Tempo comum XXXII Semana
Evangelho:
Lc 17, 11-19
11
Indo Jesus para Jerusalém, passou pela Samaria e pela Galileia.12 Ao
entrar numa aldeia, saíram-Lhe ao encontro dez homens leprosos, que pararam ao
longe, 13 e levantaram a voz, dizendo: «Jesus, Mestre, tem compaixão
de nós!». 14 Ele tendo-os visto, disse-lhes: «Ide, mostrai-vos aos
sacerdotes». Aconteceu que, enquanto iam, ficaram limpos. 15 Um
deles, quando viu que tinha ficado limpo, voltou atrás, glorificando a Deus em
alta voz, 16 e prostrou-se por terra a Seus pés, dando-Lhe graças.
Era um samaritano. 17 Jesus disse: «Não são dez os que foram
curados? Onde estão os outros nove? 18 Não se encontrou quem
voltasse e desse glória a Deus, senão este estrangeiro?». 19 Depois
disse-lhe: «Levanta-te, vai; a tua fé te salvou».
Comentário:
Mas,
os outros nove também tiveram fé porque, sem demora, fizeram o que Jesus lhes
mandara fazer!
Então
foi só a fé que salvou o samaritano?
Sim, é
evidente, mas não só.
Ao
ver-se curado a sua prioridade foi voltar para junto daquele que lha concedera,
para lhe agradecer e louvar.
Entendeu,
e muito bem, que “mostrar-se aos sacerdotes” fora uma espécie de “prova” a que
o Senhor o tinha submetido e, superada esta, nada mais restava fazer que,
exactamente, o que fez.
(ama,
comentário sobre Lc 17, 11-19, 2013.11.13)
Leitura espiritual
A PACIÊNCIA
…/3
À PROCURA DO CRIMINOSO
Isto, porém, não elimina o
facto de que as contrariedades existem, e é delas que, como de um gerador
elétrico, surge a corrente contínua ou alternada da impaciência.
Se nos perguntassem de
chofre: – ‘Por que você fica impaciente?’, logo apontaríamos o culpado: – ‘Tal
contrariedade mais ou menos frequente, mais ou menos constante’.
O culpado, o ‘criminoso’,
o agente provocador, é sempre a contrariedade que acomete, azucrina e faz
sofrer.
Caso pensemos assim – com
esta simplificação tão cândida –, será bom que observemos um fenómeno: nem toda
a gente fica impaciente diante das mesmas coisas. Há, portanto, “algo” dentro
de nós que nos faz receber “determinadas” contrariedades – muitas ou poucas –
de um modo negativo e que desemboca na impaciência, ao passo que outras não.
O que é esse “algo”?
Se conseguirmos
enxergá-lo, teremos aberto um bom caminho para diagnosticar a etiologia da impaciência
e para ver os remédios que conduzem à mais saudável paciência.
Pensemos, além disso, que
– tal como acontece com a preguiça –, afora os casos raros de infecção
generalizada (como a “preguiça integral” e a “impaciência permanente”), o
defeito da impaciência costuma ser “especializado”.
Cada um de nós tem as
“suas” impaciências particulares, mexe-se dentro do campo da sua
especialização.
Pode ser que pertençamos,
por exemplo, à turma daqueles “especialistas” que não têm paciência para
escutar o próximo, sobretudo o mais próximo (marido, mulher, filhos).
Sempre me recordarei de um
bispo velhinho, a quem – por razões de trabalho – visitava com certa
frequência.
Como muitos anciãos,
gostava de recordar coisas passadas, e eu – por respeito e inibição, pois era
muito jovem – ficava a ouvi-lo, de modo que praticamente nunca abria a boca:
limitava-me a deixá-lo falar.
Passado algum tempo, soube
com espanto que ele comentara a um colega que eu “tinha uma conversa muito
agradável”!
Senti vergonha, porque não
tinha consciência de estar sendo paciente, e aprendi uma lição.
Para mencionar outro
exemplo: não pertenceremos por acaso à turma especializada dos que jamais
admitem interrupções?
Estão “na deles” e dali
não saem.
Por mais que um filho, ou
a esposa ou qualquer outra pessoa precise da sua atenção, da sua palavra ou da
sua ajuda, o “homem intrinsecamente-ocupado-em-suas-coisas-muito-importantes”
vai limitar-se a “responder”, impaciente, com um olhar de poucos amigos, unido
a um ronco gutural ininteligível, mas perfeitamente interpretável.
E, ainda, não
pertenceremos talvez àquele outro rol de pós-graduados, conhecido como “a turma
dos impacientes mascarados”, que já apareciam acima divorciando-se?
– ‘Sou muito paciente,
dizem esses mascarados. Não brigo nunca!’
Mas sempre, sistematicamente, fogem, rápidos como
uma cobra d'água, de enfrentar questões difíceis e aborrecidas (uma conversa a
fundo com o filho, muito necessária), de aceitar compromissos (fazer oração
diariamente, ler um livro de formação cristã) ou de assumir responsabilidades
(colaborar habitualmente num trabalho assistencial).
A razão disso não está nem
na falta de tempo nem na falta de habilidade, mas no facto puro e simples de
que “não querem saber”, “não querem ter trabalho”, ou seja, não querem sofrer.
