17/06/2014

«O amor jamais passará.» 1 Cor 13.8

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Apareceu hoje uma notícia informando que a balaustrada de uma ponte em Paris caiu por causa do peso dos cadeados que lá foram colocando, como “juras de amor eterno”.

Realmente a notícia tem a importância que tem, mas já aquilo que provoca a notícia tem uma enorme importância, pois faz perceber como parece ser errada a concepção que se faz do amor.
Querer simbolizar o amor com um cadeado fechado, do qual se atira a chave fora, é dar uma ideia do amor como de uma prisão da qual não se pode sair, um espaço confinado a dois, um sentimento que tem de ser fechado à chave para poder resistir ao tempo.

Nada mais errado!

O amor deve ser o sentimento mais livre que o homem vive, e ao escrever isto não estou a fazer a apologia do chamado “amor livre”, que nada tem de amor.

Para aqueles que acreditam em Deus, foi Deus quem nos amou primeiro e assim nos ensinou, nos deu a graça, nos concedeu o dom do amor.
Ora o amor de Deus é livre, é inteira doação, que nada exige em troca.
Deus que nos criou, ama-nos de tal maneira, que nos dá total liberdade de O amarmos ou não.

Assim, o amor verdadeiro é totalmente livre, não é um cadeado, uma prisão, não é sequer uma porta fechada à chave, mas sim em todos os momentos, uma porta aberta, porque está aberta ao amor na relação a dois e na relação com os outros.
O amor nunca se completa se não for para além da relação a dois, ou seja, quando se abre ao amor aos filhos, ao amor aos outros, sempre e mesmo quando não haja filhos.

O ritual do Matrimónio, «eu N., recebo-te … a ti N., e prometo ser-te fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida», parte da mais inteira e total liberdade daquele/a que o aceita, comprometendo-se, e se parte da liberdade nunca constitui uma prisão, mas uma liberdade que todos os dias se renova no compromisso assumido.

Só assim o amor é verdadeiro amor, porque é assente na liberdade que constrói o amor.

O amor existe e acontece, não porque a porta está fechada e a chave foi atirada fora e como tal não há maneira de sair, mas sim porque ele se renova todos os dias, «na alegria e na tristeza, na saúde e na doença», no respeito mútuo, porque a liberdade do amor faz dele um sentimento de graça, de dom, mas também da vontade.

O amor não tem “peso”, porque quem ama, ama para além das circunstâncias, ama para além das portas fechadas, ama porque é livre.

Se naquela ponte estivesse o verdadeiro amor, ela nunca cairia, mas antes pelo contrário, seria eterna.
Mas assim, num amor entendido como “prisão”, o peso é insuportável, e a ponte, ou parte dela colapsou, como acabará todo o “amor” que não seja livre no dar e receber, de e a cada um, e aos outros.

«O amor jamais passará.» 1 Cor 13.8


Monte Real, 9 de Junho de 2014
Joaquim Mexia Alves
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Maria, mestra de oração

O amor à nossa Mãe será sopro que transforme em lume vivo as brasas de virtude que estão ocultas sob o rescaldo da tua tibieza. (Caminho, 492)

Ama a Senhora. E Ela te obterá graça abundante para venceres nesta luta quotidiana. – E de nada servirão ao maldito essa coisas perversas, que sobem e sobem, fervendo dentro de ti, até quererem sufocar, com a sua podridão bem cheirosa, os grandes ideais, os mandamentos sublimes que o próprio Cristo pôs no teu coração. – "Serviam!" – Servirei! (Caminho, 493)

A Jesus sempre se vai e se "torna a ir" por Maria. (Caminho, 495)

Maria, Mestra da oração.

– Olha como pede a seu Filho em Caná. E como insiste, sem desanimar, com perseverança. – E como consegue.

– Aprende. (Caminho, 502)

Não se pode levar uma vida limpa sem a ajuda divina. Deus quer a nossa humildade, quer que lhe peçamos a sua ajuda, através da nossa Mãe e sua Mãe.

Tens que dizer a Nossa Senhora, agora mesmo, na solidão acompanhada do teu coração, falando sem ruído de palavras: – Minha Mãe, este meu pobre coração rebela-se algumas vezes... Mas se Tu me ajudares... E ajudar-te-á, para que o conserves limpo e continues pelo caminho a que Deus te chamou: Nossa Senhora facilitar-te-á sempre o cumprimento da Vontade de Deus. (Forja, 315)






Pequena agenda do cristão


TeRÇa-Feira



(Coisas muito simples, curtas, objectivas)




Propósito:
Aplicação no trabalho.

