25/11/2014

Reflectindo - 52

O meu melhor amigo.


Deixei-me vencer pelo cansaço e adormeci. Foi como se uma luz se tivesse apagado que já bruxuleava incerta e iluminando quase nada.

O sono veio, suave como deve ser o sono da tranquilidade e da paz na alma e no coração. As preocupações e ansiedades não me tiram nem a paz nem a tranquilidade o que, confesso, me espanta bastante.

Tenho por costume pensar que tudo se resolve e que, tarde ou cedo, aparece uma solução. Tento fugir à tentação de dar voltas e mais voltas aos assuntos, sejam quais forem, tentando encontrar respostas, soluções, um ponto final. Sei muito bem que, normalmente, só consigo enredar-me cada vez mais nos meus próprios pensamentos e volto ao princípio, vezes sem conto, verificando que, aquilo, já tinha sido visto e avaliado.

Adormecido como estava não pude dar pela presença dele ao meu lado. Mas, de certa maneira, sentia-o, como o sinto quase sempre, numa presença constante, atenta e solícita, como que à espera de ordens, de sugestões, de pedidos para fazer ou intervir nisto ou naquilo.

Já não me espanta esta presença, mesmo quando durmo. Sei, de fonte segura, que é uma realidade. Não o oiço sussurrar-me: ‘Deixa lá… eu resolvo isso…’, ou, ‘não te preocupes, já tenho uma solução…’ e, o que é curioso, é que na verdade é o que faz, resolve as coisas, encontra soluções, ou, melhor, sugere-me como devo fazer, insinua-me as possibilidades.

É o meu melhor amigo. Está sempre presente e nunca me pede nada, nem sequer que lhe agradeça ou, até, que me lembre de o cumprimentar. Mas, nem, assim, com tão “fraco” amigo, como sou, desiste ou se vai embora ou se desinteressa dos meus assuntos.

Durmo seguríssimo que está de vela, vigilante, atento, disponível. Não interfere quando sonho algo que me incomoda ou faz mal, mas, tenho a certeza, é ele que me acorda com o “pretexto” de que sinto sede ou outra coisa qualquer.

Quando torno a adormecer o tal sonho já lá não está!

Não é um amigo maravilhoso, o meu Anjo da Guarda?

(ama, reflexão, 2010)




Tratado do verbo encarnado 40

Questão 6: Da ordem da assunção

Art. 5 — Se o Filho de Deus assumiu toda a natureza humana mediante as suas partes.

O quinto discute-se assim. — Parece que o Filho de Deus assumiu toda a natureza humana mediante as suas partes.

1 — Pois, diz Agostinho que a invisível e incomuntável Verdade assumiu, pelo espírito, a alma, pela alma, o corpo e assim todo o homem. Ora, o espírito, a alma e o corpo são partes de todo o homem. Logo, assumiu todo o homem mediante as suas partes.

2. Demais. — O Filho de Deus assumiu a carne mediante a alma, por ser mais semelhante a Deus a alma do que o corpo. Ora as partes da natureza humana, sendo mais simples, parece que são mais semelhantes ao ser simplicíssimo, que o todo. Logo, assumiu o todo mediante as partes.

Demais. — O todo resulta da união das partes. Ora, a união é entendida como o termo da assunção, ao passo que as partes se pre-inteligem à assunção. Logo, assumiu o todo, pelas partes.

Mas, em contrário, diz Damasceno: Em nosso Senhor Jesus Cristo não consideramos partes de partes, mas o que concorre proximamente à união, a saber, a divindade e a humanidade. Ora, a humanidade é um determinado todo, composto de alma e de corpo como de partes. Logo, o Filho de Deus assumiu as partes mediante o todo.

