Tratado
da vida de Cristo
Questão 27: Da santificação da Virgem
Maria
Questão 28: Da virgindade da Santa
Virgem Maria
Questão 29: Dos desposórios da Mãe de
Deus
Questão 30: Da Anunciação da Santa
Virgem
Questão 31: Da concepção do Salvador quanto
à matéria de que o Seu corpo foi concebido
Questão 32: Do princípio ativo na
concepção de Cristo
Questão 33: Do modo e da ordem da
concepção de Cristo
Questão 34: Da perfeição do filho
concebido
Questão 35: Da natividade de Cristo
Questão 36: Da manifestação de Cristo
nascido
Questão 37: Da circuncisão de Cristo
Questão 38: Do baptismo de João
Questão 39: Do baptizado de Cristo
Questão 40: Do género de vida que
levou Cristo
Questão 41: Da tentação de Cristo
Questão 42: Da doutrina de Cristo
Questão 43: Dos milagres feitos por
Cristo em geral
Questão 44: De cada uma das espécies
de milagres.
Questão 45: Da transfiguração de
Cristo
Questão 46: Da Paixão de Cristo
Questão 47: Da causa eficiente da
paixão de Cristo
Questão 48: Do modo da paixão de
Cristo
Questão 49: Dos efeitos da paixão de
Cristo
Questão 50: A morte de Cristo
Questão 51: Da sepultura de Cristo
Questão 52: Da descida de Cristo aos
infernos
Questão 53: Da ressurreição de Cristo
Questão 54: Da qualidade de Cristo
ressurrecto
Questão 55: Da manifestação da
ressurreição
Questão 56: Da causalidade da
ressurreição de Cristo
Questão 57: Da Ascensão de Cristo
Questão 58: De Cristo sentado à
direita do Pai
Questão 59: Do poder judiciário de
Cristo
Questão 27: Da santificação da Virgem
Maria
Depois de termos tratado da união de
Deus e do homem e do que resulta dessa união, resta tratarmos do que fez ou
sofreu o Filho de Deus encarnado na natureza humana a que se uniu. Cujo tratado
é quadripartido. Assim, primeiro, consideraremos o pertinente ao seu ingresso
no mundo. Segundo, o pertinente ao desenrolar-se da sua vida neste mundo.
Terceiro, a sua partida deste mundo. Quarto, do relativo à sua exaltação,
depois desta vida.
No primeiro tratado, quatro pontos
devem ser considerados. Primeiro, a concepção de Cristo. Segundo, a sua
natividade. Terceiro, a sua circuncisão. Quarto, o seu baptismo. Sobre a sua
concepção, devemos, primeiro, tratar de certos pontos relativos à conceição de
sua mãe. Segundo, do modo da conceição. Terceiro, da perfeição do filho concebido.
Quanto à mãe, quatro questões se oferecem ao nosso exame. Primeiro, a sua
santificação. Segundo, a sua virgindade. Terceiro, os seus desposórios. Quarto,
a sua anunciação. Quinto, a sua preparação para conceber.
Na primeira questão discutem-se seis
artigos:
Art. 1 — Se a Santa Virgem foi
santificada antes de nascer, no ventre materno.
Art. 2 — Se a Santa Virgem foi
santificada antes de ser animada.
Art. 3 — Se a Santa Virgem foi
purificada do contágio do gérmen da concupiscência.
Art. 4 — Se pela santificação no
ventre materno a Santa Virgem foi preservada de todo pecado actual.
Art. 5 — Se a Santa Virgem, pela
santificação no ventre materno, obteve a plenitude ou a perfeição da graça.
Art. 6 — Se ser santificada no ventre
materno foi, depois de Cristo, próprio à Santa Virgem.
Art.
1 — Se a Santa Virgem foi santificada antes de nascer, no ventre materno.
O primeiro discute-se assim. — Parece que a
Santa Virgem não foi santificada antes de nascer, no ventre materno.
