Quaresma
Semana I
Evangelho:
Mt 7, 7-12
7 «Pedi, e
vos será dado; buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á. 8 Porque
todo aquele que pede, recebe, e quem busca, encontra; e a quem bate,
abrir-se-á. 9 Qual de vós dará uma pedra a seu filho, quando este
lhe pede pão? 10 Ou se lhe pedir um peixe, dar-lhe-á uma serpente? 11
Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais
o vosso Pai celeste dará coisas boas aos que lhas pedirem. 12
«Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-o também vós a
eles; esta é a Lei e os Profetas.
Comentário:
A nossa condição de criaturas
leva-nos a uma constante dependência do Criador.
Por nós próprios,
efectivamente, não podemos nada nem sequer a mais básica das nossas
necessidades podemos prover se não tivermos o auxílio divino.
As aptidões, qualidades,
conhecimentos, virtudes, capacidades dependem sempre da magnitude e
misericórdia do Senhor.
De que nos valerá ser
competentes executores se não tivermos oportunidade de fazer alguma coisa?
Portanto temos de pedir
absolutamente tudo e sem qualquer receio de que o Senhor nos ache “pedinchões”
já que nada Lhe dará maior satisfação que vir em nosso auxílio.
(ama, comentário sobre Mt
7, 7-12, 2014.03.13)
Leitura espiritual
Ioannes Paulus PP. II
Dives in misericordia
sobre a Misericórdia Divina
1980.11.30
/…4
A
Mãe da Misericórdia
9. No cântico pascal da
Igreja repercutem, com a plenitude do seu conteúdo profético, as palavras que
Maria pronunciou durante a visita que fez a Isabel, esposa de Zacarias: «A sua
misericórdia estende-se de geração em geração» 101. Tais palavras,
já desde o momento da Encarnação, abrem nova perspectiva da história da
Salvação. Após a ressurreição de Cristo, esta nova perspectiva passa para o
plano histórico e, ao mesmo tempo, reveste-se de sentido escatológico novo.
Desde então sucedem-se sempre novas gerações de homens na imensa família
humana, em dimensões sempre crescentes; sucedem-se também novas gerações do
Povo de Deus, assinaladas pelo sinal da Cruz e da Ressurreição e «seladas» 102
com o sinal do mistério pascal de Cristo, revelação absoluta daquela
misericórdia que Maria proclamou à entrada da casa da sua parente: «A sua
misericórdia estende-se de geração em geração» 103.
Maria é, pois, aquela que,
de modo particular e excepcional — como ninguém mais —, experimentou a
misericórdia e, também de modo excepcional, tornou possível com o sacrifício do
coração a sua participação na revelação da misericórdia divina. Este seu
sacrifício está intimamente ligado à cruz do seu Filho, aos pés da qual ela
haveria de encontrar-se no Calvário. Tal sacrifício de Maria é uma singular
participação na revelação da misericórdia, isto é, da fidelidade absoluta de Deus
ao próprio amor, à Aliança que ele quis desde toda a eternidade e que no tempo
realizou com o homem, com o seu Povo e com a humanidade. É a participação na
revelação que se realizou definitivamente mediante a Cruz. Ninguém jamais
experimentou, como a Mãe do Crucificado, o mistério da Cruz, o impressionante
encontro da transcendente justiça divina com o amor, o «ósculo» dado pela
misericórdia à justiça 104. Ninguém como Maria acolheu tão
profundamente no seu coração tal mistério, no qual se verifica a dimensão
verdadeiramente divina da Redenção, que se realizou no Calvário mediante a
morte do seu Filho, acompanhada com o sacrifício do seu coração de mãe, com o
seu «fiat» definitivo.
Maria, portanto, é aquela
que conhece mais profundamente o mistério da misericórdia divina. Conhece o seu
preço e sabe quanto é elevado. Neste sentido chamamos-lhe Mãe da misericórdia,
Nossa Senhora da Misericórdia, ou Mãe da divina misericórdia. Em cada um destes
títulos há um profundo significado teológico, porque exprimem a particular
preparação da sua alma e de toda a sua pessoa, para torná-la capaz de
descobrir, primeiro, através dos complexos acontecimentos de Israel e, depois,
daqueles que dizem respeito a cada um dos homens e à humanidade inteira, a
misericórdia da qual todos se tornam participantes, segundo o eterno desígnio
da Santíssima Trindade, «de geração em geração» 105.
