Jesus Cristo o Santo de Deus
Capítulo III
ACREDITAS?
A divindade de Cristo no Evangelho de S.
João
6. “Corde
creditur: Crê-se com o coração.”
Tudo isto nos estimula a
fazermos uma purificação da nossa fé.
S. Paulo que «crê-se com o
coração, para alcançar ajustiça, e com a boca faz-se a profissão de fé, para
alcançar a salvação» [i].
Na perspectiva católica, a profissão da fé, isto é, o segundo
momento deste processo, ganhou por vezes tanto relevo que deixou na sombra o
primeiro momento, o qual é o mais importante e se desenrola nas profundezas
recônditas do coração.
«É das raízes do coração
donde brota a fé» [ii].
Corde
creditur, crê-se com o coração, ou melhor, não se crê
verdadeiramente senão com o coração.
Este primeiro acto de fé,
precisamente porque nasce do coração, é um acto “singular”, que só pode ser
feito por cada um de nós, em total recolhimento com Deus.
No evangelho de S. João
ouvimos Jesus fazer repetidamente a pergunta:
«Acreditas?»
Faz esta pergunta ao cego de
nascença, depois de o ter curado:
«Acreditas no Filho do Homem?» [iii];
Faz a mesma pergunta a
Marta:
E esta pergunta faz brotar
sempre do coração o grito da fé:
«Sim, Senhor, eu creio!».
O símbolo da fé da Igreja
também começa assim, no singular:
«eu creio…» e não: «nós
cremos…».
Quando a palavra “creio!” é
pronunciada assim, em estado de verdadeira confissão, esse é o instante em que
o tempo se abre para a eternidade «quem
acredita n’Ele tem a vida eterna», ainda que esse instante se possa
perfeitamente colocar num estado ou num acto permanente de fé e não nascer do
nada e acabar em si mesmo.
Este é o caso mais sublime e
poético da “revelação do ser”; o ser escondido na própria palavra do homem
Jesus ou na própria palavra “Deus” revela-Se, ilumina-Se e então – dizia S.
João – acontece que se vê e se contempla a glória de Deus.
Não se crê somente, mas
também se reconhece, se vê e se contempla:
«Nós acreditámos e conhecemos» [v];
«Nós comtemplámos a Verdade da vida» [vi]
Através do baptismo, a
Igreja antecipou e prometeu a Deus a minha fé; tornou-se garante para mim,
ainda criança, de que um dia mais tarde, tornado adulto, eu viria também a
crer.
Agora tenho de demonstrar
que a Igreja não se enganou a meu respeito.
Não posso crer por
interpostas pessoas ou interpostas instituições.
Não deve ser a Igreja a
crerem vez de mim.
“Acreditas?”.
Não nos podemos refugiar na
multidão nem entrincheirar atrás da Igreja.
Temos de aceitar também nós
passar através deste momento e sujeitar-nos a este exame.
Não podemos considerar-nos
dispensados.
Se àquela pergunta de Jesus
responderes prontamente e sem reflectires: “é claro que creio!” e achares,
porventura, estranho que uma pergunta deste género seja dirigida a um crente, a
um Sacerdote ou a um Bispo, provavelmente quer dizer que ainda não descobriste
o que significa crer verdadeiramente que Jesus é Deus e que nunca desceste às
profundezas da fé.
Nunca experimentaste a
grande vertigem da razão que precede o acto de fé.
É uma fé que ainda não passou
através do escândalo.
Sucedeu que em determinado
momento os discípulos pensavam ter chegado ao vértice da fé:
«Agora – disseram a Jesus – sabemos
que Tu sabes tudo… Por isso acreditamos que Tu vieste de Deus».
Jesus responde: «Credes agora?», e então pronunciou-lhes
de daí a pouco tempo se escandalizariam d’Ele e todos se dispersariam,
deixando-O sozinho [vii].
Quantas vezes a nossa fé em
Jesus se assemelha à dos discípulos nesta circunstância!
Estamos certos,
ingenuamente, que acreditamos intensa e definitivamente, a passo que Jesus, que
nos conhece, sabe bem que apenas cheguem as provações, a realidade será bem
diferente e demonstrará que afinal não acreditamos n’Ele verdadeiramente.
Aquela expressão «agora cremos!» faz recordar muitas vezes
o retrato da nossa fé.
A verdadeira fé é aquela que
advém depois de se terem superado os baixios perigosos das provações e do
escândalo e não aquela que nunca sentiu essas dificuldades.
Se alguém, por força de
tanto ter ouvido falar disso, considerar quase natural que Jesus – este homem –
é Deus, e Deus é homem, isso é um deplorável sinal de superficialidade que
ofende a Deus tanto ou mais ainda do que a incredulidade de quem considera isso
demasiado sublime, algo demasiado indigno de Deus e impossível, tão grande é a
ideia que tem da diferença qualitativa e infinita entre Deus e o homem.
Não se deve menosprezar
aquilo que Deus levou a cabo fazendo-Se homem, como se isso fosse coisa normal
e compreensível.
Antes de tudo, é preciso
destruir em nós crentes, e em nós homens da Igreja, a falsa persuasão de que já
cremos; é preciso provocar a dúvida – não a respeito de Jesus, claro, mas a
nosso respeito – para, então, podermos ir à procura de uma fé mais autêntica.
Quiçá não seja benéfico que,
por uns tempos, não se queira revelar nada a ninguém, mas se procure
interiorizar a fé e redescobrir as suas raízes no coração!
Jesus perguntou a Pedro por
três vezes:
«Tu amas-me?»
Sabia que à primeira e à
segunda vez, a resposta tinha sido demasiado depressa, para ser a verdadeira.
Finalmente, à terceira vez,
Pedro compreendeu.
Também a pergunta sobre a
nossa fé nos deve ser posta assim: por três vezes, com insistência, a fim de
também nós compreendamos e entremos na verdade:
‘Acreditas? Acreditas?
Acreditas? Crês verdadeiramente?’
No fim, talvez tenhamos que
responder:
‘Não, Senhor, eu não creio
verdadeiramente. Ajuda-me a superar a minha incredulidade!’
(cont)
rainiero cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia.
[ii] Stº Agostinho, In
Ioh. 26,2 (PL. 35,1697)