Senhor, ajuda-me a fazer o que devo, quando devo, empenhando-me em fazê-lo bem feito para to poder oferecer.

Lembrar-me:
Os que estão sem trabalho.

Senhor, lembra-te de tantos e tantas que procuram trabalho e não o encontram, provê às suas necessidades, dá-lhes esperança e confiança.

Pequeno exame:
Cumpri o propósito que me propus ontem?




Temas para meditar 148

Consequências do ódio



O ódio destrói. O ódio não constrói nada. Somente pode desagregar. Pode desagregar a vida social; pode, além do mais, fazer pressão sobre os débeis, sem, não obstante, edificar nada.



(Btº joão paulo II, Hom. na tomada de posse como bispo de Roma na basílica de S. João de Latrão 1978.11.12)

Bento XVI – Pensamentos espirituais 4

Na amizade de Cristo



Quem deixa entrar Cristo não perde nada, absolutamente nada daquilo que torna a vida, bela e grande. Não! Só esta grande amizade nos abre plenamente as portas da vida. Só nela se revelam verdadeiramente as grandes potencialidades da condição humana. Só nesta amizade experimentamos o que é belo e o que liberta.


(BENTO XVI, Homilia da Missa Inaugural do Pontificado, 2005.04.24)

Tratado da lei 26

Questão 96: Do poder da lei humana.

Art. 4 — Se a lei humana obriga no foro da consciência.

O quarto discute-se assim. — Parece que a lei humana não obriga no foro da consciência.

1. — Pois, o poder inferior não pode impor lei ao juízo do poder superior. Ora, o poder humano, que faz a lei humana, é inferior ao poder divino. Logo, a lei humana não pode impor lei ao juízo divino, que é o juízo da consciência.

2. Demais. — O juízo da consciência depende sobretudo dos mandamentos divinos. Ora, às vezes os mandamentos divinos são contraditos pelas leis humanas, conforme a Escritura (Mt 15, 6): Tendes feito vão o mandamento de Deus pela vossa tradição. Logo, a lei humana não obriga ao homem no foro da consciência.

3. Demais. — As leis humanas frequentemente danificam e oprimem o homem, conforme a Escritura (Is 10, 1 ss): Ai dos que estabelecem leis iníquas, e, escrevendo, escrevam injustiça, para oprimirem os pobres em juízo, e fazerem violência à causa dos fracos do meu povo. Ora, é lícito a todos evitar a violência e a opressão. Logo, as leis humanas não obrigam o homem no foro da consciência.

Mas, em contrário, diz a Escritura (1 Pd 2, 19): Isto é uma graça, se alguém, pelo conhecimento do que deve a Deus, sofre moléstias, padecendo injustamente.

As leis estabelecidas pelos homens são justas ou injustas. — Se justas, têm, da lei eterna, donde derivam, força para obrigar no foro da consciência, conforme a Escritura (Pr 8, 15): Por mim reinam os reis e por mim decretam os legisladores o que é justo. Ora, as leis se consideram justas: pelo fim, i. é, quando se ordenam para o bem comum; pelo autor, i. é, quando a lei feita não excede o poder do seu autor; e pela forma, i. é, quando, por igualdade proporcional, impõe ónus aos governados, em ordem ao bem comum. Ora, como cada homem e parte da multidão, cada um é da multidão por aquilo mesmo que é e que tem; assim como qualquer parte, por aquilo mesmo que a constitui, pertence ao todo; por isso, se a natureza faz sofrer à parte algum detrimento, é para salvar o todo. E assim sendo, as leis, que impõem tais ónus proporcionais, são justas, obrigam no foro da consciência e são leis legais.