Quando nos referimos a um meio, na assunção da Encarnação, não designamos uma ordem temporal, porque foi simultânea a assunção do todo e das partes todas. Pois, como demonstramos, a alma e o corpo simultaneamente uniram-se uma ao outro para constituir a natureza humana no Verbo. E o que aí se designa é a ordem da natureza. Por onde, pelo que tem prioridade de natureza, é assumido o que vem em segundo lugar. Ora, a prioridade de natureza pode ser considerada a dupla luz relativamente ao agente e relativamente à matéria, pois, essas duas coisas preexistem à realidade. Assim, relativamente ao agente é primeiro, em sentido absoluto, o que lhe constitui a intenção primária, e, em sentido relativo, aquilo por onde lhe principia a acção. Quanto à matéria, é primeiro àquilo que primeiramente existe na transmutação dela. Ora, a ordem a que sobretudo devemos atender, na Encarnação, é a relativa ao agente, porque, como diz Agostinho, nessa matéria a razão total da obra é o poder do agente. Ora, como é manifesto, o completo vem antes do incompleto, na intenção do agente, e, por consequência, vem o todo antes das partes. Donde devemos concluir, que o Verbo de Deus assumiu as partes da natureza humana mediante o todo, Pois, assim como assumiu o corpo pela ordem que mantém para com a alma racional, assim, assumiu o corpo e a alma, pela ordem que mantêm para com a natureza humana.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — As palavras citadas nada mais dão a entender senão que o Verbo, assumindo as partes da natureza humana, assumiu toda a natureza humana. E assim, a assunção das partes tem prioridade, na ordem da operação, logicamente, mas não temporalmente. Mas a assunção da natureza tem prioridade na ordem da assunção, o que é ter prioridade absoluta, como se disse.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Deus é simples que também é perfeitíssimo. Donde o  todo é mais semelhante a Deus que ser mais perfeito.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Na união pessoal é que se termina a assunção, mas não, na união da natureza, que resulta da união das partes.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Não queiramos esquivar-nos à sua Vontade

Esta é a chave para abrir a porta e entrar no Reino dos Céus: "qui facit voluntatem Patris mei qui in coelis est, ipse intrabit in regnum coelorum" – quem faz a vontade de meu Pai..., esse entrará! (Caminho, 754)

Não te esqueças: muitas coisas grandes dependem de que tu e eu vivamos como Deus quer. (Caminho, 755)

Nós somos pedras, silhares, que se movem, que sentem, que têm uma libérrima vontade. O próprio Deus é o estatuário que nos tira as esquinas, desbastando-nos, modificando-nos, conforme deseja, a golpes de martelo e de cinzel.

Não queiramos afastar-nos, não queiramos esquivar-nos à sua Vontade, porque, de qualquer modo, não poderemos evitar os golpes. – Sofreremos mais e inutilmente, e, em lugar de pedra polida e apta para edificar, seremos um montão informe de cascalho que os homens pisarão com desprezo. (Caminho, 756)

A aceitação rendida da Vontade de Deus traz necessariamente a alegria e a paz; a felicidade na Cruz. – Então se vê que o jugo de Cristo é suave e que o seu peso é leve. (Caminho, 758)

Um raciocínio que conduz à paz e que o Espírito Santo oferece aos que querem a Vontade de Deus: "Dominus regit me, et nihil mihi deerit" – o Senhor é quem me governa; nada me faltará.


Que é que pode inquietar uma alma que repita sinceramente estas palavras? (Caminho, 760)

Ev. coment. L. esp. (Cristo que passa)

Tempo comum XXXIV Semana

Evangelho: Lc 21 5-11

5 Dizendo alguns, a respeito do templo, que estava ornado de belas pedras e de ricas ofertas, Jesus disse: 6 «De tudo isto que vedes, virão dias em que não ficará pedra sobre pedra que não seja derrubada». 7 Então interrogaram-n'O: «Mestre, quando acontecerão estas coisas, e que sinal haverá de que estão para acontecer?». 8 Ele respondeu: «Vede, não vos deixeis enganar; porque muitos virão em Meu nome, dizendo: Sou eu, está próximo o tempo. Não os sigais. 9 Quando ouvirdes falar de guerras e de tumultos, não vos assusteis; estas coisas devem suceder primeiro, mas não será logo o fim». 10 Depois disse-lhes: «Levantar-se-á nação contra nação e reino contra reino. 11 Haverá grandes terramotos por várias partes, pestes e fomes; aparecerão coisas espantosas e extraordinários sinais no céu.

Comentário:

A escatologia refere o fim do mundo como o terminar da vida terrena.
Como será?
No fragor de uma destruição de cataclismo?

Mas, cataclismos sucedem-se desde o princípio dos tempos e, a vida, continuou!

Porque não pomos a hipótese de esse fim do mundo ser tão só uma passagem tranquila para a vida eterna.
Assim a nossa preocupação deverá ser unicamente essa: estar prontos... Sempre prontos!