Estes títulos que
atribuímos à Mãe de Deus falam dela sobretudo como Mãe do Crucificado e do
Ressuscitado, d'Aquela que, tendo experimentado a misericórdia de um modo
excepcional, «merece» igualmente tal misericórdia durante toda a sua vida
terrena e, de modo particular, aos pés da cruz do Filho. Tais títulos dizem-nos
também que Ela, através da participação escondida e, ao mesmo tempo, incomparável
na missão messiânica de seu Filho, foi chamada de modo especial para tornar
próximo dos homens o amor que o Filho tinha vindo revelar: amor que encontra a
sua mais concreta manifestação para com os que sofrem, os pobres, os que estão
privados de liberdade os cegos, os oprimidos e os pecadores, conforme Cristo
explicou referindo-se à profecia de Isaías, ao falar na sinagoga de Nazaré 106
e, depois, ao responder à pergunta dos enviados de João Baptista 107.
Precisamente deste amor
«misericordioso», que se manifesta sobretudo em contacto com o mal moral e
físico, participava de modo singular e excepcional o coração daquela que foi a
Mãe do Crucificado e do Ressuscitado. Nela e por meio dela o mesmo amor não
cessa de revelar-se na história da Igreja e da humanidade. Esta revelação é
particularmente frutuosa, porque se funda, tratando-se da Mãe de Deus, no
singular tacto do seu coração materno, na sua sensibilidade particular, na sua
especial capacidade para atingir todos aqueles que aceitam mais facilmente o
amor misericordioso da parte de uma mãe. É este um dos grandes e vivificantes
mistérios do Cristianismo, mistério muito intimamente ligado ao mistério da
Encarnação.
«Esta maternidade de Maria
na economia da graça — como se exprime o Concílio Vaticano II — perdura sem
interrupção, a partir do consentimento que fielmente deu na anunciação e que
manteve inabalável junto à cruz, ate à consumação eterna de todos os eleitos.
De facto, depois de elevada ao céu, não abandonou esta missão salvadora, mas,
com a sua multiforme intercessão, continua a alcançar-nos os dons da salvação
eterna. Cuida, com amor materno, dos irmãos de seu Filho que entre perigos e
angústias, caminham ainda na terra até chegarem à Pátria bem-aventurada» 108.
VI.
«MISERICÓRDIA... DE GERAÇÃO EM GERAÇÃO»
Imagem
da nossa geração
10. Temos todo o direito
de acreditar que também a nossa geração foi abrangida pelas palavras da Mãe de
Deus, quando glorificava a misericórdia de que participam, «de geração em
geração», aqueles que se deixam guiar pelo temor de Deus. As palavras do
Magnificat de Maria têm conteúdo profético, que diz respeito não só ao passado
de Israel, mas também a todo o futuro do Povo de Deus sobre a terra. Com
efeito, todos nós que vivemos actualmente na terra somos a geração que está
consciente da aproximação do terceiro Milénio e que sente profundamente a
viragem que hoje se está a verificar na história.
A geração contemporânea
tem consciência de ser uma geração privilegiada, porque o progresso lhe
proporciona imensas possibilidades, insuspeitadas há apenas alguns decénios. A
actividade criadora do homem, a sua inteligência e o seu trabalho provocaram
mudanças profundas, quer no campo da ciência e da técnica, quer no plano da
vida social e cultural. O homem, de facto, estendeu o seu domínio sobre a
natureza e adquiriu conhecimento mais aprofundado das leis do seu próprio
comportamento social. Verificou que caíram ou se tornaram menores os obstáculos
e as distâncias que separam os homens e as nações: graças ao vivo sentido do
que é universal e à consciência mais nítida da unidade do género humano,
aceitando a dependência recíproca numa solidariedade autêntica; e em virtude,
ainda, do desejo — e também da possibilidade — de entrar em contacto com os
seus irmãos e irmãs, ultrapassando as divisões artificialmente criadas pela
geografia, ou pelas fronteiras nacionais ou raciais. Os jovens de hoje,
sobretudo, sabem que o progresso da ciência e da técnica é capaz de produzir
não somente novos bens materiais, mas também participação mais ampla no comum
património do saber.