Por outro lado, as leis injustas podem sê-lo de dois modos. — Por contrariedade com o bem humano, de modo oposto às razões que as tornam justas, antes enumeradas. Pelo fim, como quando um chefe impõe leis onerosas aos súbditos, não pertinentes à utilidade pública, mas antes, à cobiça ou à glória próprias deles; ou também pelo autor, quando impõe leis que ultrapassam o poder que lhe foi cometido; ou ainda pela forma, p. ex., quando impõe desigualmente ónus à multidão, mesmo que se ordenem para o bem comum. E estas são, antes, violências, que leis, pois, como diz Agostinho, não se considera lei o que não for justo. Donde, tais leis não obrigam no foro da consciência, salvo talvez para evitar escândalo ou perturbações, por causa do que o homem deve ceder mesmo do seu direito, segundo a Escritura: E se qualquer te obrigar a ir carregado mil passos, vai com ele ainda mais outros dois mil; e ao que tirar-te a tua túnica, larga-lhe também a capa. — De outro modo, as leis podem ser injustas por contrariedade com o bem divino. Tais as leis dos tiranos, obrigando à idolatria, ou ao que quer que seja contra a lei divina. E tais leis de nenhum modo se devem observar, porque, como diz a Escritura (At 5, 29), importa obedecer antes a Deus que aos homens.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Como diz o Apóstolo (Rm 13, 1-2), não há potestade que não venha de Deus; e portanto, aquele que resiste à potestade, no que lhe concerne à ordem, resiste à ordenação de Deus. E assim, torna-se réu, quanto a sua consciência.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A objecção colhe quanto às leis humanas que ordenam o contrário dos mandamentos de Deus; ao que se não pode estender a ordem do poder. Por isso, em tais casos, não se deve obedecer à lei humana.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A objecção procede quanto à lei que impõe injusto gravame aos súbditos; ao que também não pode estender-se a ordem do poder concedido por Deus. Donde, também nesses casos o homem não está obrigado a obedecer à lei e, sem escândalo ou maior detrimento, pode resistir-lhe.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Evangelho diário, comentário e leitura espiritual (A Paciência 6)


Tempo comum XI Semana

Evangelho: Mt 5, 43-48

43 «Ouvistes que foi dito: “Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo”. 44 Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem. 45 Deste modo sereis filhos do vosso Pai que está nos céus, o qual faz nascer o sol sobre maus e bons, e manda a chuva sobre justos e injustos. 46 Porque, se amais somente os que vos amam, que recompensa haveis de ter? Não fazem os publicanos também o mesmo? 4 7 E se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis de especial? Não fazem também assim os próprios gentios? 48 Sede, pois, perfeitos, como vosso Pai celestial é perfeito.

Comentário:

Uma das características principais da família é, deve ser, o amor que une todos os seus membros, sobretudo os mais próximos: os irmãos.

Na família de Deus, a que pertencemos, este amor deve ser mais evidente, concreto, real.

Por todas as razões mas, principalmente, porque se trata de uma autêntica família cujo Pai é, Ele próprio, o Amor.

Depois, porque devemos ter presente que só o amor une, perdoa, pacífica, constrói.

(ama comentário sobre Mt 5, 43-48, 2013.06.18)


Leitura espiritual



Temas


A PACIÊNCIA

…/6

O SEGREDO DE UMA IMENSA PAZ

Dessa vida de oração, dessa luta denodada por procurar uma união cada dia maior com Deus, vinham-lhe as forças para abraçar a Vontade divina – a doença, a dor e a morte – e para, não digo aceitar, mas amar de todo o coração a Cruz que Cristo lhe oferecia, para estar junto d’Ele no sofrimento salvador. Daí a alegria. Que bem entendeu, vivendo-as, as palavras mil vezes repetidas pelo Bem-aventurado Josemaría Escrivá: A alegria do cristão tem as suas raízes em forma de Cruz!

Com palavras do Fundador, que meditava sobretudo no livro Caminho, Montse repetia: “Jesus, o que tu quiseres, eu o amo!” [1]

Daí vinham a serenidade, a paz profunda e o constante sorriso que deixavam desnorteadas as pessoas. Uma grande amiga de Montse, Rosa Pantaleoni, lembra que, entre 2 de Julho e 13 de Agosto de 1958, acompanhou-a em várias das trinta sessões de radioterapia a que foi submetida.

“Quando íamos a essas sessões, todas as enfermeiras perguntavam-lhe o que tinha; mas ela mudava logo de conversa e acabava perguntando pelas coisas delas. Fez-se muito amiga de uma enfermeira: soube que aquela moça gostava de desenhar, e ficaram falando dos desenhos e dos problemas da outra... Às vezes, quando terminávamos, a enfermeira dizia-me: – «Como é simpática, alegre e carinhosa esta menina! Mas nunca fico sabendo se a perna lhe dói ou não. Você sabe?» E eu lhe respondia: – «Eu também não sei»“.