(ama, comentário sobre Lc 21, 5-11 2013.11.26)

Leitura espiritual

São Josemaria Escrivá

Cristo que passa

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Nada há que seja alheio ao interesse de Cristo. Falando com profundidade teológica, isto é, se não nos limitamos a uma classificação funcional, não se pode dizer rigorosamente que haja realidades - boas, nobres e até indiferentes - que sejam exclusivamente profanas, uma vez que o Verbo de Deus fixou morada entre os filhos dos homens, teve fome e sede, trabalhou com as suas mãos, conheceu a amizade e a obediência, experimentou a dor e a morte. Porque foi do agrado de Deus que residisse Nele toda a plenitude e por Ele fossem reconciliadas consigo todas a coisas, pacificando, pelo sangue da sua Cruz, tanto as da Terra como as dos Céus.

Devemos amar o mundo, o trabalho, as realidades humanas. Porque o mundo é bom. Foi o pecado de Adão que desfez a harmonia divina da criação. Mas Deus Pai enviou o seu Filho unigénito para restabelecer a paz, para que nós, tornados filhos de adopção, pudéssemos libertar a criação da desordem e reconciliar todas as coisas com Deus.

Cada situação humana é irrepetível, fruto de uma educação única, que se deve viver com intensidade, realizando nela o espírito de Cristo. Assim, vivendo cristãmente entre os nossos iguais, com naturalidade mas de modo coerente com a nossa fé, seremos Cristo presente entre os homens.

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Ao considerar a dignidade da missão a que Deus nos chama talvez possa surgir a presunção, a soberba, na alma humana. É uma falsa consciência da vocação cristã aquela que nos cegar, aquela que nos fizer esquecer que somos feitos de barro, que somos pó e miséria. Na verdade, não há mal apenas no mundo, ao nosso redor; o mal está dento de nós, abriga-se no nosso próprio coração, tornando-nos capazes de vilanias e de egoísmos. Só a graça de Deus é rocha firme; nós somos areia, e areia movediça.

Se se percorre com um olhar a história dos homens ou a situação actual do mundo, é doloroso verificar que, passados vinte séculos, há tão poucos que se chamam cristãos e que os que se adornam com esse nome são tantas vezes infiéis à sua vocação. Há anos, uma pessoa, que não tinha mau coração, mas não tinha fé, apontando-me o mapa-múndi, comentou: Aí está o fracasso de Cristo: tantos séculos procurando meter na alma dos homens a sua doutrina, e veja os resultados - não há cristãos.

Não falta hoje quem pense assim. Cristo, porém, não fracassou; a sua palavra e a sua vida fecundam continuamente o mundo. A obra de Cristo, a tarefa que seu Pai Lhe encomendou, está a realizar-se; a sua força atravessa a História, trazendo a vida verdadeira e quando tudo Lhe estiver sujeito, então também o próprio Filho se submeterá Àquele que tudo Lhe submeteu, a fim de que Deus seja tudo em todos.

Nesta tarefa que vai realizando no mundo, Deus quis que sejamos seus cooperadores; quer correr o risco da nossa liberdade. Emociona-me profundamente contemplar a figura de Jesus recém-nascido em Belém: um menino indefeso, inerme, incapaz de oferecer resistência... Deus entrega-Se nas mãos dos homens; aproxima-Se e desce até nós! Jesus Cristo, sendo de condição divina, não reivindica o direito de ser equiparado a Deus, mas despojou-Se a Si mesmo, tomando a condição de servo. Deus condescende com a nossa liberdade, com a nossa imperfeição, com as nossas misérias. Consente que os tesouros divinos sejam levados em vasos de barro; que O demos a conhecer misturando as nossas deficiências com a sua força divina.

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A experiência do pecado não nos deve, portanto, fazer duvidar da nossa missão. Certamente que os nossos pecados podem dificultar que Cristo seja reconhecido, e por isso devemos lutar contra as nossas misérias pessoais, buscar a purificação, sabendo, porém, que Deus não nos prometeu a vitória absoluta sobre o mal nesta vida, mas o que nos pede é luta. Sufficit tíbi gratia mea, basta-te a minha graça, respondeu Deus a Paulo, que pedia a sua libertação do aguilhão que o humilhava.

O poder de Deus manifesta-se na nossa fraqueza, e incita-nos a lutar, a combater os nossos defeitos, mesmo sabendo que nunca obteremos completamente a vitória durante este caminhar terreno. A vida cristã é um constante começar e recomeçar, uma renovação em cada dia.

