11/04/2023

Mt XIV

1 Por aquele tempo, a fama de Jesus chegou aos ouvidos de Herodes, o tetrarca, 2 e ele disse aos seus cortesãos: «Esse homem é João Baptista! Ressuscitou dos mortos e, por isso, se manifestam nele tais poderes miraculosos.» 3 De facto, Herodes tinha prendido João, algemara-o e metera-o na prisão, por causa de Herodíade, mulher de seu irmão Filipe. 4 Porque João dizia-lhe: «Não te é lícito possuí-la.» 5 Quisera mesmo dar-lhe a morte, mas teve medo do povo, que o considerava um profeta. 6 Ora, quando Herodes festejou o seu aniversário, a filha de Herodíade dançou perante os convidados e agradou a Herodes, 7 pelo que ele se comprometeu, sob juramento, a dar-lhe o que ela lhe pedisse. 8 Induzida pela mãe, respondeu: «Dá-me, aqui num prato, a cabeça de João Baptista.» 9 O rei ficou triste, mas, devido ao juramento e aos convidados, ordenou que lha trouxessem 10 e mandou decapitar João Baptista na prisão. 11 Trouxeram, num prato, a cabeça de João e deram-na à jovem, que a levou à sua mãe. 12 Os discípulos de João vieram buscar o corpo e sepultaram-no; depois, foram dar a notícia a Jesus. 13 Tendo ouvido isto, Jesus retirou-se dali sozinho num barco, para um lugar deserto; mas o povo, quando soube, seguiu o a pé, desde as cidades. 14 - Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão e, cheio de misericórdia para com ela, curou os seus enfermos. 15 Ao entardecer, os discípulos aproximaram-se dele e disseram-lhe: «Este sítio é deserto e a hora já vai avançada. Manda embora a multidão, para que possa ir às aldeias comprar alimento.» 16 Mas Jesus disse-lhes: «Não é preciso que eles vão; dai-lhes vós mesmos de comer.» 17 Responderam: «Não temos aqui senão cinco pães e dois peixes.» 18 «Trazei-mos cá» - disse Ele. 19 E, depois de ordenar à multidão que se sentasse na relva, tomou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos ao céu e pronunciou a bênção; partiu, depois, os pães e deu-os aos discípulos, e estes distribuíram-nos pela multidão. 20 Todos comeram e ficaram saciados; e, com o que sobejou, encheram doze cestos. 21 Ora, os que comeram eram uns cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças. 22 Depois, Jesus obrigou os discípulos a embarcar e a ir adiante para a outra margem, enquanto Ele despedia as multidões. 23 Logo que as despediu, subiu a um monte para orar na solidão. E, chegada a noite, estava ali só. 24 O barco encontrava-se já a várias centenas de metros da terra, açoitado pelas ondas, pois o vento era contrário. 25 De madrugada, Jesus foi ter com eles, caminhando sobre o mar. 26 Ao verem-no caminhar sobre o mar, os discípulos assustaram-se e disseram: «É um fantasma!» E gritaram com medo. 27 No mesmo instante, Jesus falou-lhes, dizendo: «Tranquilizai-vos! Sou Eu! Não temais!» 28 Pedro respondeu-lhe: «Se és Tu, Senhor, manda-me ir ter contigo sobre as águas.» 29 «Vem» - disse-lhe Jesus. E Pedro, descendo do barco, caminhou sobre as águas para ir ter com Jesus. 30 Mas, sentindo a violência do vento, teve medo e, começando a ir ao fundo, gritou: «Salva-me, Senhor!» 31 Imediatamente Jesus estendeu-lhe a mão, segurou-o e disse-lhe: «Homem de pouca fé, porque duvidaste?» 3 2E, quando entraram no barco, o vento amainou. 33 Os que se encontravam no barco prostraram-se diante de Jesus, dizendo: «Tu és, realmente, o Filho de Deus!» 34 Após a travessia, pisaram terra em Genesaré. 35 Ao reconhecerem-no, os habitantes daquele lugar espalharam a notícia por toda a região. Trouxeram-lhe todos os doentes, 36 suplicando-lhe que, ao menos, os deixasse tocar na orla do seu manto. E todos aqueles que a tocaram, ficaram curados.

 

Comentários:

 

Jurar é algo que deveria ser inaceitável por desnecessário e inconsequente. Desnecessário porque significa que de alguma forma se pede como que uma garantia que a pessoa a quem se pede não merece total credibilidade. Inconsequente porque se a palavra dada não é suficiente como o será o juramento?

Como comentar esta página “trágica” de São Mateus? A brutalidade e a total ausência de escrúpulos de que os homens são capazes, ultrapassam o que se pode imaginar. O desprezo absoluto pela dignidade e o valor da vida humana tem a sua expressão bem vincada neste personagem sinistro que se cruza na história da salvação. Os “Herodes” de hoje continuam a sua actuação desgarrada e destemperada, olhando o próprio desprezando o outro. Não têm nem valores nem critério e, no entanto, pasme-se, são filhos de Deus como nós. Procuremos que em vez de sentir revolta e asco por tais criaturas, pedir a Deus que se arrependam e façam uma revisão devida. A Deus nada é impossível.

