Jesus Cristo o Santo de Deus
CAPÍTULO VI
«TU AMAS-ME?»
O AMOR POR JESUS
2. Que
significa amar Jesus Cristo
…/4
A célebre afirmação de Stº
Agostinho, dirigindo-se a Deus:
«Tu fizeste-nos para Ti e o
nosso coração fica inquieto enquanto não repousar em Ti» [i] é
claramente também talvez voluntariamente aplicada a Cristo por Cabasillas.
Ele é “o lugar do nosso
repouso”, é aquele para o qual tendem as aspirações mais íntimas do coração
humano.
Não como para um objecto
diferente, o que é indicado pela palavra “Deus”, mas sim para aquele mesmo
objecto na forma que Ele quis assumir para nós e que desde a eternidade tinha
projectado.
Com isto não se quer de modo
algum menosprezar ou ocultar a grande variedade de meios que existe para as
almas se aproximarem de Deus, consoante a diversidade das faculdades oferecidas
a cada um ou consoante a diferente psicologia e estrutura mental de cada
pessoa.
Há quem tenha um amor e uma
prece mais voltados para o Pai, quem os tenha mais voltados para Jesus Cristo,
quem os tenha voltados mais para o Espírito Santo e quem os tenha voltados mais
para a SS Trindade no seu conjunto, amor e preces através dos quais
constantemente ama, reza e louva “o Pai por meio do Espírito Santo”.
Há, finalmente, quem oriente
o seu amor e a sua prece simplesmente para “Deus”, compreendendo, com a palavra
“Deus”, o “Deus-Trindade da Bíblia, como Stª Ângela de Foligno quando exclamava
«Quero Deus!».
Todos eles são caminhos bons
e largamente experimentados pelos santos, que se alternam muitas vezes na vida
e na experiência de uma mesma pessoa.
Através da mútua
compenetração das pessoas divinas entre si, amando-Se uma delas, amam-se todas
as outras, porque cada uma está em todas e todas em cada uma., por força da Sua
única natureza e vontade.
Aquilo que eu pretendi dizer
é simplesmente que quem ama Jesus Cristo não caminha por isso por um nível
inferior e num estado imperfeito, mas sim ao mesmo nível de quem ama o Pai.
3.Como
cultivar o amor por Jesus?
Procurei responder assim à
pergunta “que significa amar Jesus Cristo?», mas estou convencido de que aquilo
que disse nada é em comparação com o que poderia dizer e que só os Santos
poderiam exprimir num hino da liturgia que se recita frequentemente nas
festividades de Jesus, canta assi:
Nenhuma língua pode dizer
Nenhuma palavra pode exprimir
Somente o entendido pode julgar
Aquilo que é amar Jesus. [ii]
Esta nossa recolha não pode
ser senão uma recolha das migalhas que caem da mesa dos donos [iii],,
isto é, um enriquecimento através da experiência dos grandes amantes de Jesus.
É a eles que fizeram essa
experiência, que devemos recorrer para aprendermos a arte de amar Jesus Cristo.
Recorrer por exemplo a S.
Paulo que ansiava desfazer-se do corpo «para estar com Cristo» [iv], ou
a Santo Inácio de Antioquia que, a caminho do martírio, escrevia:
«É belo deixar este mundo
pelo Senhor e ressuscitar com Ele… Somente me interessa encontrar Jesus Cristo…
Vou ao encontro d’Aquele que morreu por mim, anseio por Aquele que ressuscitou
por mim!»[v].
Mas é possível amar Jesus,
agora que o Verbo da vida Se não pode ver, apalpar e contemplar com os nossos
olhos de carne?
S. Leão Magno dizia que
«tudo aquilo que havia de visível em Nosso Senhor Jesus Cristo, depois da Sua
Ascensão, passou para os Sacramentos da Igreja» [vi].
É através dos Sacramentos,
por isso, e através especialmente da Eucaristia, que se alimenta o amor de
Cristo porque neles se realiza a inefável união com Ele.
É uma união mais forte do
que a que existe entre os sarmentos e a videira, entre os esposos e do que
qualquer outro tipo de união.
É possível “amar” a Jesus
Cristo, pelo motivo que demonstrámos no capítulo precedente: porque Ele é uma
pessoa viva e “existente”.
Isto é, não se trata somente
de uma personagem da História ou uma noção de filosofia, mas de um “tu”, um
“amigo” que se pode, por isso, amor com amor de amizade.
São inúmeros os meios para
cultivar esta amizade com Jesus e cada um de nós tem a sua maneira preferida, o
seu dom, o seu caminho.
Pode ser a Sua palavra, na
qual cada um de nós O sente vivo e em diálogo connosco, pode ser simplesmente a
oração.
Porém é necessário, em todos
os casos, que haja a unção do Espírito, porque somente o Espírito Santo sabe
quem é Jesus e sabe inspirar o amor por Jesus.
Queria chamar ainda a
atenção para um meio que sempre mereceu o carinho da Tradição, especialmente da
tradição da Igreja ortodoxa: a memória de
Jesus.
Foi Ele mesmo que Se confiou
à memória dos discípulos, quando disse: «Fazei
isto em memória de Mim» [vii].
A memória é a porta do
coração. Pois que – escreve ainda Cabasillas – a dor cheia de graça nasce do
amor de Cristo, e o amor nasce dos pensamentos que têm Cristo como objecto e o
Seu amor pelos homens; é de grande ajuda conservar na memória tais pensamentos,
ligá-los intimamente e não deixar de o fazer a todos o momento…
Pensar em Cristo é a
ocupação própria das almas baptizadas [viii].
Já S. Paulo comparava o amor
de Cristo com a Sua recordação:
«O amor de Cristo
constrange-nos ao pensamento de que um morreu por todos» [ix].
Quando nós reflectimos e
sopesamos na mente (krimantes) este
facto, ou seja, que Ele morreu por nós, por todos, nós somos como que
compelidos a amar Jesus.
O pensamento ou a recordação
d’Ele “acende” o amor.
Neste sentido, podemos dizer
que para amar Jesus Cristo é necessário redescobrir e cultivar um certo gosto
pela interioridade e contemplação.
O Apóstolo estabelece esta
prova: na medida em que nós «nos corroboramos no homem interior”, Cristo habita
pela fé no nosso coração; então arreigados e fundados em caridade, nós possamos
compreender a amplitude, o comprimento, a altura e a profundidade e conhecer «o
amor de Cristo que excede todo o entendimento» [x].
É preciso, portanto, começar
por fortalecer o homem interior, o que para o crente significa crer mais,
esperar mais, rezar mais, deixar-se guiar mais pelo Espírito.
«Cristo, no Qual temos a
esperança da glória» [xi]:
esta é a definição da interioridade cristã.
(cont)
rainiero cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia.
[i]
Stº Agostinho, Confissões, I. 1; IX,
9
[ii]
Hino Jesu dulcis memoria
[v]
Stº Inácio de Antioquia, Aos romanos,
2.1 5; 6,1
[vi]
S. Leão Magno, Discurso 2 sobre a
Ascensão, 2 (PL 54,398
[viii] Cabasillas, op. Ci. VI, 4 (PG 150,
653.600