Cristo ressuscita em nós, se nos tornarmos comparticipantes da sua Cruz e da sua Morte. Temos de amar a Cruz, a entrega a mortificação. O optimismo cristão não é um optimismo cómodo, nem uma confiança humana em que tudo correrá bem; é um optimismo que se enraíza na consciência da liberdade e na fé na graça; é um optimismo que nos obriga a exigirmo-nos a nós próprios, a esforçarmo-nos por corresponder ao chamamento de Deus.

Cristo manifesta-se, portanto, não já apesar da nossa miséria, mas, de certo modo, através da nossa miséria, da nossa vida de homens feitos de carne e de barro, no esforço por sermos melhores, por realizarmos um amor que aspira a ser puro, por dominarmos o egoísmo, por nos entregarmos plenamente aos demais, fazendo da nossa existência um serviço constante.

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Não quero terminar sem uma última reflexão: o cristão, ao tornar Cristo presente entre os homens, sendo ele mesmo ipse Christus, não procura apenas viver numa atitude de amor, mas também dar a conhecer o Amor de Deus através desse amor humano.

Jesus concebeu toda a sua vida como uma revelação desse amor: Filipe, - respondeu a um dos seus Apóstolos - quem me vê a Mim, vê o Pai. Seguindo esse ensinamento, o Apóstolo João convida os cristãos a que, já que conheceram o amor de Deus, o manifestem com as suas obras: Caríssimos, amemo-nos uns aos outros; porque o amor vem de Deus, e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece-0. Aquele que não ama não conhece Deus, porque Deus é Amor. Nisto se manifestou o amor de Deus para connosco: em ter enviado o seu Filho unigénito ao mundo para que por Ele vivamos. Nisto consiste o seu amor: não fomos nós que amámos Deus, mas foi Ele que nos amou e enviou o seu Filho para propiciação pelos nossos pecados. Caríssimos, se Deus nos amou assim, também nos devemos amar uns aos outros.

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É necessário, portanto, que a nossa fé seja viva, que nos leve realmente a crer em Deus e a manter um constante diálogo com Ele. A vida cristã deve ser vida de oração constante, procurando nós estar na presença do Senhor da manhã até à noite e da noite até à manhã. O cristão nunca é um homem solitário, posto que vive numa conversa contínua com Deus, que está junto de nós e nos Céus.

Sine intermissione orate, manda o Apóstolo - orai sem interrupção. E, recordando esse preceito apostólico, escreve Clemente de Alexandria: Manda-se-nos louvar e honrar o Verbo, a quem conhecemos como salvador e rei; e por Ele o Pai, não em dias escolhidos, como fazem alguns, mas constantemente, ao longo de toda a VIDA, e de todos os modos possíveis.

No meio das ocupações de cada jornada, no momento de vencer a tendência para o egoísmo, ao sentir a alegria da amizade com os outros homens, em todos esses instantes o cristão deve reencontrar Deus. Por Cristo e no Espírito Santo, o cristão tem acesso à intimidade de Deus Pai, e percorre o seu caminho buscando esse reino, que não é deste mundo, mas que neste mundo se inicia e prepara.

É preciso privar com Cristo na palavra e no Pão, na Eucaristia e na Oração. Tratá-Lo como se trata com um amigo, com um ser real e vivo como Cristo é, porque ressuscitou. Cristo, lemos na epístola aos Hebreus, como permanece eternamente, possui um sacerdócio eterno. Por isso, pode salvar perpetuamente os que por Ele se aproximam de Deus, vivendo sempre para interceder em seu favor.

Cristo, Cristo ressuscitado, é o companheiro, o Amigo. Um companheiro que se deixa ver só entre sombras, mas cuja realidade enche toda a nossa vida, e que nos faz desejar a sua companhia definitiva. O Espírito e a Esposa dizem: Vem/ E aquele que ouve, diga: Vem! Que aquele que tenha sede, venha! Que aquele que O deseja, receba gratuitamente a água da vida... O que dá testemunho destas coisas diz: Sim, Eu venho em breve. Assim seja. Vem, Senhor Jesus!

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Homilia pronunciada no dia 19 de Maio de 1966, Festa da Ascensão do Senhor.

A liturgia põe, mais uma vez, diante dos nossos olhos, o último dos mistérios da VIDA de Jesus Cristo entre os homens: a sua Ascensão aos Céus. Desde o seu nascimento em Belém já aconteceram muitas coisas: encontrámo-lO no berço, adorado por pastores e reis; contermplámo-lO nos longos anos de trabalho silencioso em Nazaré; acompanhámo-lO através das terras da Palestina, pregando aos homens o reino de Deus e fazendo bem a todos. E mais tarde, nos dias da sua Paixão, sofremos ao presenciarmos como O acusavam, com que furor O maltratavam e com que ódio O crucificavam.

