15/12/2006

Morro esta madrugada

Nota prévia:
A carta que a seguir se transcreve, tão sincera e comovente, foi escrita pelo punho de um jovem holandês de 22 anos, poucos momentos antes de ser fuzilado pelo pelotão de execução nazi, no dia 27 de Fevereiro de 1942, na companhia de três outros mártires da «nova ordem europeia». O seu crime: Ter fugido da Holanda, para tentar juntar-se ás forças holandesas aquarteladas em Inglaterra. Os quatro rapazes foram capturados na região ocupada da França, e o Tribunal Marcial Alemão condenou-os à morte a 13 de Fevereiro de 1942, sob a acusação de «ajudarem o inimigo».
Querido Pai: Custa-me escrever-lhe esta carta, mas sou forçado a partipar-lhe que o Tribunal Marcial pronunciou contra nós uma sentença bem pesada.
Leia esta carta só para si, primeiro, e depois conte à Mãe, mas com muita cautela.
Quando lhe escrevi a primeira vez, a 14 de Fevereiro, já sabíamos que nos tinham condenado à morte, mas fiquei sem coragem de lhe dizer logo, porque queria poupá-lo a todos estes longos dias de expectativa. Seguiu para Paris um pedido de clemência, que foi negado, muito embora julgássemos que ainda haveria certas possibilidades de perdão, pois no fim de contas não cometemos nenhum crime.
Eu disse expectativa e não medo, pois felizmente estes dias não foram de medo.
Tive muito tempo para rezar, e tenho a firme convicção de que posso esperar morrer na graça de Jesus.
Vamos morrer não tarda muito, ás cinco da manhã, e isso não me parece assim tão terrível. É só um instante, e logo estarei com Deus - acabaram-se as misérias e a tristeza deste mundo.
Não me parece, à vista disso, que se tate de uma transição de meter pavor.
Pelo contrário, é admiravel sentirmo-nos na graça do Senhor. Deus prometeu-nos que não nos abandonaria se tivessemos a coragem de rogar que estivesse connosco. Sinto-me tão perto de Deus, que estou pronto para morrer. Espero que isto sirva de consolo, a si meu Pai.
Mas também sei que é terrível. Ainda somos tão jovens! Deus sabe, porém, que a nossa causa era justa. Acho que vai ser muito pior para si que para mim, porque confessei todos os meus pecados e fiquei muito calmo. Por isso, não chorem por mim, confiem na Providência, e peçam-Lhe que vos dê força.
Mãe, minha querida Mãe, beijo-a de todo o coração. Perdoe-me qualquer falta que tenha cometido. Não chore, minha querida Mãe. Tenha ânimo. Ficam-lhe outros filhos para cuidar - olhe a pobre senhora X, que não tem mais nenhum! Sei que tornaremos todos a encontrar-nos. Mais um beijo, o último do seu filho muito amigo.
Meu Pai, também lhe peço perdão. Tenha coragem na sua fé, pois bem sei que a tem, como a Mãe. Não ponha luto, mas agradeça a Deus ter-nos dado confiança na Sua Graça. E não diga que a paz já não lhe dará alegria porque eu me fui. No fim de contas, dei a vida pelo meu país, como tantos outros estão dando agora. Dê-me um abraço bem forte. Cumpra-se a Vontade do Alto.
Jan, Bep, El e Fien - saudades para todos vocês. Sejam fortes e peçam a Deus que os anime. Creiam n'Ele, e Ele fará com que tudo seja pelo melhor. Sejam bons para o Pai e a Mãe. Dêem saudades aos meus irmãos e irmãs mais novinhos; talvez eles não compreendam bem isto, mas ensinem-lhes a crer também.
Saudades de nós quatro para todos. A todos agradeço tudo quanto tenham feito por mim.
Não nos falta coragem. Tenham-na também. Só os nossos corpos nos serão tomados, porque as nossas almas estão nas mãos do Senhor. Isto deveria bastar para consolação.
Agora vou-me embora. Até nos tornarmos a encontrar, numa reunião que será mais feliz do que todas. Deus os abençoe.
Não tenham ódio a ninguém. Eu morro sem odiar. Deus é Omnipotente!
Kees
(Cfr. Harper's Bazar, Fevereiro de 1942, por Kees X.)