1 — Pois, diz o Apóstolo: Não primeiro o que é espiritual, senão o que
é animal, depois o que é espiritual. Ora, pela graça da santificação o
homem nasce espiritualmente filho de Deus, segundo o Evangelho: Nasceram de Deus. Mas, a natividade, do
ventre, é uma natividade corpórea. Logo, a Santa Virgem não foi santificada,
antes de nascer do ventre materno.
2 — Demais. Agostinho diz: A santificação, que nos torna templos de
Deus, só é a dos renascidos. Ora, ninguém renasce senão depois de nascer.
Logo, a Santa Virgem não foi santificada, antes de nascida do ventre materno.
3 — Demais. Todo santificado pela
graça é purificado do pecado original e do actual. Se, pois, a Santa Virgem foi
santificada antes da natividade no ventre materno, foi então, por consequência
purificada do pecado original. Ora, só o pecado original podia impedir-lhe a
entrada no reino celeste. Se, portanto, tivesse morrido, então, teria
transposto as portas do reino celeste. O que contudo não podia dar-se, antes da
paixão de Cristo; pois, como diz o Apóstolo,
temos confiança de entrar no santuário, pelo sangue de Cristo. Donde se conclui,
portanto, que a Santa Virgem não foi santificada antes de nascida do ventre
materno.
4 — Demais. O pecado original é o que
vem de origem, assim como o pecado actual, o que pressupõe um acto. Ora,
enquanto praticamos o acto de pecar não podemos ser purificados do pecado.
Logo, também a Beata Virgem não podia ser purificada do pecado original,
enquanto existia original e actualmente no ventre materno.
Mas, em contrário, a Igreja celebra a
natividade da Santa Virgem; ora, a Igreja não celebra nenhuma festa senão por
algum santo. Logo, a Santa Virgem, na sua própria natividade, não foi santa.
Logo, foi santificada no ventre materno.
Sobre se a Santa Virgem foi
santificada no ventre materno, nada nos ensina a Escritura canónica, a qual
também não faz menção da sua actividade. Mas, assim como Agostinho prova com
razões que a Virgem foi assumpta ao céu em corpo, o que contudo não o diz a
Escritura, assim também podemos pensar racionalmente que foi santificada no
ventre materno. Pois, é racional crermos, que aquela que gerou o Unigénito do
Pai, cheio de graça e de verdade, recebeu maiores privilégios de graça que as
demais mulheres. E por isso diz o Evangelho, que o Anjo lhe anunciou: Ave, cheia de graça. Pois, sabemos que a
alguns foi concedido esse privilégio da santificação no ventre materno; assim,
a Jeremias, a quem foi dito – Antes que
tu saísses da clausura do ventre materno, te santifiquei. E a João Batista,
de quem foi dito. Já desde o ventre de
sua mãe será cheio do Espírito Santo. Donde e racionalmente, cremos que a
Santa Virgem foi santificada, antes de nascer, no ventre materno.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. —
Também na Santa Virgem primeiro existiu o corpo e depois, o espírito; pois, foi
primeiro concebida carnalmente e depois, santificada no seu espírito.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Agostinho exprime-se
segundo a lei comum, pela qual ninguém se regenera pelos sacramentos senão
depois de ter nascido. Mas Deus não sujeitou o seu poder a essa lei dos
sacramentos, que não pudesse conferir a sua graça, por um especial privilégio,
a alguns, mesmo antes de nascidos do ventre materno.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A Santa Virgem
foi purificada, no ventre materno, do pecado original, quanto à mácula pessoal;
mas não ficou isenta do reato, a que toda natureza estava sujeita, não podendo
por isso entrar no paraíso, senão mediante o sacrifício de Cristo; como também
se deu com os santos Patriarcas que existiram antes de Cristo.
RESPOSTA À QUARTA. — O pecado original
foi contraído na origem, pois é pela origem que se comunica a natureza humana,
a que propriamente respeita o pecado original. O que se dá quando a criatura
concebida recebe a alma. E por isso nada impede que ela seja purificada, depois
de recebida a alma; pois, depois disso, se ainda continua no ventre materno, é
para receber, não a natureza humana, mas uma certa perfeição da natureza já
recebida.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.