O desenvolvimento da
informática, por exemplo, multiplicará as capacidades criadoras do homem e
permitir-lhe-á o acesso aos bens de ordem intelectual e cultural dos outros
povos. As novas técnicas da comunicação favorecerão maior participação nos
acontecimentos e intercâmbio crescente de ideias. As conquistas das ciências
biológicas, psicológicas e sociais ajudarão o homem a penetrar na riqueza do
seu próprio ser. Se é verdade que tal progresso continua a ser, muitas vezes
apanágio dos países industrializados, não se pode negar, contudo que a
perspectiva de se conseguir que todos os povos e todas as nações dele usufruam,
já não irá permanecer por muito tempo mera utopia, dado que existe real vontade
política, a este respeito.
Mas, a par de tudo isso —
ou melhor talvez, em tudo isso — existem dificuldades que se vão avolumando.
Existem inquietudes e impotências a exigirem que se lhes dê a resposta profunda
que o homem sabe que tem de dar. O quadro do mundo contemporâneo apresenta
também sombras e desequilíbrios que nem sempre são superficiais. A Constituição Pastoral Gaudium et Spes do
Concílio Vaticano II não é certamente o único documento que trata da vida da
geração contemporânea, mas é um documento de importância singular. Nela se diz:
«Na verdade, os desequilíbrios de que sofre o mundo actual estão ligados com
aquele desequilíbrio fundamental que se radica no coração do homem. Porque, no
íntimo do próprio homem muitos elementos se combatem. Enquanto, por uma parte,
ele se experimenta como criatura que é, multiplamente limitado, por outra,
sente-se ilimitado nos seus desejos e chamado a uma vida superior. Atraído por
muitas solicitações, vê-se obrigado a escolher entre elas, e a renunciar a
algumas. Mais ainda, fraco e pecador, faz muitas vezes aquilo que não quer e
não realiza o que deseja fazer. Sofre assim em si mesmo a divisão, da qual
tantas e tão grandes discórdias se originam para a sociedade» 109.
Quase ao fim da introdução
da mesma Constituição pastoral lemos: «... Perante a actual evolução do mundo,
cada dia são mais numerosos aqueles que põem ou sentem com maior acuidade, as
questões fundamentais: Que é o homem? Qual é o sentido da dor, do mal e da
morte que, apesar do enorme progresso alcançado, continuam a existir? Para que
servem essas vitórias ganhas a tão grande preço?» 110.
Decorridos quase quinze
anos após o encerramento do Concílio Vaticano II, ter-se-á tornado menos
inquietante este quadro de tensões e de ameaças, próprias da nossa época?
Parece que não. Ao contrário, as tensões e as ameaças que no Documento
conciliar pareciam apenas esboçar-se e não manifestar inteiramente todo o
perigo que em si encerravam, no decurso destes anos revelaram-se mais claramente,
confirmaram de várias maneiras o perigo e não permitem acalentar as ilusões de
outrora.
Fontes
de inquietação
11. Aumenta no nosso mundo
a sensação de ameaça, aumenta o medo existencial que anda ligado sobretudo —
conforme já tive ocasião de insinuar na Encíclica
Redemptor Hominis — com a perspectiva de um conflito que, tendo em conta os
hodiernos arsenais atómicos, poderia significar a autodestruição parcial da
humanidade. A ameaça não diz respeito apenas ao que os homens podem fazer uns
aos outros, utilizando os recursos da técnica militar. Ela envolve ainda muito
outros perigos que são o produto de uma civilização materialista, que, não
obstante declarações «humanistas», aceita o primado das coisas sobre a pessoa.
O homem contemporâneo, receia que, com o uso dos meios técnicos inventados por
este tipo de civilização, não só cada um dos indivíduos, mas também os
ambientes, as comunidades, as sociedades e as nações, possam vir a ser vítimas
da violência de outros indivíduos, ambientes e sociedades. Na história do nosso
século não faltam exemplos a esse respeito. Apesar de todas as declarações
sobre os direitos do homem tomado na sua dimensão integral, isto é, na sua
existência corpórea e espiritual, não podemos dizer que tais exemplos pertencem
somente ao passado.
