Tempo de Quaresma V Semana
Evangelho:
Jo 8 21-30
21 Jesus disse-lhes mais: «Eu retiro-Me: vós Me buscareis, e
morrereis no vosso pecado. Para onde Eu vou, vós não podeis ir». 22 Diziam,
pois, os judeus: «Será que Ele Se mate a Si mesmo, pois diz: Para onde Eu vou,
vós não podeis ir?». 23 Ele disse-lhes: «Vós sois cá de baixo, Eu sou lá de
cima. Vós sois deste mundo, Eu não sou deste mundo. 24 Por isso Eu vos disse
que morreríeis nos vossos pecados; sim, se não crerdes que “Eu sou”, morrereis
nos vossos pecados». 25 Disseram-Lhe então eles: «Quem és Tu?». Jesus respondeu-lhes:
«É exactamente isso que Eu vos estou a dizer. 26 Muitas coisas tenho a dizer e
a julgar a vosso respeito, mas O que Me enviou é verdadeiro e o que ouvi d'Ele
é o que digo ao mundo». 27 Eles não compreenderam que Jesus lhes falava do Pai.
28 Jesus disse-lhes mais: «Quando tiverdes levantado o Filho do Homem, então
conhecereis que “Eu sou” e que nada faço por Mim mesmo, mas que, como o Pai Me
ensinou, assim falo. 29 O que Me enviou está comigo, não Me deixou só, porque
Eu faço sempre aquilo que é do Seu agrado». 30 Dizendo estas coisas, muitos
acreditaram n'Ele.
Comentário:
A Liturgia quaresmal prossegue
com os textos do Evangelho escrito por São João que, como sabemos, se detém
principalmente na figura de Jesus Cristo autêntico Deus e autêntico homem.
Já referimos que, por vezes,
parecem um pouco enigmáticas as explicações que Jesus dá aos que O interrogam
mas, de facto, o próprio Evangelista confirma que muitos compreendiam e
acreditavam nele.
Não diz contudo algo mais que
podemos adivinhar: muitos desses que acreditaram hão-de levar outros muitos a
acreditar também.
(ama, comentário sobre Jo 8, 21-30, 2014.04.08)
Leitura
espiritual
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA EVANGELII GAUDIUM
DO SANTO PADRE FRANCISCO
AO EPISCOPADO, AO CLERO ÀS
PESSOAS CONSAGRADAS E AOS FIÉIS LEIGOS SOBRE O ANÚNCIO DO EVANGELHO NO MUNDO
ACTUAL
O
diálogo entre a fé, a razão e as ciências
242. O diálogo entre
ciência e fé também faz parte da acção evangelizadora que favorece a paz.[i]
O cientificismo e o
positivismo recusam-se a «admitir, como válidas, formas de conhecimento
distintas daquelas que são próprias das ciências positivas».[ii]
A Igreja propõe outro
caminho, que exige uma síntese entre um uso responsável das metodologias
próprias das ciências empíricas e os outros saberes como a filosofia, a
teologia, e a própria fé que eleva o ser humano até ao mistério que transcende
a natureza e a inteligência humana.
A fé não tem medo da
razão; pelo contrário, procura-a e tem confiança nela, porque «a luz da razão e
a luz da fé provêm ambas de Deus»,[iii]
e não se podem contradizer entre si.
A evangelização está
atenta aos progressos científicos para os iluminar com a luz da fé e da lei
natural, tendo em vista procurar que sempre respeitem a centralidade e o valor
supremo da pessoa humana em todas as fases da sua existência.
Toda a sociedade pode ser
enriquecida através deste diálogo que abre novos horizontes ao pensamento e
amplia as possibilidades da razão.
Também este é um caminho
de harmonia e pacificação.
243. A Igreja não pretende
deter o progresso admirável das ciências. Pelo contrário, alegra-se e
inclusivamente desfruta reconhecendo o enorme potencial que Deus deu à mente
humana.
Quando o progresso das
ciências, mantendo-se com rigor académico no campo do seu objecto específico,
torna evidente uma determinada conclusão que a razão não pode negar, a fé não a
contradiz.
Nem os crentes podem
pretender que uma opinião científica que lhes agrada – e que nem sequer foi
suficientemente comprovada – adquira o peso dum dogma de fé.
Em certas ocasiões, porém,
alguns cientistas vão mais além do objecto formal da sua disciplina e exageram
com afirmações ou conclusões que extravasam o campo da própria ciência.
Neste caso, não é a razão
que se propõe, mas uma determinada ideologia que fecha o caminho a um diálogo
autêntico, pacífico e frutuoso.
O
diálogo ecuménico
244. O compromisso
ecuménico corresponde à oração do Senhor Jesus pedindo «que todos sejam um só»[iv].
A credibilidade do anúncio
cristão seria muito maior, se os cristãos superassem as suas divisões e a
Igreja realizasse «a plenitude da catolicidade que lhe é própria naqueles
filhos que, embora incorporados pelo Baptismo, estão separados da sua plena
comunhão».[v]
Devemos sempre lembrar-nos
de que somos peregrinos, e peregrinamos juntos.
Para isso, devemos abrir o
coração ao companheiro de estrada sem medos nem desconfianças, e olhar
primariamente para o que procuramos: a paz no rosto do único Deus.
O abrir-se ao outro tem
algo de artesanal, a paz é artesanal. Jesus disse-nos: «Felizes os pacificadores»[vi].
Neste esforço, mesmo entre
nós, cumpre-se a antiga profecia: «Transformarão as suas espadas em relhas de arado»[vii].
245. Sob esta luz, o
ecumenismo é uma contribuição para a unidade da família humana.
