08/11/2021

Publicações em Novembro 8

 


 

Encontro-me numa situação delicadíssima: o meu Senhor e Rei mandou-me para a prisão e também confiscou todos os meus bens com a ameaça – que levo muito a sério – de se o resultado da venda não atingir o valor em dívida, a minha mulher e os meus filhos serão vendidos como escravos! Desde que aqui entrei não tenho feito outra coisa que deitar contas à minha vida tentando descobrir a possibilidade de evitar este último pesadíssimo castigo. Tenho bem presente a enorme soma em causa e a determinação do meu Rei em não me perdoar um cêntimo sequer. Como pode um homem ser tão mesquinho?

A minha revolta impede-me de raciocinar correctamente e a única coisa que penso é na forma de me vingar do tirano… Ah! E também daqueles que me foram acusar do que tinha feito àquele que me devia cem denários. Então não estava no meu direito exigir que me pagasse o que me devia? Claro que sim! As dívidas devem pagar-se sempre, custe o que custar e se acaso tal se revelar impossível não há outra solução que procurar o credor e tentar um adiamento da data acordada.

Reparo agora, no que acabei de reflectir e que está absolutamente correcto, mas… a verdade é que eu não procedi assim. Em primeiro lugar beneficiei de um acto de misericórdia extraordinário do meu Rei e Senhor que me perdoou toda a minha enorme dívida! Como foi possível que tal benesse não tivesse calado fundo no meu coração empedernido e tivesse transformado radicalmente a minha forma de actuar! Em vez disso, estou agora na prisão recriminando quem deveria louvar, agradecer e ter em altíssima consideração. Mais: quando encontrei aquele que me devia cem denários não tive o mais pequeno rasgo de compreensão – de misericórdia – e cometi um acto de impensável impiedade. Como posso recriminar os meus companheiros por se terem indignado com a minha atitude?

Amargamente, chego à conclusão que a minha vida não vale nada! Tenho-me deixado dominar pelo dinheiro, pela posse, pelos bens mesmo atropelando direitos e deveres de solidariedade. Não tenho um amigo, uma pessoa que sinta prazer em estar comigo, sou um solitário – um solitário rico, é certo – um desgraçado com os cofres cheios e o coração vazio. Que me importa, agora, se tenho muitos ou poucos bens se não possuo o único bem que poderia dar-me conforto: a consciência tranquila! O que posso fazer para emendar – sim, tenho de emendar tudo isto – fazer uma profunda revisão de vida?

Já sei o que vou fazer: vou dar tudo quanto tenho ao meu Rei e Senhor para que faça o que bem entender e também vou passar recibos de quitação a todos a quem emprestei e ainda não me pagaram. Talvez que, o meu Rei e Senhor se sinta, uma vez mais, movido pela sua misericórdia e me devolva à liberdade com a promessa que jurarei cumprir com todas as minhas forças e empenho, de não voltar jamais a fazer o mesmo.

Acabo, assim, por chegar à conclusão que o meu Rei e Senhor me salvou de mim mesmo e – mesmo sem eu o merecer me deu uma oportunidade de arrependimento.

 

Seguia o cortejo fúnebre e, confesso não me sentia nada bem comigo mesmo. Como que um “peso” sobre o peito esmagava-me e fazia-me sentir muito mal, como se estivesse a representar um papel de um drama qualquer que, até então, tinha ignorado completamente. De propósito! Achava que não me dizia respeito!

A pobre mulher que seguia o féretro do filho único era de facto viúva de um homem que tinha sido um grande amigo meu, aliás, mais que amigo, um autêntico bem-feitor.

Devia-lhe uma soma de dinheiro não despicienda e, no entanto, nem enquanto vivo alguma vez me pressionara para que lhe pagasse como nem sequer, ao morrer, se encontrou qualquer nota da dívida pendente.

Senti-me “aliviado”, ninguém sabia do caso e, como nada havia escrito, a dívida pura e simplesmente deixara de existir. Na verdade  algumas vezes, pensei em resolver a situação até porque sabia que a viúva vivia com enormes dificuldades sendo o filho o único apoio com que contava para o seu parco sustento. Mas… fui deixando o tempo passar e não fiz nada. Agora… aquele “peso” de que falava fazia-me sentir uma enorme vergonha e um remorso quase insuportável.

Imerso nestes pensamentos mal me dei conta que o cortejo se detivera e que um homem se dirigia à viúva dizendo algo que eu não consegui ouvir. Toda a sua atitude era de compaixão pela pobre mulher e, até, pareceu-me ver os seus olhos húmidos de lágrimas. Quem seria o personagem?

A mulher não dera mostras de o reconhecer, mas olhava para ele com um olhar misto de espanto e esperança. As pessoas em redor abriram um espaço e o homem dirigiu-se ao féretro e estendendo a mão tocou e bradou com voz forte que todos pudemos ouvir bem: «Jovem, Eu te ordeno, levanta-te».

O que aconteceu a seguir foi algo extraordinário que jamais esquecerei: «O que tinha estado morto sentou-se, e começou a falar.» Então o homem, «pegando-lhe pela mão «entregou-o à mãe».

As pessoas que seguiam no cortejo fúnebre irromperam em gritos e exclamações de espanto e a dar graças a Deus por tão grande milagre que acabavam de presenciar.

O homem, discretamente, retirou-se acompanhado de uns quantos que pareciam ser seus amigos íntimos. Eu… caí de joelhos no chão duro, possuído de um choro incontrolável. Depois, informei-me sobre o personagem que operara o milagre e vários me disseram que era um Profeta, um tal Jesus de Nazaré, um Galileu.

Mais tarde, quando caiu a noite, fui a casa da viúva e entreguei-lhe uma bolsa com dinheiro, o dobro da quantia que o seu marido me emprestara e disse-lhe envergonhado, mas, ao mesmo tempo, feliz: ‘Este dinheiro pertence-te, foi o teu marido quem mo emprestou. A partir de hoje tudo quanto precisares diz-me e, eu providenciarei’. E, a verdade, é que eu, um homem duro e apenas preocupado comigo e a minha vida passei a olhar para os outros com outros olhos e, na minha povoação, toda a gente sabe que pode contar comigo para o que for.

….

 

Reflectindo

 

 

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