Doía, porém, e doía muito. A própria Rosa contará que, “no momento de lhe fazerem os curativos, sofria uma barbaridade. Pelos outros. Ela sempre sofria pelos outros”. Tudo oferecia pela felicidade dos outros, a felicidade que – ela bem o sabia – só se encontra junto de Deus.

Nesse contexto, pode-se avaliar o caráter significativo do seguinte detalhe. Em dezembro de 1958, conseguiu ser levada de carro, a duras penas, ao Centro do Opus Dei que frequentava em Barcelona, um Centro cultural chamado Llar. Eram os primeiros dias desse mês, e as estudantes praticavam o delicado costume cristão da Novena à Imaculada Conceição.

“Montse – lembra ainda Rosa – queria ir à Novena para rezar a Nossa Senhora. Terminada a Novena, ficava em Llar falando com as estudantes que tinham comparecido e fazendo apostolado, ainda que teria estado muito mais confortável em sua casa, na cama [...]. Mas achava que não tinha o direito de pensar em si mesma quando havia tantas pessoas a quem podia aproximar de Deus”.

Num desses dias da Novena, em que o oratório estava repleto, com umas sessenta moças, “lembro-me – é sempre Rosa quem conta – de que Montse estava sentada, com a perna apoiada em cima do assento de uma cadeira, porque já não a podia flexionar e nessa posição se sentia melhor. Como sempre, procurava não chamar a atenção. Naquele momento, entrou uma estudante que, na penumbra, não percebeu que Montse tinha a perna apoiada na cadeira e lhe perguntou: – «Está livre?» Ela sorriu e respondeu: – «Sim, sim, por favor, sente-se»..., e foi retirando a perna sem que a outra percebesse, cedendo-lhe o lugar”.

A moça voluntariosa e um tanto caprichosa, agora sorria à contrariedade e a amava, como consequência do seu amor a Deus; e ainda, no meio de tantos gestos de singelo heroísmo, desculpava-se às vezes: – “Que pouco sofrida eu sou, não é verdade? Olhe que vergonha”...

UMA LUTA ENAMORADA NO MEIO DA DOR

Amadureceu amando muito, e por isso aprendeu a arte de sofrer com alegria, que é uma arte essencialmente cristã e que se designa – como sabemos – pela palavra paciência.

Montse agonizou numa dura “forja de dor” – como diria Mons. Escrivá – e morreu consumida pela doença. Mas agonizou alegre e morreu feliz. Na véspera da morte, abrindo os olhos, viu as suas amigas perto dela: – “Eu lhes quero muito a todas – disse-lhes –, mas a Jesus muito mais!”. Passou as últimas horas daquela Quinta-feira Santa apertando estreitamente o seu crucifixo, dizendo com voz quase inaudível a Nossa Senhora: “Mãezinha, quanto te amo! Quando virás buscar-me?”, e invocando uma e outra vez o nome de Jesus.

Anos depois da sua morte, Enrique, o irmão mais velho, que é sacerdote da diocese de Barcelona, comentava: “A sua Cruz foi muito dolorosa. Às vezes comentam-me, quando a recordam tão alegre e tão feliz, que ela sentia até gosto no meio da dor... Não, isso não é verdade.

Falar assim poderia soar a masoquismo, porque aquilo não era uma dor convertida em gosto; era uma dor convertida em amor, e em luta para poder continuar a ser fiel a si mesma, a nós e a Deus, mas continuava a ser uma dor que a dilacerava, que a desfazia. Sofreu – eu o vi – tremendamente: mas era uma luta enamorada, no meio da dor, para encontrar Cristo Crucificado. Em meio a essa dor, junto de Cristo, nunca esteve só. Se Deus está ao meu lado – pensou – e me pede isto, será porque é possível; e se Ele o quer, Ele me ajudará... Montse, graças à dor, deu-nos o melhor de si mesma” [2]
Depois destes comentários, não perguntemos mais o que é a paciência, vista com olhos cristãos, nem o que é o amor que sabe sofrer.
Nada há a acrescentar.

NUM CONSULTÓRIO PSIQUIÁTRICO

Restam-nos duas histórias, que podem relatar-se em muito poucas palavras. São ambas narradas pelo professor de psiquiatria e escritor J. A. Vallejo-Nágera, no seu livro Concerto para instrumentos desafinados. [3]

Trata-se de algumas das muitas recordações que o médico registra como “momentos do coração” no seu trabalho diário.