A presença no Sínodo do
Patriarca de Constantinopla, Sua Santidade Bartolomeu I, e do Arcebispo de
Cantuária, Sua Graça Rowan Douglas Williams,[viii]
foi um verdadeiro dom de Deus e um precioso testemunho cristão.
246. Dada a gravidade do
contra-testemunho da divisão entre cristãos, sobretudo na Ásia e na África,
torna-se urgente a busca de caminhos de unidade.
Os missionários, nesses
continentes, referem repetidamente as críticas, queixas e sarcasmos que recebem
por causa do escândalo dos cristãos divididos.
Se nos concentrarmos nas
convicções que nos unem e recordarmos o princípio da hierarquia das verdades,
poderemos caminhar decididamente para formas comuns de anúncio, de serviço e de
testemunho.
A imensa multidão que não
recebeu o anúncio de Jesus Cristo não pode deixar-nos indiferentes.
Por isso, o esforço por
uma unidade que facilite a recepção de Jesus Cristo deixa de ser mera
diplomacia ou um dever forçado para se transformar num caminho imprescindível
da evangelização.
Os sinais de divisão entre
cristãos, em países que já estão dilacerados pela violência, juntam outros
motivos de conflito vindos da parte de quem deveria ser um activo fermento de
paz.
São tantas e tão valiosas
as coisas que nos unem!
E, se realmente acreditamos
na acção livre e generosa do Espírito, quantas coisas podemos aprender uns dos
outros!
Não se trata apenas de
receber informações sobre os outros para os conhecermos melhor, mas de recolher
o que o Espírito semeou neles como um dom também para nós.
Só para dar um exemplo, no
diálogo com os irmãos ortodoxos, nós, os católicos, temos a possibilidade de
aprender algo mais sobre o significado da colegialidade episcopal e sobre a sua
experiência da sinodalidade.
Através dum intercâmbio de
dons, o Espírito pode conduzir-nos cada vez mais para a verdade e o bem.
As
relações com o Judaísmo
247. Um olhar muito
especial é dirigido ao povo judeu, cuja Aliança com Deus nunca foi revogada,
porque «os dons e o chamamento de Deus são irrevogáveis»[ix].
A Igreja, que partilha com
o Judaísmo uma parte importante das Escrituras Sagradas, considera o povo da
Aliança e a sua fé como uma raiz sagrada da própria identidade cristã[x].
Como cristãos, não podemos
considerar o Judaísmo como uma religião alheia, nem incluímos os judeus entre
quantos são chamados a deixar os ídolos para se converter ao verdadeiro Deus[xi].
Juntamente com eles, acreditamos
no único Deus que actua na história, e acolhemos, com eles, a Palavra revelada
comum.
248. O diálogo e a amizade
com os filhos de Israel fazem parte da vida dos discípulos de Jesus.
O afecto que se
desenvolveu leva-nos a lamentar, sincera e amargamente, as terríveis
perseguições de que foram e são objecto, particularmente aquelas que envolvem
ou envolveram cristãos.
249. Deus continua a
operar no povo da Primeira Aliança e faz nascer tesouros de sabedoria que
brotam do seu encontro com a Palavra divina.
Por isso, a Igreja também
se enriquece quando recolhe os valores do Judaísmo.
Embora algumas convicções
cristãs sejam inaceitáveis para o Judaísmo e a Igreja não possa deixar de
anunciar Jesus como Senhor e Messias, há uma rica complementaridade que nos
permite ler juntos os textos da Bíblia hebraica e ajudar-nos mutuamente a desentranhar
as riquezas da Palavra, bem como compartilhar muitas convicções éticas e a
preocupação comum pela justiça e o desenvolvimento dos povos.
O
diálogo inter-religioso
250. Uma atitude de
abertura na verdade e no amor deve caracterizar o diálogo com os crentes das
religiões não-cristãs, apesar dos vários obstáculos e dificuldades, de modo
particular os fundamentalismos de ambos os lados.
Este diálogo
inter-religioso é uma condição necessária para a paz no mundo e, por
conseguinte, é um dever para os cristãos e também para outras comunidades
religiosas.
Este diálogo é, em
primeiro lugar, uma conversa sobre a vida humana ou simplesmente – como propõem
os Bispos da Índia – «estar aberto a eles, compartilhando as suas alegrias e
penas».[xii]
Assim aprendemos a aceitar
os outros, na sua maneira diferente de ser, de pensar e de se exprimir.
Com este método, poderemos
assumir juntos o dever de servir a justiça e a paz, que deverá tornar-se um
critério básico de todo o intercâmbio.
Um diálogo, no qual se procurem
a paz e a justiça social, é em si mesmo, para além do aspecto meramente pragmático,
um compromisso ético que cria novas condições sociais.
Os esforços à volta dum
tema específico podem transformar-se num processo em que, através da escuta do
outro, ambas as partes encontram purificação e enriquecimento.
Portanto, estes esforços
também podem ter o significado de amor à verdade.
(cont)
(Revisão da versão portuguesa por ama)
[ii] João Paulo II,
Carta enc. Fides et ratio (14 de Setembro de 1998), 88: AAS 91 (1999), 74.
[iii] São Tomás de
Aquino, Summa contra gentiles, I, 7; cf. João Paulo II, Carta enc. Fides et
ratio (14 de Setembro de 1998), 43: AAS 91 (1999), 39.
[v] Conc. Ecum. Vat.
II, Decr. sobre o ecumenismo Unitatis redintegratio, 4.
[xii] Conferência dos
Bispos da Índia, Decl. final da XXX Assembleia Geral: The Church’s Role for a
Better India (8 de Março de 2012), 8.9.