À dor, seguiu-se a alegria luminosa da Ressurreição. Que fundamento tão claro e firme para a nossa fé! Já não deveríamos duvidar. Mas talvez, como os Apóstolos, sejamos ainda fracos e neste dia da Ascensão perguntemos a Cristo: É agora que vais restaurar o reino de Israel?; será agora que vão desaparecer definitivamente todas as nossas perplexidades e todas as nossas misérias?

O Senhor responde-nos subindo aos céus. Tal como os Apóstolos, ficamos meio admirados, meio tristes ao ver que nos deixa. Não é fácil, na realidade, acostumar-se à ausência física de Jesus. Comove-me recordar que, num gesto magnífico de amor, Se foi embora e ficou: foi para o Céu e entrega-Se-nos como alimento na Hóstia Santa. Sentimos, no entanto, a falta da sua palavra humana, do seu modo de actuar, de olhar, de sorrir, de fazer o bem. Gostaríamos de voltar a vê-Lo de perto, quando se senta à beira do poço, cansado da dureza do caminho, quando chora por Lázaro, quando reza durante longo tempo, quando se compadece da multidão!

Sempre me pareceu lógico - e me encheu de alegria - que a Santíssima Humanidade de Jesus Cristo subisse à glória do Pai, mas penso também que esta tristeza, própria do dia da Ascensão, é uma prova do amor que sentimos por Jesus, Senhor Nosso. Ele, sendo perfeito Deus, fez-Se homem, perfeito homem, carne da nossa carne e sangue do nosso sangue, mas separou-Se de nós para ir para o Céu. Como não havemos de sentir a sua falta?

118           
Intimidade com Jesus Cristo no Pão e na Palavra

Se soubermos contemplar o mistério de Cristo, se nos esforçarmos por vê-lo com olhos limpos, aperceber-nos-emos que também agora é possível aproximar-nos intimamente de Jesus, em corpo e alma. Cristo assinalou-nos claramente o caminho: pelo Pão e pela Palavra, alimentando-nos com a Eucaristia e conhecendo e cumprindo o que veio ensinar-nos, ao mesmo tempo que conversamos com Ele na oração. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele. Aquele que conhece os meus mandamentos e os guarda, esse é que me ama; e aquele que me ama será amado por meu Pai, e eu o amarei e me manifestarei a ele.

Não são meras promessas. São o que há de mais profundo, a realidade de uma VIDA autêntica: a vida da graça, que nos leva a relacionar-nos íntima, pessoal e directamente com Deus. Se observardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, como eu observei os preceitos do meu Pai, e permaneço no seu amor. Esta afirmação de Jesus, no discurso da última ceia, é o melhor preâmbulo para o dia da Ascensão. Cristo sabia que era preciso ir-se embora, porque, dum modo misterioso que nunca conseguiremos compreender, depois da Ascensão iria chegar - numa nova efusão do Amor divino - a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade: mas eu digo-vos a verdade: a vós convém que eu vá, porque se eu não for, não virá a vós o Paráclito; mas, se for, eu vo-lo enviarei.

Foi-se embora e enviou-nos o Espírito Santo, que rege e santifica a nossa alma. Ao actuar em nós, o Paráclito confirma o que Cristo nos anunciava: que somos filhos de Deus; que não recebemos o espírito de escravidão para actuarmos ainda com temor, mas recebemos o espírito de adopção de filhos, mercê do qual clamamos, dizendo: Abba, Pai!

Compreendeis? É a acção trinitária nas nossas almas. Todo o cristão tem acesso a esta inabitação de Deus no mais íntimo do seu ser, se corresponde à graça que nos leva a unir-nos com Cristo no Pão e na Palavra, na Sagrada Hóstia e na oração. A Igreja põe à nossa consideração diariamente a realidade do Pão vivo e dedica-lhe duas grandes festas do ano litúrgico: a da Quinta-Feira Santa e a do Corpo de Deus. Neste dia da Ascensão, vamos deter-nos na forma de conviver e de nos relacionarmos com Jesus, escutando atentamente a sua Palavra.