O primeiro caso é o de um tradutor diplomado. Foi-lhe diagnosticado um câncer de pulmão, e simultaneamente deram-lhe a notícia de que lhe restavam poucos meses de vida. Homem de pouca fé, à diferença dos protagonistas dos dois exemplos anteriores, procurava no psiquiatra as soluções que não conseguia encontrar em Deus. Pensava na esposa e tremia ante a possibilidade de fazê-la sofrer:
– Temo que me falte coragem e serenidade, e que assim amargure os nossos últimos meses de convívio. Fisicamente, creio que posso aguentar; só temo falhar psicologicamente. Foi por isso que vim, para ter uma orientação técnica, um ponto de apoio, e poder dissimular até o final ou fingir que não sofro. Quando a minha mulher ficar sabendo a verdade, se ela julgar que eu não estou sofrendo, conseguirei aliviar-lhe este calvário que não lhe posso evitar.

Causa uma certa angústia esse sofrimento pendurado no vazio de um bom coração que não conhece a Deus. Mas, sem dúvida alguma, havia uma enorme grandeza no seu desejo de ser autenticamente paciente. Esse homem bom tinha muito amor à esposa, e estava procurando forças para conseguir que esse seu amor aprendesse a sofrer.


O segundo caso, paradoxalmente, é o de um sacerdote cheio de fé, que também procurava no psiquiatra um conselho para sofrer melhor. O médico narrador conta-nos que era um padre humilde, “tão insignificante que nem sequer era ridículo”. Tinha dedicado a vida, até aos sessenta e tantos anos, à sua tarefa de bom pastor das almas, especialmente cuidando das doenças espirituais no confessionário. Desde fazia algum tempo, tinha-se-lhe manifestado uma depressão endógena grave – assim a qualifica o especialista –, com as suas sequelas mórbidas e características de tristeza, desconsolo, remorso, pessimismo esmagador e perda do desejo de viver.

O sofrimento era grande. Mas, nesse caso, o médico comoveu-se porque o paciente não parecia querer consolo nem compaixão. “Também não parecia muito interessado no alívio do tormento... Que queria, então? Queria continuar a amar”.

– Até agora – dizia o padre ao doutor –, tenho levado uma vida sem pena nem glória. A Glória, eu a espero para depois, no Céu, e sei que é preciso adquiri-la por meio da pena. Recebi com gratidão o fato de Deus me ter enviado no final da vida a minha cruz; estava até desejando ter uma para poder carregá-la. Bendigo a Deus todos os dias por ter-se lembrado de mim no final, quando já me resta muito pouco tempo de vida e parecia ter perdido qualquer oportunidade de ganhar alguns méritos. Mas estou notando que agora, no confessionário, na direção espiritual, não sinto as coisas como antes, como ao longo de toda a minha vida, com entusiasmo por ajudar, com esse carinho espontâneo cheio de ansiedade, de necessidade de aliviar os que recorrem a mim.

Consigo dar conselhos porque o cérebro funciona, mas não os sinto com o coração, e isso soa-me a nota falsa, artificial, e não posso consolar os meus fiéis como antes. Nunca me tinha acontecido isto; tem que ser uma doença. É o que lhe peço que me cure. O resto irá passando com o tempo, e, se não, louvado seja Deus!

Esta história que parecia começar tão mal, termina tão bem! É mais um clarão sobre a virtude da paciência. Aquele padre zeloso, desprendido e humilde, sentia-se muito doído e confuso, não por estar doente, mas porque a doença lhe tornava difícil manter a vibração do amor e transmitir conforto e alegria.

Não é preciso aduzir mais exemplos para sentir, como um desafio, uma pergunta que se dirige a cada um de nós: Quando nos decidiremos a amar? Quando resolveremos, enfim, esquecer-nos de nós mesmos, ser generosos e viver para dar, para edificar? No dia em que formos capazes de começar a viver assim, estaremos começando a levantar o véu que nos encobre a pedra preciosa da paciência.

(cont.)








[1] Caminho, n. 691
[2] Todos os factos e depoimentos citados estão extraídos do livro de j. m. cejas, Montse Grases. La alegría de la entrega, Rialp, Madrid, 1993.

[3] Concierto para instrumentos desafinados, Argos- Vergara, Barcelona, 1981, págs. 162 e segs.