no chão como seres
invertebrados, esparramados num sofá, com a moleza gelatinosa de quem
desconhece totalmente o que é a posição vertical. As idas e vindas da mãe,
cansada de tanta labuta, com a louça na pia à espera de uma mão que a ajude a
lavar, com a mesa por arrumar, a roupa por passar, etc. etc., tudo isso, serão
coisas que o egoísmo comodista das “crianças” nem perceberá. E irão embora da
sala, de alma lavada, enquanto deixam o televisor ligado, a luz acesa, e –
atravancando a passagem – uns patins, uma mochila e uma garrafa de Coca-Cola
meio vazia sobre o tapete.
O rapaz ou a moça pensam que
lá em casa não os compreendem, e não percebem que eles é que são a imagem
perfeita do chupim. Por maldade? Não. Por preguiça, pelo mais gordurento
egoísmo. Primeiro eu, depois eu e sempre eu.
ACONTECE QUE TAMBÉM AS
MÃES...
Mas será que a mãe é sempre
a vítima?
Devemos dizer que nem
sempre, para sermos justos e objectivos. Quantos lares se vão tornando
insuportáveis, irrespiráveis, porque a mulher, desde que acorda até que vai
dormir, não pára de reclamar, de queixar-se, de gemer, de tocar o seu chorinho
insofrível de cavaquinho desafinado.
Há mulheres que se parecem
com uma emissora de rádio em permanente vigília de informação: não se passam
quinze minutos sem que “transmitam” a todos os que estão em casa as notícias
detalhadas do que lhes dói (fígado, cabeça, costas, rins, ombro), das suas
horríveis insónias, das doenças que estão acabando com elas, das indizíveis
contrariedades e das pessoas desconsideradas que têm de suportar... E, quando o
marido pede: “Pare com isso, já chega de gemer”, a “vítima profissional”, que
no fundo passa o dia pensando em si mesma, reage com o grito da mártir
trucidada pela incompreensão daqueles pelos quais não pára de sacrificar-se.
Vamos continuar falando das
mazelas das mães?
Só um pouquinho, e
pedindo-lhes desculpas, porque, no mais íntimo de nós, pensamos que elas são
figuras adoráveis, que merecem toda a ternura e agradecimento do nosso coração.
Porém... Há alguns pequenos
poréns, não muitos.
É. Existe um tipo de egoísmo
que tem muito a ver com o consumismo, e que leva a mulher à compulsão
incontrolável de gastar.
Diante dos balcões do
supermercado ou das vitrines do shopping, um pano preto lhe tapa de repente a
sensatez, ao mesmo tempo que uma luz cintilante lhe sobe aos olhos: quase tudo
o que está ali fica sendo, subitamente, “necessário”, ou “muito útil”, ou “uma
ocasião que não se pode perder”.
Será preciso dizer que, em
decorrência disso, pipocam os problemas de cheques sem fundos, de cartões de
crédito estourados e de falta de caixa no fim do mês?
Será necessário lembrar que
esse descontrole cego nos gastos é uma das maiores causas de brigas familiares?
Alguém já adivinhou por que
muitos maridos têm, entre as amigas da esposa, a negra e injusta fama de
avarentos?
Ainda poderíamos mencionar a
deterioração do ambiente do lar – por vezes tremenda, e até fatal – causada
pelas mulheres desleixadas, descuidadas na limpeza, no vestuário, na ordem da
casa, nos horários das refeições. Ou, o que é o pior, péssimas “chefes de cozinha”
– sem sinais de querer aprender e corrigir-se –, que torturam marido e filhos
com comidas monótonas e intragáveis.
Mas peçamos perdão às
mães..., e viremos a folha.
A HORA E A VEZ DOS MARIDOS
Também os honestos pais de
família deveriam enfiar humildemente a carapuça e fazer um exame de
consciência, perguntando-se: “A irritabilidade, o mal-estar, as brigas que há
lá em casa, são devidas apenas ao temperamento, às manias e às implicâncias da
mulher, à irresponsabilidade e às rebeldias malcriadas dos filhos? Não será que
eu, com o «meu» comodismo egoísta, não tenho também uma elevada cota de culpa
na deterioração da paz familiar?”
Em noventa por cento dos
casos, a resposta sincera a essa pergunta deverá ser:
“Sim”. E, após a resposta,
convirá fazer um exame de consciência para desmascarar o comodismo.
É muito cómodo, por exemplo,
regressar a casa após um dia de trabalho com a consciência de que “agora chegou
a hora merecida de descansar”.
O pai entra no lar. A
carranca de “fatigado profissional” não convida muito a pedir-lhe coisa alguma
ou a contar com ele para nada. Entrincheira-se na poltrona, por trás de um
jornal, ou com os olhos perdidos no televisor, se não vai para o micro e começa
a navegar na Internet com a mesma avidez com que um garoto mergulha no último
jogo eletrônico japonês. Não escuta o que lhe dizem. Solta um grunhido quando a
mulher vai contar-lhe as tribulações do dia.
Esquece-se de que ela tem
uma necessidade louca de desabafar, de ser compreendida, que precisaria de que
o marido a convidasse a dar uma voltinha, a conversar, a arejar-se, a ir ao
cinema ou a um teatro interessante.
Pior ainda quando esse
“direito de descansar” consiste em apanhar garrafa e copo e iniciar no sábado,
à hora do almoço, a série de aperitivos que já se sabe como vão terminar:
com brigas e lágrimas da
mulher, com cenas traumatizantes para todos, por vezes violentas; com angústia
e desprezo por parte dos filhos (como me doeu na alma ouvir de uma boa menina,
com vozinha aflita: – “Sabe, padre, o meu pai não presta, ele bebe”!).
O “profissional fatigado”
bebe, vai cambaleante para a cama, onde passará, no mínimo, uma tarde inteira
dormindo a sesta etílica. Depois, com ressaca e tontura, acabará de matar o fim
de semana, sem diálogo, sem passeio, sem carinho e sem alegria.
O quadro – reconheço – é
carregado, mas reconheça também o leitor que não é totalmente irreal.
(cont)
[i] Francisco
Faus é licenciado em Direito pela Universidade de Barcelona e Doutor em Direito
Canónico pela Universidade de São Tomás de Aquino de Roma. Ordenado sacerdote
em 1955, reside em São Paulo, onde exerce uma intensa atividade de atenção
espiritual entre estudantes universitários e profissionais. Autor de diversas
obras literárias, algumas delas premiadas, já publicou na coleção Temas
Cristãos, os títulos:
O
valor das dificuldades; O homem bom; Lágrimas de Cristo, lágrimas dos homens; A
língua; A paciência; A voz da consciência.