Pedro, que será a coluna sobre a qual assentará a Igreja de Cristo,
duvidará muito, terá momentos de desânimo, sem compreender o que Jesus lhe diz
acerca do sofrimento, da Cruz. Maria, ajudá-lo-á a compreender, a confiar e,
sobretudo, a aceitar. Repetirá, vezes sem conta, o que dissera em Caná: Fazei tudo o que Ele vos disser… Chamá-los-á, a Pedro, Tiago e João, para
testemunhar a Sua Transfiguração, para verem com os seus olhos tão humanos a
glória do Filho de Deus. Ainda aqui, não entendiam nada. Com os olhos
carregados de sono, a Pedro só lhe ocorre dizer que se sente bem, que não quer
afastar-se daquela visão, daquele local. Depois, nos momentos derradeiros,
convidá-los-á, aos mesmos três, para O acompanharem no Horto das Oliveiras para
testemunharem a Sua Agonia.
Mais uma vez, o sono vence-os. Este sono é a figura do desânimo, da
preocupação, da incerteza, do medo. Tristeza e sono… como andam juntas estas
“fraquezas” do homem! Consentir na tristeza é caminho certo para adormecer.
Ficamos absortos no problema ou na situação que nos aflige e nos entristece.
Tudo parece cinzento, não vemos nem saída nem escapatória e, se nos deixarmos
ir por aí, o mais certo é os nossos olhos deixarem de ver o que realmente se
passa à nossa volta e cerrarem-se com sono. ‘Eu…? Não!’ Dizemos, espantados com
tal possibilidade, ‘comigo isso não acontece, nunca estou triste!’ Será
verdade? Todas as vezes que nos detemos a pensar no que não temos e
desejaríamos ter, porque pensamos que nos faz falta, no que faríamos se as circunstâncias
fossem as que consideramos ideais; quando deixamos insinuar-se a suspeita, a
pequena inveja, a nossa vontade de sobressair, de sermos notados, talvez mais
“queridos” que os outros; quando nos revemos com prazer e gosto no que fizemos,
como falámos, como fomos “certeiros” na nossa avaliação, como nos olharam com
admiração… aí, não estamos tristes, bem pelo contrário, sentimo-nos contentes,
felizes até, talvez, eufóricos. E, a tristeza, que tem a ver com isto, que,
afinal, são coisas pequenas que procuramos reprimir de imediato? Tem, e muito,
a ver porque essa alegria e esse contentamento depressa se desvanecem quando
nos damos conta da nossa fraqueza, do pouco que somos, da nossa tendência para
considerar detidamente tudo quanto é agradável aos nossos sentidos e, em
contrapartida, a fuga ao sacrifício, à entrega, à renúncia, à simples contenção
de pensamentos, atitudes e palavras. Senhor: quase que não vejo a necessidade
de Te pedir humildade. Ser humilde é, para mim, um objectivo que persigo desde
sempre. Sempre longe, parece, cada vez mais distante porque, pobre de mim, sou
formado por este barro duro e seco que é o meu carácter, que resiste a ser
moldado pelas Tuas divinas mãos. Mas não Te importes, Senhor, não Te importes
com este barro que não vale nada. Parte-o, esfrangalha-o nas Tuas mãos amorosas
e, estou certo, daí sairá algo que se possa - que Tu possas - aproveitar. Não
dês importância à minha prosápia, à minha vaidade, ao meu desejo incontido de
protagonismo e evidência. A verdade que Te confesso é esta: Não sei nada, não
posso nada, não tenho nada, não valho nada, não sou absolutamente nada. E, o
“oleiro divino” uma e outra vez refaz a mesma peça de que sou feito. Retoma o
Seu ”trabalho” da minha santificação como se nada se tivesse passado, como se
eu não estivesse feito nos pedaços que as minhas frequentes quedas originam. E,
no entanto, é assim que é!
«E foi com ele». Jesus não se detém mais tempo. Provavelmente dando o
braço a Jairo, numa atitude de confiança, de tranquila certeza, diz-lhe que
indique o caminho para sua casa. Como deve tranquilizar-nos esta atitude do
Mestre: caminhando confiadamente connosco, deixando que O levemos onde queremos
ir, ao encontro da nossa necessidade. Certamente entabulou conversa com o Seu
companheiro, informando-Se da sua vida, do seu trabalho, a família.
«Acompanhava-o grande multidão, que o apertava». A multidão segue, sem hesitar, Jesus que caminha. Há à Sua volta como que
um ar de mistério, algo grande, extraordinário, fora do comum. As pessoas estão
ansiosas, não obtêm respostas para as suas preocupações, não só o futuro, mas
também o imediato é difícil, problemático.
Preparo-me para participar na Santa Missa. Digo ao Senhor que estou aqui
presente com todo o meu desejo de participar activamente com todo o meu coração
e capacidades. Não entendo uma palavra do que Sacerdote diz - fala em maltês -
mas sei o que diz. É estranho não entendo, mas reconheço cada momento da Missa. Isto leva-me a concluir que o entender não tem que ver
com o ouvir, mas com o sentir celebração. Compreendo o que o Senhor queria
dizer com o aviso tantas vezes repetido: «quem
tem ouvidos para ouvir que oiça». Trata-se de ouvir com o coração, com a
alma, o entendimento. Na minha vida participei em Eucaristias onde não entendia
uma palavra: em África em línguas nativas, no País Basco, etc. Se a Liturgia
tem uma virtude principal talvez seja esta: tornar reconhecível e, portanto,
poder participar activamente seja qual for a língua da celebração. Também me quer parecer que existe uma
verdadeira comunhão dos crentes unidos numa mesma Fé e com as mesmas
disposições. A palavra de Deus não necessita tradução, esta a conclusão a que
chego. Sim, é verdade, salvou-nos a todos sem excepção.