119           
Vida de oração

Uma oração ao Deus da minha vida. Se Deus é vida para nós, não deve causar-nos estranheza que a nossa existência de cristãos tenha de estar embebida de oração. Mas não penseis que a oração é um acto que se realiza e se abandona logo a seguir. O justo encontra na lei de Iavé a sua complacência e procura acomodar-se a essa lei durante o dia e durante a noite. Pela manhã penso em ti; e, durante a tarde, dirige-se a ti a minha oração como o incenso. Todo o dia pode ser tempo de oração: da noite à manhã e da manhã à noite. Mais ainda: como nos recorda a Escritura Santa, também o sono deve ser oração.

Recordai o que de Jesus nos narram os Evangelhos. Às vezes, passava a noite inteira ocupado em colóquio íntimo com o Pai. Como cativou os primeiros discípulos a figura de Cristo em oração! Depois de contemplarem essa atitude constante do Mestre pediram-Lhe: Domine, doce nos orare, Senhor, ensina-nos a orar assim.

São Paulo - orationi instantes, na oração contínua, escreve - difunde por toda a parte o exemplo vivo de Cristo. E S. Lucas, com uma pincelada, retrata a maneira de actuar dos primeiros fiéis: Animados de um mesmo espírito, perseveravam juntos em oração.

A têmpera do bom cristão adquire-se, com a graça, na forja da oração. E este alimento da oração, por ser vida, não se desenvolve através de um caminho único. O coração desafogar-se-á habitualmente com palavras, nas orações vocais que nos ensinaram o próprio Deus, Pai Nosso, ou os seus Anjos, Avé Maria. Outras vezes utilizaremos orações apuradas pelo tempo, nas quais se verteu a piedade de milhões de irmãos na fé: as da liturgia - lex orandi -; as que nasceram da paixão de um coração enamorado, como tantas antífonas marianas: Sub tuum praesidium..., Memorare..., Salve Regina...

Noutras ocasiões serão suficientes duas ou três expressões, lançadas ao Senhor como se fossem setas, iaculata: jaculatórias, que aprendemos na leitura atenta da história de Cristo: Domine, si vis, potes me mundare, Senhor, se quiseres podes curar-me; Domine, tu omnia nosti, tu scis qui amo te, Senhor tu sabes tudo, tu sabes que te amo; Credo, Domine, sed adjuva incredulitatem meam, creio, Senhor, mas ajuda a minha incredulidade, fortalece a minha fé; Domine, non sum dignus, Senhor, não sou digno!; Dominus meus et Deus meus, Senhor meu e Deus meu! Ou outras frases, breves e afectuosas, que brotam do fervor íntimo da alma e correspondem a uma circunstância concreta.

A vida de oração tem de fundamentar-se, além disso, em pequenos espaços de tempo, dedicados exclusivamente a estar com Deus. São momentos de colóquio sem ruído de palavras, junto ao Sacrário sempre que possível, para agradecer ao Senhor essa espera - tão só! - desde há vinte séculos. A oração mental é diálogo com Deus, de coração a coração, em que intervém a alma toda: a inteligência e a imaginação, a memória e a vontade. Uma meditação que contribui a dar valor sobrenatural à nossa pobre vida humana, à nossa vida corrente e diária.

Graças a esses tempos de meditação, às orações vocais, às jaculatórias, saberemos converter a nossa jornada, com naturalidade e sem espectáculo, num contínuo louvor a Deus. Manter-nos-emos na sua presença, como os que estão enamorados dirigem continuamente o seu pensamento à pessoa que amam, e todas as nossas acções - inclusivamente as mais pequenas - encher-se-ão de eficácia espiritual.

Por isso, quando um cristão se lança por este caminho de intimidade ininterrupta com o Senhor - e é um caminho para todos, não uma senda para privilegiados - a vida interior cresce, segura e firme; e o homem empenhasse nessa luta, amável e exigente ao mesmo tempo, por realizar até ao fim a vontade de Deus.

A partir da vida de oração podemos compreender um outro tema que nos propõe a festa de hoje: o apostolado, pôr em prática os ensinamentos de Jesus, transmitidos aos seus pouco antes de subir aos céus: servir-me-eis de testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia, na Samaria e até às extremidades da terra.

(cont)


Temas para meditar - 282


Humildade


Quando me fazem um cumprimento, tenho necessidade de me comparar com o jumento que levava a Cristo no dia de ramos. E digo-me: "Como se teriam rido do burro se, ao escutar os aplausos da multidão, se tivesse ensoberbecido e tivesse começado - asno como era - a agradecer à direita e à esquerda!... Não vás tu fazer uma figura ridícula semelhante.


(a. lucianniIlustríssimos Senhores, nr. 59)