E eis neste caso a
impaciência em estado quimicamente puro, em forma de uma completa falta de generosidade
para aceitar com fé, esperança e amor “o que contraria”, aquilo de que “não gostamos”,
isto é, o sacrifício e o sofrimento que Deus nos pede para acolher.
OBTER E EDIFICAR
A MÃO E A CONTRAMÃO
– Isso me pegou na
contramão! – diz o impaciente contrariado.
Tem razão.
Aquilo foi-lhe ao encontro
e o abalroou, chocando-se com os seus desejos, com a sua tranquilidade ou com o
seu bem-estar.
Mas, ao escutarmos essa
sua queixa, seria lógico que lhe perguntássemos:
– E... qual é a sua mão?
Em matéria de paciência,
talvez seja esta a pergunta fundamental, a que melhor nos pode conduzir àquele
“algo” que mencionamos acima e que é a verdadeira causa das nossas impaciências.
Todos temos mão e
contramão na vida.
A mão é o objectivo para o
qual se orientam principalmente os nossos desejos, as nossas lutas, as nossas
ambições, as nossas esperanças de realização e de felicidade.
Essa orientação fundamental
é a autêntica directriz do nosso coração, das nossas reflexões, dos nossos
devaneios e dos nossos empenhos.
Constatamos esta realidade
em nós e nos outros. E, ao mesmo tempo, verificamos que essa orientação
fundamental varia de um homem para outro.
Mais ainda, que a mão
dessa direcção de vida tem sentidos contrários, conforme as pessoas.
Um professor
universitário, entusiasmado com as suas pesquisas, não pode viver sem os seus
livros e o seu estudo, chegando a sacrificar indevidamente a esse ideal
científico até a saúde e a família.
Pelo contrário, um
estudante vadio não consegue viver nem conviver com os livros e o estudo.
O contraste é ainda mais
marcante se entramos a fundo nas questões em que se enraízam o sentido e o
valor da vida.
Para um santo, um mundo
sem Deus seria uma noite horrenda, a quintessência do inferno.
Para um agnóstico, Deus é perfeitamente
dispensável, e todas as coisas estão niveladas pela mesma indiferença.
Se procurarmos meditar na
vida, e conseguirmos lucidez suficiente para pensá-la em profundidade,
perceberemos que todas as atitudes básicas, todas as orientações “de fundo”,
todas as “mãos”, se reduzem, em último termo, a duas, que podem ser enunciadas
em duas palavras: obter e edificar.
‘DÁ-ME A PARTE QUE ME
CORRESPONDE’
É comum perguntar a uma
criança:
– ‘O que é que você quer
ser quando crescer?’
A resposta pode ir desde
“engenheiro igual ao pai” até “bombeiro” ou “jogador da Seleção brasileira”.
Menos comum é perguntar:
– ‘O que é que você quer
fazer quando for grande?’
Possivelmente, a resposta
será: ‘Estudar, namorar, casar’...
Mas outras crianças
ficarão desnorteadas perante uma pergunta dessas. Elas sabem bem qual é a imagem
ideal de si mesmas em seus “sonhos”, mas custa-lhes considerar a vida como
tarefa.
Ora, o que é totalmente
incomum é perguntar:
– “O que é que você quer
dar, o que você gostaria de dar quando for grande?’
E, no entanto, esta é a
única pergunta que deveria fazer realmente sentido para um ser humano.
A atitude de muitos
perante a vida é radicalmente egoísta.
O mundo é “para mim”, a
vida é “para mim”.
Mesmo os amores são vistos
como um meio de obter o benefício da realização pessoal.
É por isso que muitos
pensam em marido ou mulher só enquanto “gostarmos”, ou seja, enquanto o egoísmo
receber vantagens dessa união.
É só começarem, porém, os
sacrifícios, que haverá despedida e partirão para outra.
E os filhos?
Às vezes, nem sequer se
pensa neles, e se espera tanto para tê-los que – com perdão do leitor – a
decisão de deixar descendência acaba por ser tomada depois da menopausa.
O egoísta, aquele que só
quer usufruir da vida, que quer “realizar-se” colocando o seu “eu” como meta e
centro do mundo, esse só sabe repetir as palavras que Cristo põe na boca do
filho pródigo:
«Pai, dá-me a parte que me toca» [i].
(cont.)
FRANCISCO FAUS, [ii]
A PACIÊNCIA, 2ª edição, QUADRANTE,
São Paulo 1998
(Revisão da versão
portuguesa por ama)
[ii]
Francisco Faus é licenciado em Direito pela
Universidade de Barcelona e Doutor em Direito Canônico pela Universidade de São
Tomás de Aquino de Roma. Ordenado sacerdote em 1955, reside em São Paulo, onde
exerce uma intensa atividade de atenção espiritual entre estudantes
universitários e profissionais. Autor de diversas obras literárias, algumas
delas premiadas, já publicou na coleção Temas Cristãos, entre outros, os
títulos O valor das dificuldades, O homem bom, Lágrimas de Cristo, lágrimas dos
homens, Maria, a mãe de Jesus, A voz da consciência e A paz na família.