O homem tem justamente
medo de vir a ser vítima da opressão que o prive da liberdade interior, da
possibilidade de manifestar publicamente a verdade de que está convencido, da
fé que professa, da faculdade de obedecer à voz da consciência que lhe indica o
recto caminho a seguir. Os meios técnicos à disposição da civilização dos
nossos dias encerram de facto, não apenas a possibilidade de uma autodestruição
por meio de um conflito militar, mas também a possibilidade de uma sujeição
«pacífica» dos indivíduos, dos ambientes de vida, de inteiras sociedades e de
nações que, seja por que motivo for, se apresentem incómodos para aqueles que
dispõem de tais meios e estão prontos para empregá-los sem escrúpulos. Pense-se
ainda na tortura que continua a existir no mundo adoptada sistematicamente por
Autoridades, como instrumento de dominação ou de opressão política, e posta em
prática, impunemente, por subalternos.
Assim, ao lado da
consciência da ameaça contra a vida vai crescendo a consciência da ameaça que
destrói ainda mais aquilo que é essencial ao homem, ou seja, aquilo que está
intimamente relacionado com a sua dignidade de pessoa, com o seu direito à
verdade e à liberdade.
Tudo isto se desenrola,
tendo como pano de fundo o gigantesco remorso constituído pelo facto de que, ao
lado de homens e sociedades abastados e fartos, a viverem na abundância,
dominados pelo consumismo e pelo prazer, não faltam na mesma família humana
indivíduos e grupos sociais que sofrem a fome. Não faltam crianças que morrem
de fome sob o olhar de suas mães. Não faltam, em várias partes do mundo, em
vários sistemas socioeconómicos, áreas inteiras de miséria, de carência e de
subdesenvolvimento. Este facto é universalmente conhecido. O estado de
desigualdade entre os homens e os povos não só perdura, mas até aumenta. Sucede
ainda nos nossos dias que ao lado dos que são abastados e vivem na abundância,
há outros que vivem na indigência, padecem a miséria e, muitas vezes até morrem
de fome, cujo número atinge dezenas e centenas de milhões. É por isso que a
inquietação moral está destinada a tornar-se cada vez mais profunda.
Evidentemente na base da economia contemporânea e da civilização materialista
há uma falha fundamental ou, melhor dito, um conjunto de falhas ou até um
mecanismo defeituoso, que não permite à família humana sair de situações tão
radicalmente injustas.
Eis a imagem do mundo de
hoje, onde existe tanto mal físico e moral, a ponto de o tornar um mundo
enredado em tensões e contradições e, ao mesmo tempo, cheio de ameaças contra a
liberdade humana, a consciência e a religião. Tal imagem explica a inquietação
a que está sujeito o homem contemporâneo inquietação sentida, não só pelos que
se acham desfavorecidos ou oprimidos, mas também por aqueles que gozam dos
privilégios da riqueza, do progresso e do poder. Embora não faltem aqueles que
procuram descobrir as causas de tal inquietação, ou reagir com os meios à
disposição que lhes oferecem a técnica, a riqueza ou o poder, todavia, no mais
fundo da alma humana, tal inquietação supera todos os paliativos. Como justamente
concluiu na sua análise o Concílio Vaticano II, ela diz respeito aos problemas
fundamentais de toda a existência humana. Esta inquietação está ligada ao
próprio sentido da existência do homem no mundo. É mesmo inquietação quanto ao
futuro do homem e de toda a humanidade e exige resoluções decisivas que hoje
parecem impor-se ao género humano.
Bastará
a justiça?
12. Não é difícil
verificar que no mundo actual despertou em grande escala o sentido da justiça,
o que indubitavelmente põe mais em relevo tudo o que se opõe à justiça, tanto
nas relações entre os homens, grupos sociais ou «classes», como nas relações
entre os Povos ou os Estados e até mesmo nas relações entre inteiros sistemas
políticos ou os assim chamados «mundos». Esta corrente profunda e multiforme,
em cuja base a consciência humana contemporânea situou a justiça, atesta o
carácter ético das tensões e das lutas que avassalam o mundo.
