Questão
3: Da união relativamente à pessoa que assumiu
Art.
8 — Se era mais conveniente ter-se incarnado o Filho de Deus, que o Padre ou o
Espírito Santo.
O oitavo discute-se assim. — Parece
que não foi mais conveniente ter-se encarnado o Filho de Deus, que o Padre ou o
Espírito Santo.
1. — Pois, pelo mistério da Encarnação
os homens foram levados ao verdadeiro conhecimento de Deus, segundo o
Evangelho. Eu para isso nasci e ao que vim ao mundo foi para dar testemunho da
verdade. Ora, pelo facto da pessoa do Filho de Deus se ter encarnado, muitos
ficaram impedidos do verdadeiro conhecimento de Deus, porque referiam à própria
pessoa do Filho o que se predica da sua natureza humana. Assim Ario, que
ensinou a desigualdade das Pessoas, fundado no dito do Evangelho: O Pai é maior
do que eu. Ora, esse erro não teria surgido, se a Pessoa do Pai se tivesse
encarnado, pois, então, ninguém julgaria o Pai menor que o Filho. Donde, parece
teria sido mais conveniente a Pessoa do Pai ter-se encarnado, que a pessoa do
Filho.
2. Demais. — Parece que o efeito da
Encarnação foi uma certa e nova criação da natureza humana, segundo o Apóstolo:
Em Jesus Cristo nem a circuncisão nem a incircuncisão valem nada, mas o ser uma
nova criatura. Ora, o poder de criar é apropriado ao Pai. Logo, mais
conveniente seria ter-se encarnado o Pai que o Filho.
3. Demais. — A Encarnação ordena-se à
remissão dos pecados, segundo o Evangelho: E lhe chamarás por nome Jesus,
porque ele salvará o seu povo dos seus pecados. Ora, a remissão dos pecados é
atribuída ao Espírito Santo, segundo ainda o Evangelho: Recebei o Espírito
Santo: aos que vós perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados. Logo, era mais
conveniente ter-se encarnado a pessoa do Espírito Santo que a do Filho.
Mas, em contrário, diz Damasceno: O
mistério da Encarnação manifestou a sabedoria e o poder de Deus, a sabedoria,
porque descobria a melhor solução de um preço dificílimo, o poder, porque
tornou de novo o vencido vencedor. Ora, a virtude e a sabedoria se apropriam ao
Filho, segundo o Apóstolo: Cristo, virtude de Deus e sabedoria de Deus. Logo,
foi conveniente ter-se encarnado a pessoa do Filho.
Foi convenientíssimo que se
tivesse encarnado a pessoa do Filho.
Primeiro, quanto à união. Pois, as
causas semelhantes unem-se convenientemente. — Ora, de um modo, a própria pessoa
do Filho, que é o Verbo de Deus, tem uma conveniência comum com toda criatura.
Porque a palavra do artífice, isto é, o seu conceito, é uma semelhança exemplar
das obras feitas pelo artífice. Donde, o Verbo de Deus, que é o seu eterno
conceito, é uma semelhança exemplar de todas as criaturas. E portanto, assim
como pela participação dessa semelhança as criaturas foram instituídas nas suas
espécies próprias, mas de um modo mutável, assim também, pela união do Verbo
com a criatura, não de modo participativo, mas pessoal, foi ela
convenientemente reparada, em ordem à perfeição eterna e imutável, pois, também
o artífice, pela forma artística concebida, por meio da qual fez a sua obra,
por essa mesma também a refaz se ela se estragar. De outro modo, tem uma
conveniência especial com a natureza humana por ser o Verbo o conceito da
eterna sabedoria, donde deriva toda a sabedoria humana. Por isso, o homem se
aperfeiçoa na sabedoria, que é a sua própria perfeição, enquanto racional,
porque participa do Verbo de Deus, assim como o discípulo se instrui recebendo
as palavras do mestre. Donde o dizer a Escritura: A fonte da sabedoria é o
Verbo de Deus nas alturas. Donde, para se consumar a perfeição do homem, foi
conveniente que o próprio Verbo de Deus se unisse pessoalmente à natureza
humana.
Segundo, a razão dessa conveniência
pode ser deduzida do fim da união, que é o implemento da predestinação, isto é,
dos preordenados à herança celeste, que não é devida senão aos filhos, segundo
o Apóstolo: Se somos filhos, também herdeiros. Donde, era conveniente que, por
meio daquele que é naturalmente Filho, os homens participassem, por adopção, da
semelhança dessa filiação, como o Apóstolo diz no mesmo lugar: Os que ele
conheceu na sua presciência também os predestinou para serem conformes à imagem
do seu Filho.
Em terceiro lugar, a razão dessa
conveniência pode ser deduzida do pecado dos nossos primeiros pais, a que a
Encarnação veio remediar. Pois, o primeiro homem pecou desejando a ciência do
bem e do mal. Por isso foi conveniente que, pelo Verbo da Verdadeira sabedoria,
que o homem voltasse para Deus, ele que pelo desordenado desejo da ciência se
afastara de Deus.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Não há nada de que a malícia humana não possa abusar, pois abusa da própria
bondade de Deus, segundo o Apóstolo: Acaso desprezas tu as riquezas da sua
bondade? Donde, mesmo se a pessoa do Pai fosse a encarnada, o homem poderia daí
tirar alguma ocasião de erro, como se o Filho não pudesse ser suficiente para
reparar a natureza humana.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A primeira
criação das coisas foi feita pelo poder de Deus Pai, pelo Verbo. Donde, a nova
criação deveria ser feita pelo poder de Deus Pai, para que esta nova criação
respondesse à criação conforme o Apóstolo: Deus estava em Cristo reconciliando
o mundo consigo.
RESPOSTA À TERCEIRA. — É próprio ao
Espírito Santo ser o dom do Pai e do Filho. Ora, a remissão dos pecados faz-se pelo
Espírito Santo, como pelo dom de Deus. Por isso foi conveniente, para a
justificação dos homens, que se encarnasse o Filho, do qual o Espírito Santo é
o dom.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.