Jesus Cristo deixa bem claro que a Sua missão neste mundo não se destina a resolver os eventuais conflitos ou questões entre os homens. Veio a este mundo para entregar um testemunho e uma “revisão” da Lei. Não pode, no entanto, deixar de por de sobreaviso sobre o verdadeiro objectivo da vida humana que deve ser a salvação eterna. Tudo aquilo, portanto, que possa constituir um entrave a esse objectivo – como, sem dúvida, são as excessivas preocupações temporais -,é de evitar e usar de grande contenção. A vida terrena só interessa verdadeiramente se for caminho para a Vida Eterna.

A necessidade que os homens sentem de estar com Jesus é de tal forma imperiosa que O seguem para onde quer que for mesmo que tal implique sacrifício e desconforto. Um lugar deserto! Que importa o local desde que Cristo esteja ali?

Desta vez é São Mateus quem nos relata este portentoso milagre de Jesus. Não poderia deixar de o fazer já que - embora não haja milagres menores e outros maiores – as consequências e o ambiente têm uma importância enorme. Uma multidão de gente saciada com uns poucos de pães e de peixes! Os doze cestos que sobraram depois de todos terem comido! Mas, talvez, o mais relevante foi a surpreendente “ordem” de Cristo: «dai-lhes vós de comer» Esta “ordem” é-nos dada também a nós, cristãos sem distinção de categorias ou importância; como se dissesse: ‘Tu, não deixes ninguém afastar-se porque tem fome e sede, dá-lhes o que precisam realmente: o alimento para o corpo e para a alma. Dá o que tens, não importa se muito ou pouco, porque, se o fizeres em Meu Nome, Eu providenciarei o que te possa faltar’.

Novamente o Senhor fala sobre a fé, desta vez para censurar Pedro. A fé de Pedro, naquela altura, é como a nossa, quase sempre: acreditamos, fazemos, até, um esforço para acreditar, mas… O resultado é, quase sempre, afundarmo-nos no meio das procelas da vida sentindo-nos perdidos e com medo. Mas, o Senhor, conta com essa nossa debilidade e está ali, sempre pronto e atento a responder ao nosso apelo: «Salva-me, Senhor!». E, como a Pedro, estende-nos a Sua mão e salva-nos porque nos quer, nos ama e sabe muito bem que precisamos dessas provas que a vida nos trás para robustecer a nossa fé e acreditarmos deveras que, Ele, pode tudo.

Este como que lamento de Jesus «homem de pouca fé, porque duvidaste?» fica-nos gravado na alma de forma indelével. Também nós, tantas vezes, duvidamos que Ele pode tudo e, se nos convida a segui-Lo, não obstante o “pouca coisa” que somos e as dificuldades que possamos encontrar, a Sua assistência, nunca nos faltará. Ele convida quem quer para O seguir mais de perto e, quem é convidado, não tem que interrogar-se o porquê do convite porque não sabemos os planos que Ele terá a nosso respeito. Coisas grandes ou de escasso relevo, mas, certamente, importantes, ou não faria o convite. Não sei, não sirvo, não sou digno, não tenho capacidade… tudo isto são razões sem razão porque, Ele, se convida, sabe. Aceitemos sem medo, ouvindo-O dizer como neste episódio que o Evangelista relata «Tranquilizai-vos! Sou Eu! Não temais!». E, acrescentando, comigo estarás sempre a salvo, seguro e no caminho certo!

Estas cenas que São Mateus nos relata de forma tão viva e detalhada têm uma importância extraordinária na formação dos futuros apóstolos. Jesus retira de qualquer circunstância ou acontecimento o que necessita para formar o carácter e fortalecer a fé dos O seguem mais de perto e, sobretudo, os que serão os seguidores a quem confiará a Sua Igreja.  Já estamos habituados a estas revelações da humildade daqueles homens que desejam que conste para sempre, as suas hesitações, os “altos e baixos” da sua confiança em Jesus… enfim, da sua fragilidade e medos. Claro que, temos de pensar, também com humildade, que, no nosso caso, as reacções que teríamos seriam idênticas porque, na verdade, há todo um ambiente de mistério e de poder divino que ultrapassa a simples compreensão humana. Mas, de facto, o que acontece, é que a convivência com o Senhor há-de levar estes homens simples a formarem uma fé e confiança sólidas como rocha e inabaláveis perante todas as adversidades. Leiamos com atenção quanto os Evangelhos nos relatam e peçamos ao Espírito Santo que nos ilumine o entendimento para entender e acreditar.

Quando o Senhor nos diz para fazer-mos alguma coisa mesmo que a experiência e o conhecimento das nossas incapacidades nos digam o contrário, não duvidemos um segundo e fazemos o que nos diz. Não nos há-de importar se temos de caminhar sobre as águas ou se temos de lançar a rede onde já tentámos uma e outra vez pescar sem qualquer resultado, se Ele o diz… Ah! Mas temos momentos de fraqueza, em que a nossa confiança estremece e falha! Não importa! Ele estará lá para nos estender a mão e arrancar-nos do abismo das águas ou para encher a nossa rede de abundante pescaria.