A Igreja compartilha com
os homens do nosso tempo este profundo e ardente desejo de vida justa sob todos
os aspectos. Não deixa de fazer objecto de reflexão os vários aspectos da
justiça exigida pela vida dos homens e das sociedades. Bem o comprova o amplo
desenvolvimento alcançado no último século pela doutrina social católica. Na
linha deste ensino situam-se tanto a educação e a formação das consciências
humanas no espírito da justiça, como as iniciativas que, animadas pelo mesmo
espírito, se vão desenvolvendo, especialmente no campo do apostolado dos
leigos.
Apesar disso, seria
difícil não se dar conta que, muitas vezes, os programas que têm como ponto de
partida a ideia da justiça e que devem servir para sua realização na
convivência dos homens, dos grupos e das sociedades humanas, na prática sofrem
deformações. Embora depois continuem a apelar para a mesma ideia de justiça,
todavia a experiência mostra que sobre ela predominam certas forças negativas,
como o rancor o ódio e até a crueldade. Então, a ânsia de aniquilar o inimigo
de limitar a sua liberdade ou mesmo de lhe impor dependência total, torna-se o
motivo fundamental da acção. Isto contrasta com a essência da justiça que, por
sua natureza, tende a estabelecer a igualdade e o equilíbrio entre as partes em
conflito. Esta espécie de abuso da ideia de justiça e a sua alteração prática
demonstram quanto a acção humana pode afastar-se da própria justiça, muito
embora seja empreendida em seu nome.
Não sem razão Cristo
reprovava nos seus ouvintes, fiéis à doutrina do Antigo Testamento, a
disposição manifestada nestas palavras: «Olho por olho, dente por dente» 111.
Era esta a forma de alterar a justiça naquele tempo; e as formas de hoje
continuam a pautar-se pelo mesmo modelo. É óbvio efectivamente, que, em nome de
uma pretensa justiça (por exemplo histórica ou de classe), muitas vezes se
aniquila o próximo se mata, se priva da liberdade e se despoja dos mais
elementares direitos humanos. A experiência do passado e do nosso tempo
demonstra que a justiça, por si só, não basta e que pode até levar à negação e
ao aniquilamento de si própria, se não se permitir àquela força mais profunda,
que é o amor plasmar a vida humana nas suas várias dimensões. Foi precisamente
a experiência da realidade histórica que levou à formulação do axioma: summum
ius, summa injuria. Tal afirmação não tira o valor à justiça, nem atenua o significado
da ordem instaurada sobre ela, indica apenas, sob outro aspecto, a necessidade
de recorrer às forças mais profundas do espírito, que condicionam a própria
ordem da justiça.
Tendo diante dos olhos a
imagem da geração de que fazemos parte, a Igreja compartilha a inquietação de
não poucos homens contemporâneos. Além disso, devemos preocupar-nos também com
o declínio de muitos valores fundamentais que constituem valor incontestável
não só da moral cristã, mas até simplesmente da moral humana, da cultura moral,
como sejam o respeito pela vida humana desde o momento da concepção o respeito
pelo matrimónio com a sua unidade indissolúvel e o respeito pela estabilidade
da família. O permissivismo moral atinge sobretudo este sector mais sensível da
vida e da convivência humana. Paralelamente, andam também a crise da verdade
nas relações dos homens entre si, a falta de sentido de responsabilidade pela
palavra, o utilitarismo nas relações dos homens entre si, a diminuição do
sentido do autêntico bem comum e a facilidade com que este é sacrificado.
Enfim, é a dessacralização que se transforma muitas vezes em «desumanização»; o
homem e a sociedade, para os quais nada é «sagrado», decaem moralmente, apesar
de todas as aparências.
Copyright
© Libreria Editrice Vaticana
(Nota:
Revisão da tradução para português por ama)
_______________________
Notas:
101 Lc 1,50.
102 Cf. 2 Cor 1,21 s.
103 Lc 1,50.
104 Cf. Sl 85(84),11
105 Lc 1,50.
106 Cf. Lc 4,18.
107 Cf. Lc 7,22.
108 Const. dogm. sobre a Igreja Lumen
Gentium, 62: AAS 57 (1965), p. 63.
109 Const. past. sobre a Igreja no
Mundo Contemporâneo Gaudium et Spes, 10: AAS 58 (1966), p. 1032.
110 Ibid.
111 Mt 5,38