O olhar de Jesus!
Um olhar humano e divino, o olhar humano de Deus. Um olhar que arrasta,
convence, atrai, chama. Mas também é o olhar de tédio quando mira Herodes; de
reprovação quando expulsa os vendilhões do Templo; de repreensão quando encara
os acusadores da adúltera. Um olhar que põe a nu os defeitos e erros, que
acusa, que repudia, que afasta. Jesus
fala com o olhar em todas as situações: rindo contentes com a alegria do filho
regressado à casa paterna, deixando correr as lágrimas pelo amigo morto há já
três dias, toldado com a névoa da tristeza na Última Ceia, olhar de aflição e
terror em Getsémani. Os Seus seguidores
mais próximos, não podem esquecer o olhar de Jesus. Mais que as Suas palavras ou os Seus gestos
– mesmo os de maior significado – o Seu olhar ficou-lhes gravado no coração
desde o primeiro momento em que os encarou, um a um, chamando-os à Sua
intimidade, ao Seu círculo mais próximo de confidentes e amigos. No nosso
círculo de confidentes e amigos – onde levamos a cabo o nosso “apostolado de
amizade e confidência” – conhecem-nos pelo nosso olhar franco, aberto, claro,
bem-disposto? O nosso olhar inspira confiança? Transmite tranquilidade?
Perguntas que devemos colocar-nos cada dia. Os olhos são o espelho da alma,
costuma dizer-se, e, que preocupação devemos ter que, de facto, o sejam! Com os
mesmos olhos com que contemplamos, embevecidos, a Hóstia Santa que o Sacerdote
nos mostra na hora de comungar, poderemos contemplar imagens impuras ou
impróprias? Os olhos que se perdem na vastidão do infinito Amor de Deus poderão
ser os mesmos que se deixam absorver pela passageira e fugaz imagem do prazer
do momento? Podem, sim, sabemos que podem! Somos humanos, fracos, débeis,
volúveis. Que remédio teremos, senão pedir, constantemente, à nossa Mãe do Céu
que proteja o nosso olhar, que guie o nosso olhar? Que poderemos mais senão
implorar que nos ajude a guardar a vista como um bem precioso e caríssimo que
não queremos desperdiçar? Que mais desejar que manter o olhar de crianças,
límpido, puro, franco e aberto?
Olho para Ti, olhos nos olhos, e digo-te que Te amo e, não tenho medo que
não acredites, sei que o vês nos meus olhos. Quero guardar para Ti, - só para
Ti – o meu olhar. Se possível fosse ter estes olhos com que agora Te contemplo,
bem guardados num cofre donde só os retiraria para Te contemplar. Outros olhos,
para o dia-a-dia, seriam “reforçados” com lentes especiais que só me
permitissem ver o que pode ser visto. Ou, se preferires, Senhor, ser cego para
tudo quanto não sejas Tu. A Tua Face que quero contemplar tão cedo quanto Tu mo
permitires, há-de iluminar os meus olhos com a mesma luz do Céu, aquela luz
onde se movem os anjos e os santos que Te contemplam. Olhos só para Ti, Senhor,
só para Ti, para mais nada os quero a não ser… a não ser…, para ver as
maravilhas que Tu criaste e, por elas, dar-te graças continuamente. O lógico é
que, quem tem olhos… veja. Não precise, para ver, mais que luz, claridade e,
aqui, bate o ponto: como é possível ver no escuro? Como pode descortinar-se o
quer que seja, permanecendo na comodidade - e cobardia - do ensimesmamento, da
clausura em si mesmo, recusando-se sistematicamente a tomar conhecimento do que
a Igreja legisla, o Papa esclarece, Jesus Cristo adverte? Ninguém pode dizer
que não sabe se não quer ver, se recusa, pelo menos, tomar conhecimento. «Eu sou a luz do mundo; aquele que me seguir
não andará nas trevas». Aparentemente, estamos perante uma dificuldade:
Para se ter luz é preciso seguir Cristo e, só seguindo Cristo se andará na Luz.
Parece difícil de resolver, mas não é. Trata-se apenas de uma norma de conduta,
de vida. Fazer o bem ou fazer o mal, nada mais que isto. Com efeito, o próprio
Jesus nos dá esta mesma razão: «É que
todo aquele que pratica más acções odeia a Luz e não se aproxima da Luz, para
não serem expostas a descoberto as suas obras. Quem pratica a verdade
aproxima-se da Luz, para se tornar bem claro que as suas obras estão realizadas
em Deus.» Óh
Deus que me conheces perfeitamente tal como sou, ajuda-me a conhecer-me a mim
mesmo, para que possa combater com eficácia os enormes defeitos do meu
carácter, em particular... Chamaste-me Senhor, pelo meu nome e eu aqui estou:
com as minhas misérias, as minhas debilidades, com palavras maiores que os
actos, intenções mais vastas que as obras e desejos que ultrapassam a vontade. Porque não sou nada, não valho nada, não sei
nada e não posso nada, entrego-me totalmente nas Tuas mãos para que, por
intercessão de minha Mãe, Maria Santíssima, de São José, meu pai e senhor, do
Anjo da minha Guarda e de São Josemaria, possa adquirir um espírito de luta
perseverante.
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